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Mudança da matriz de leitura ribossomal

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A mudança da matriz de leitura ribossomal, também conhecida como mudança da matriz de tradução ou recodificação traducional, é um fenômeno biológico que ocorre durante a tradução que resulta na produção de múltiplas proteínas únicas a partir de um único mRNA.[1] O processo pode ser programado pela sequência nucleotídica do mRNA, e às vezes é afetado pela estrutura secundária tridimensional do mRNA.[2] O fenômeno foi descrito principalmente em vírus (especialmente retrovírus), retrotransposons e elementos de inserção bacteriana, e também em alguns genes celulares.[3]

Características[editar | editar código-fonte]

As proteínas são traduzidas pela leitura de tri-nucleotídeos na cadeia de mRNA, também conhecidos como códons, a partir de uma extremidade 5' do mRNA até a extremidade 3'. Cada códon é traduzido em um único aminoácido; portanto, uma mudança de qualquer número de nucleotídeos no quadro de leitura que não for divisível por 3 fará com que codões subsequentes sejam lidos de maneira diferente.[4] Isso efetivamente altera a matriz de leitura ribossômica.

Exemplo[editar | editar código-fonte]

Neste exemplo, o seguinte trecho com palavras de três letras faz sentido quando lido desde o início:[1]

 |Início|UMA BOA ASA QUE VOA BEM ALI ...
 |Início|123 123 123 123 123 123 123 ...

No entanto, se o início da matriz de leitura for deslocado para entre o U e o H da primeira palavra (efetivamente um deslocamento da matriz de +1 ao se considerar a posição 0 como a posição inicial de U),

 U|Início|MAB OAA SAQ UEV OAB EMA LI...
 -|Início|123 123 123 123 123 123 12...

então o trecho será lido de forma diferente, deixando de fazer sentido.

Exemplo de DNA[editar | editar código-fonte]

Neste exemplo, a sequência a seguir é uma região do genoma mitocondrial humano com dois genes sobrepostos: MT-ATP8 e MT-ATP6. Quando lidos desde o início, esses códons fazem sentido para o ribossomo e podem ser traduzidos em aminoácidos (AA) a partir do código mitocondrial dos vertebrados:

 |Início|AAC GAA AAT CTG TTC GCT TCA ...
 |Início|123 123 123 123 123 123 123 ...
 |  AA  | N   E   N   L   F   A   S  ...

No entanto, o resultado é diferente quando a matriz de leitura é deslocada para um aminoácido a jusante (um deslocamento da matriz de +1 ao se considerar a posição 0 como a posição inicial de A):

A|Início|ACG AAA ATC TGT TCG CTT CA...
-|Início|123 123 123 123 123 123 12...
 |  AA  | T   K   I   C   S   L    ...

Agora, devido a esse deslocamento +1, a leitura do DNA é diferente. Esta nova matriz de leitura dos códons, portanto, resulta em diferentes aminoácidos.

Função[editar | editar código-fonte]

Em vírus esse fenômeno pode estar programado para ocorrer em locais específicos, o que permite que o vírus codifique vários tipos de proteínas a partir do mesmo mRNA. Exemplos notáveis incluem o HIV-1 (vírus da imunodeficiência humana),[5] RSV (vírus do sarcoma de Rous)[6] e o vírus influenza (gripe),[7] que dependem da mudança de matriz de leitura para criar uma proporção adequada de matriz-0 (tradução normal) e "matriz-trans" (codificada pela sequência mudada). Sua utilidade em vírus está relacionada principalmente à compactação de mais informação genética em uma quantidade menor de material genético.

Nos eucariotos, esse fenômeno parece desempenhar um papel na regulação dos níveis de expressão gênica, gerando paradas prematuras e produzindo transcritos não funcionais.[3][8]

Mecanismos de controle[editar | editar código-fonte]

A mudança da matriz de leitura ribossomal pode ser controlada por mecanismos encontrados na sequência do mRNA (cis-atuante). Isso geralmente é feito por uma sequência escorregadia, uma estrutura secundária do RNA ou ambas.[2] A mudança de estrutura também pode ser induzida por outras moléculas que interagem com o ribossomo ou o mRNA (ação trans).

Elementos trans-atuantes[editar | editar código-fonte]

Verificou-se que pequenas moléculas, proteínas e ácidos nucleicos estimulam casos de mudança de matriz de leitura. Por exemplo, o mecanismo de loop de feedback negativo na via de síntese da poliamina tem como base o aumento em mudanças de quadro +1 estimulado pelos níveis de poliamina, o que resulta na produção de uma enzima inibidora. Também se demonstrou que certas proteínas que são necessárias para o reconhecimento de códons ou que se ligam diretamente à sequência de mRNA modulam as mudanças de quadro. As moléculas de microRNA (miRNA) podem hibridar com uma estrutura secundária de RNA e afetar sua força.[9]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. a b Atkins JF, Loughran G, Bhatt PR, Firth AE, Baranov PV (setembro de 2016). «Ribosomal frameshifting and transcriptional slippage: From genetic steganography and cryptography to adventitious use». Nucleic Acids Research. 44 (15): 7007–7078. PMC 5009743Acessível livremente. PMID 27436286. doi:10.1093/nar/gkw530 
  2. a b Napthine S, Ling R, Finch LK, Jones JD, Bell S, Brierley I, Firth AE (junho de 2017). «Protein-directed ribosomal frameshifting temporally regulates gene expression». Nature Communications. 8. 15582 páginas. Bibcode:2017NatCo...815582N. PMC 5472766Acessível livremente. PMID 28593994. doi:10.1038/ncomms15582 
  3. a b Ketteler R (2012). «On programmed ribosomal frameshifting: the alternative proteomes». Frontiers in Genetics (em inglês). 3. 242 páginas. PMC 3500957Acessível livremente. PMID 23181069. doi:10.3389/fgene.2012.00242 
  4. Ivanov IP, Atkins JF (2007). «Ribosomal frameshifting in decoding antizyme mRNAs from yeast and protists to humans: close to 300 cases reveal remarkable diversity despite underlying conservation». Nucleic Acids Research. 35 (6): 1842–1858. PMC 1874602Acessível livremente. PMID 17332016. doi:10.1093/nar/gkm035 
  5. Jacks T, Power MD, Masiarz FR, Luciw PA, Barr PJ, Varmus HE (janeiro de 1988). «Characterization of ribosomal frameshifting in HIV-1 gag-pol expression». Nature. 331 (6153): 280–283. Bibcode:1988Natur.331..280J. PMID 2447506. doi:10.1038/331280a0 
  6. Jacks T, Madhani HD, Masiarz FR, Varmus HE (novembro de 1988). «Signals for ribosomal frameshifting in the Rous sarcoma virus gag-pol region». Cell. 55 (3): 447–458. PMC 7133365Acessível livremente. PMID 2846182. doi:10.1016/0092-8674(88)90031-1 
  7. Jagger BW, Wise HM, Kash JC, Walters KA, Wills NM, Xiao YL, Dunfee RL, Schwartzman LM, Ozinsky A, Bell GL, Dalton RM, Lo A, Efstathiou S, Atkins JF, Firth AE, Taubenberger JK, Digard P (julho de 2012). «An overlapping protein-coding region in influenza A virus segment 3 modulates the host response». Science. 337 (6091): 199–204. Bibcode:2012Sci...337..199J. PMC 3552242Acessível livremente. PMID 22745253. doi:10.1126/science.1222213 
  8. Advani VM, Dinman JD (janeiro de 2016). «Reprogramming the genetic code: The emerging role of ribosomal frameshifting in regulating cellular gene expression». BioEssays. 38 (1): 21–26. PMC 4749135Acessível livremente. PMID 26661048. doi:10.1002/bies.201500131 
  9. Dever TE, Dinman JD, Green R (agosto de 2018). «Translation Elongation and Recoding in Eukaryotes». Cold Spring Harbor Perspectives in Biology. 10 (8): a032649. PMC 6071482Acessível livremente. PMID 29610120. doi:10.1101/cshperspect.a032649