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Miguélio

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Estátua de Miguel na Universidade de Bona, representando seu padrão iconográfico, matando Satã como um dragão ou serpente, retratado pela primeira vez no Miguélio.[1] Quis ut Deus? está inscrito em seu escudo

O Miguélio (em latim: Michaelion) foi um dos mais antigos e famosos santuários dedicados ao Arcanjo Miguel no Oriente Médio antigo e medieval. De acordo com a tradição, foi construído no século IV pelo imperador Constantino (r. 306–337) sobre um antigo templo pagão, e estava localizado ao norte de Constantinopla, na vila de Sostênio, moderna İstinye.[2][3] O templo pagão que existia lá tinha sido anteriormente associado com cura e medicina, e a tradição cristã continuou a associar a localização e o Miguélio com águas curativas. O Miguélio foi uma magnífica igreja e tornou-se modelo para centenas de outras igrejas na cristandade oriental.

Um templo chamado Leostênio (em grego: Λεωσθένιον) ou Sostênio (em grego: Σωσθένιον) existiu no local antes do século IV.[1][4][3] De acordo com uma tradição geral, corrente já desde o século VI, a Igreja de São Miguel em Sostênio foi fundada por Constantino, que visitou o templo, erigido pelos Argonautas e dedicado a Zeus Sostênio ou uma divindade alada. Constantino interpretou a estátua alada do templo como anjo cristão. Após dormir de noite no templo, Constantino relatou a visão que o anjo era o arcanjo Miguel, e converteu o edifício em um igreja em honra a ele.[5]

Contudo, de acordo com o estudioso francês Raymond Janin, esta tradição é mais provavelmente uma invenção posterior, criada em competição com outro grande santuário de Miguel, nas proximidades em Anáplo, que foi de data anterior. É certo, porém, que a igreja de São Miguel existia na virada do século VI, pois o rebelde Vitaliano fez-a seu quartel general e o imperador Anastácio I Dicoro (r. 491–518) visitou-a em 515.[6] Além disso, no começo do século V o historiador cristão oriental Sozomeno registra as devoções pelas multidões em Miguélio e escreveu em primeira-mão os relatos de cura de Miguélio, atestando que ele mesmo recebeu uma cura.[7][8] O templo pagão tinha sido anteriormente associado com cura e medicina e a tradição cristã continuou a associar o local e o Miguélio com águas curativas.[1]

Pelo final do século IX, a igreja tinha caído em ruína, até ser reconstruída por Basílio I, o Macedônio (r. 867–886). Como uma fundação imperial, logo eclipsou sua rival em Anáplo.[9] Um mosteiro foi anexado à igreja em uma data posterior desconhecida. É primeiro atestado seguramente no final do século XI e é continuamente mencionado até 1337. Janin supõe que foi demolida no século XV, e seu material foi usado na construção da fortaleza vizinha de Rumelihisarı.[10]

Batalha e iconografia

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Fólis de Constantino (c. 337) mostrando seu lábaro espetando uma serpente

Constantino foi o primeiro imperador romano a tornar-se um cristão e em 313 junto com seu coimperador Licínio assinou o Édito de Milão, permitindo que cristão adorassem livremente e construíssem igrejas públicas ao invés de adorarem em segredo.[11][12] Contudo, Constantino e Licínio depois lutaram entre si e em 324, Constantino derrotou Licínio na Batalha de Adrianópolis. O sítio da batalha não era longe do Miguélio, o que levou Constantino a atribuir a vitória ao arcanjo Miguel.[1]

Constantino sentiu que Licínio e Ário eram agentes de Satã, e associou-os com a serpente descrita no Livro da Revelação (12:9).[13] Constantino representou Licínio como uma cobra em suas moedas.[14] Após a vitória, encomendou uma representação dele mesmo e seus filhos matando Licínio representado como uma cobra - um simbolismo emprestado dos ensinamentos cristãos sobre o Arcanjo a quem ele atribuiu a vitória. Um pintura similar, desta vez com o próprio arcanjo Miguel matando uma serpente, então tornou-se um grande peça de arte no Miguélio e eventualmente levou à norma iconográfica do arcanjo Miguel como um santo guerreiro.[1]

Modelo para outras igrejas

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Após a construção da igreja um mosteiro foi adicionada a ela, e depois disso quatro outras igrejas em honra de arcanjo Miguel seguiram-na em Constantinopla. Durante o reinado dos próximos vários imperadores após Constantino, o número de igrejas dedicadas ao arcanjo em Constantinopla cresceu para quinze.[8] O Miguélio foi uma magnífica igreja e com base nos registros de milagres tornou-se um modelo para centenas de outras igrejas na cristandade oriental. Contudo, igrejas dedicadas ao arcanjo na cristandade ocidental defasaram aquelas no oriente pelo mesmo período.[15] Como no Miguélio, a associação do arcanjo Miguel com cura e proteção continuou no século VI, quando após uma praga em Roma, os doentes dormiam à noite na igreja do Castelo de Santo Ângelo dedicado a ele para salvar Roma da praga.[16][17]

Referências

  1. a b c d e Johnson 2005, p. 130.
  2. Necipoğlu 2001, p. 178.
  3. a b Janin 1953, p. 362.
  4. Anônimo 2010, p. 130.
  5. Williams 2004, p. 36.
  6. Janin 1953, p. 359.
  7. Rohrbacher 2002, p. 153.
  8. a b Butler 1866, p. 321.
  9. Janin 1953, p. 360.
  10. Janin 1953, p. 360-362.
  11. Kelly 1997, p. 158.
  12. Herbermann 1908.
  13. Odahl 2004, p. 315.
  14. Rüpke 2011, p. 159.
  15. Jameson 1848, p. 62.
  16. Holweck 1911.
  17. Butler 1866, p. 320.
  • Anônimo (2010). Dublin University magazine: a literary and political journal. 76. Charleston, Carolina do Sul: Nabu Press. ISBN 114360461X 
  • Butler, Alban (1866). The lives of the fathers, martyrs, and other principal saints. Dublim: James Duffy 
  • Herbermann, C.; Grupp, G. (1908). «Constantine the Great». Enciclopédia Católica. Nova Iorque: Robert Appleton Company 
  • Jameson, Anna (1848). Sacred and Legendary Art Vol. I. Londres: Longman, Brown, Green and Longmans. ISBN 0-7661-8144-8 
  • Janin, Raymond (1953). La Géographie Ecclésiastique de l'Empire Byzantin. 1. Part: Le Siège de Constantinople et le Patriarcat Oecuménique. 3rd Vol. : Les Églises et les Monastères. 3. Paris: Institut Français d'Etudes Byzantines 
  • Johnson, Richard Freeman (2005). Saint Michael the Archangel in medieval English legend. Woodbridge, Suffolk: Boydell Press. ISBN 1-84383-128-7 
  • Kelly, Joseph Francis (1997). The world of the early Christians. Collegevile, Minesota: The Liturgical Press. ISBN 0-8146-5313-8 
  • Necipoğlu, Nevra (2001). Byzantine Constantinople: Monuments, Topography and everyday Life. Leida, Boston: Brill. ISBN 90-04-11625-7 
  • Odahl, Charles Matson (2004). Constantine and the Christian empire. Londres e Nova Iorque: Routledge. ISBN 0-415-17485-6 
  • Rohrbacher, David (2002). The historians of late antiquity. Londres e Nova Iorque: Routledge. ISBN 0-415-20459-3 
  • Rüpke, Jörg (2011). A Companion to Roman Religion. Malden, Massachusetts: editora=Wiley-Blackwell. ISBN 1-4443-3924-9 
  • Williams, Mark F (2004). The Making of Christian Communities in Late Antiquity and the Middle Ages. Londres: Anthem Press. ISBN 1-898855-77-3