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O Processo Civilizatório (Darcy Ribeiro)

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
O processo civilizatório: etapas da evolução sociocultural
Autor(es) Darcy Ribeiro
Idioma língua portuguesa
País  Brasil
Assunto Antropologia, Ciências Políticas, História e Sociologia
Gênero ensaio
Editora Civilização Brasileira
Lançamento 1968
Páginas 320
ISBN 9788571646575

O processo civilizatório: etapas da evolução sociocultural é um livro do antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro escrito no final dos anos 1960, concebido como o primeiro da coleção "Estudos de Antropologia da Civilização"[nota 1]. No livro, o autor propõe uma nova interpretação das mudanças sociais, da ascenção e queda das civilizações, do desenvolvimento e do subdesenvolvimento e da história humana desde o surgimento da agricultura a mais de 10 mil anos atrás [nota 2], sendo basal a toda sua obra antropológica posterior.[1][2]

O autor do livro Darcy Ribeiro é considerado um dos principais homens públicos e intelectuais de seu tempo.[3] Teve trabalhos como historiador, antropólogo e obteve destaque ao tornar-se político filiado ao Partido Democrático Trabalhista (PDT), onde teve forte papel na luta pelos direitos indígenas.[4][5][6]

Dado isto, o contexto de produção do livro ecoava de um lado uma fase mais dura da ditadura militar brasileira - ainda mais explicitado pelo Ato Institucional n.º 5 - e do outro lado do oceano Atlântico, mais especificamente o mundo assistia os jovens da franceses, organizando um levante que ficou conhecido como maio de 68.[7][8][9]

Em o processo civilizatório, Darcy cria um panorama global para conseguir compreender o desenvolvimento da humanidade nos últimos milênios.[1] Ribeiro orienta-se em nomes como o de Karl Marx, Friedrich Engels e Leis De Morgan para buscar compreender como cada sociedade desenvolveu seu contato com a natureza - e como conseguiu conviver com ela e partir dela desenvolver-se.[1] O ponto central do ensaio de Darcy é buscar compreender como cada sociedade evoluiu.[10] No texto, Darcy ainda recorre a assuntos como Teoria da dependência e colonização sobre uma série de perspectivas durante todo o percorrer da humanidade.[10]

O livro é uma das principais obras de Darcy Ribeiro, e ainda ecoa em diversos debates acadêmicos no âmbito das ciências humanas.[11][12][13]

Logo no primeiro parágrafo da introdução, Ribeiro aponta a inexistência em sua época de um esquema antropológico suficientemente amplo para localizar qualquer sociedade que seja no continuum da evolução sociocultural. Isto, segundo o autor, faz com que a Antropologia mantenha muitos problemas, como o uso inadequado de esquemas de alcance médio, o enfoque dogmático nos estudos de caso, a desistência de buscar por generalizações e o uso implícito de esquemas evolutivos sem que se os discutam. Na tentantiva de ajudar a superar tais vícios, Ribeiro utiliza las ideias deste livro para fundamentar seus posteriores estudos antropológicos, reconhecendo a dificuldade que é isto para um indivíduo.

Além de estudos contemporâneos, Ribeiro recorre consideravelmente a Karl Marx, Lewis Morgan, Friederich Engels, Gordon Childe e Julian Steward para formular seu esquema, assim como às suas próprias experiências como estudioso das populações indígenas brasileiras.

Em um primeiro momento, o autor mostra outros esquemas de evolucao sociocultural e aponta algumas virtudes e limitações dos mesmos, mais tarde retomadas. Ele enfatiza a visão de Marx e Engels de uma universal tendência de condução do capitalismo ao socialismo, em oposição a esquemas que defendem a humanidade evoluindo unilinearmente do "primitivismo" à "civilização", os conceitos de Leslie White e Gordon Childe de revoluções tecnológicas e eras, bem como os estudos de Karl Wittfogel e Julian Steward sobre o desenvolvimento de certos focos culturais.

Ribeiro estabelece para si a concatenação das faseologias existentes e a sua associação a processos dinâmicos relacionados a influência de inovações tecnológicas nos modos de organização social, incluindo os movimentos de inovação, renovação, estagnação e renovação dos povos ao longo do espaço e do tempo.

Assumindo que os últimos 10 mil anos da história humana possam ser resumidos em uma série de inovações tecnológicas que permitiram a maioria dos humanos romper com a condição de caçador-coletor frente a modos mais homogêneos do que diversificados de prover a própria subsistência, se organizar socialmente e explicar suas experiências, Ribeiro expõe a espinha dorsal de seu trabalho neste livro e, em grandiosa medida, de todos mais de Antropologia que escreveria ulteriormente.

Revoluções tecnológicas

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A maioria dos estudiosos concorda com a classificação de Gordon Childe, que distingue três revoluções culturais […] a revolução agrícola que, introduzindo o cultivo de plantas e a domesticação de animais no sistema produtivo, transfigura a condição humana, fazendo-a saltar da condição de apropriadora do que a natureza provê espontaneamente à condição de organizadora ativa da produção; a revolução urbana fundada em novos progressos produtivos como a agricultura de regadio, a metalurgia e a escrita, que conduziu à dicotomização interna das sociedades numa condição rural e numa condição urbana, e à sua estratificação em classes sociais, além de outras profundas mudanças na vida social e no patrimônio cultural das sociedades que atingiu; e a revolução industrial que emergiu na Europa Ocidental com a descoberta e a generalização de conversores de energia inanimada para mover dispositivos mecânicos, responsável também por novas alterações fundamentais na estratificação social, na organização política e na visão de mundo de todos os povos.
— Darcy Ribeiro, 1972, p. 36.[14]

Depois de falar um pouco sobre o conceito de revolução tecnológica de Gordon Childe, Ribeiro concorda com o autor, mas adiciona cinco outras revoluções às suas três (agrícola, urbana e industrial), totalizando oito revoluções tecnológicas: revolução agrícola, revolução urbana, revolução do regadio, revolução metalúrgica, revolução pastoril, revolução mercantil, revolução industrial e revolução termonuclear.

Para Ribeiro, influenciado por Childe, as revoluções tecnológicas podem ser definidas como notáveis descobertas ou invenções relacionadas às tecnologias produtivas e militares que orientam certas mudanças do modo de organização social pelas suas implicações quantitativas e qualitativas na capacidade de intervenção na natureza, na produção de alimentos, no trabalho e na vida em geral. No entanto, a simples descoberta ou inovação não gera tais mudanças por si só e tampouco resulta exclusivamente nas mesmas mudanças sociais, como pode-se perceber ao analisarem-se antigas potências imperiais e suas colônias, sociedades que usaram praticamente as mesmas tecnologias naquelas áreas, mas que definitivamente não são "do mesmo tipo".

Processos civilizatórios (gerais e específicos)

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Para complementar o conceito acima, Ribeiro concebe o que chama de processos civilizatórios, que são as aplicações de uma nova tecnologia em vários aspectos da sociedade. Não basta para os povos agrícolas dominar a metalurgia do ouro ou do cobre para verdadeiramente mudarem de tipo, eles necessitam, por exemplo, aplicar estes novos conhecimentos na produção de ferramentas, de roupas de montaria, de correntes e coisas assim.

Ao todo, Ribeiro assume existirem treze processos civilizatórios gerais, cada um dos quais associado a uma revolução tecnológica, ainda que uma mesma possa ter vários associados a si: revolução agrícola, expansão pastoril, revolução urbana, expansão escravista, segunda expansão pastoril, revolução do regadio, revolução metalúrgica, revolução pastoril, revolução mercantil, expansão capitalista, revolução industrial, expansão socialista e revolução termonuclear.

Para especificar o processo civilizatório por que uma sociedade concreta passou ou está passando, Ribeiro utiliza o termo processo civilizatório específico, complementar aos treze acima, que são amplos e genéricos. Quando se está falando da tendência do desenvolvimento dos aquedutos levar a certas mudanças sociais, se está falando do processo civilizatório geral, em abstrato. Quando se está falando da concretização de tais tendências em casos específicos como Mênfis ou a civilização asteca, se está falando do processo civilizatório específico.

O autor define os processos civilizatórios como desenvolvimentos de revoluções tecnológicas ou a difusão das mesmas para além da sociedade em que surgiram, sem que isso implique em relações de subordinação. São, estas sim, as partes mais importantes do esquema, aquelas que efetivamente fizeram com que o ser humano rompesse com a condição de caçador-coletor em um dado momento e passasse a viver em sociedades cada vez mais homogêneas e integradas, e persistisse com isso desde então, em muitíssimo maior medida. Não por acaso, dá nome ao livro em questão.

Formações socioculturais

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Para cada processo civilizatório corresponde ao menos uma formação sociocultural, a depender do caráter da adoção tecnológica. Tais categorias são antes localizações no continuum da evolução sociocultural do que "etapas", "níveis", enfatizando as tendências de transformação anteriores e posteriores.

Por isso, nem mesmo um mínimo de características específicas é necessário existir em uma sociedade para que se a localize nesta ou naquela formação sociocultural. Ainda que a presença de animais de tração seja considerada por Ribeiro como presente nos impérios teocráticos de regadio, ela não é categórica: os maias e os astecas são incluídos junto aos egípcios mesmo sem essa característica, afinal existiram em um período onde não haviam grandes animais domesticáveis na América. A ênfase é na tendência de mudança, não na partilha de certas características, tais civilizações são postas como "do mesmo tipo" porque são ambas cristalizações da introdução de tecnologias específicas em sociedades de certo tipo, ao mesmo tempo em que também são pontos de partida para outras mudanças possíveis.

Movimentos socioculturais

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Aceleração evolutiva, atualização histórica, estagnação cultural e regressão cultural são conceitos fundamentais para a adequada compreensão da dinâmica da evolução sociocultural. Complementam a tese de que não é a mera tecnologia que faz uma sociedade ser isso ou aquilo, mas o caráter da relação entre ela e a sociedade.

Síntese em imagens

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Publicações

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A primeira publicação foi realizada no ano de 1968.[1] Nas décadas seguintes, o livro ganhou novas publicações principalmente na década 1990, que foi publicada em 1991 pela Editora vozes em Petrópolis no Rio de Janeiro e no fim da década em São Paulo pela Companhia das Letras.[15][16][17][18][19]

Ligações externas

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Referências

  1. a b c d Ribeiro, Darcy (1998 [1968]). O processo civilizatório: etapas da evolução sociocultural. [S.l.]: Companhia das Letras  Verifique data em: |data= (ajuda)
  2. Serpa, Talita (2014). «A nova teoria da antropologia da civilização: tradução para a língua inglesa de neologismos terminológicos criados por Darcy Ribeiro nas obras o processo civilizatório e o povo brasileiro». Universidade Estadual Paulista. Consultado em 24 de março de 2021 
  3. «Biografia». Academia Brasileira de Letras. Consultado em 24 de março de 2021 
  4. Heymann, Luciana Quillet (março de 2012). «O arquivo utópico de Darcy Ribeiro». História, Ciências, Saúde-Manguinhos (1): 261–282. ISSN 0104-5970. doi:10.1590/s0104-59702012000100014. Consultado em 25 de março de 2021 
  5. Mattos, André (2007). «Darcy Ribeiro : uma trajetória (1944-1982)» (PDF). Universidade Estadual de Campinas. Consultado em 24 de março de 2021 
  6. Penalva, Wellington (26 de outubro de 2020). «O amor pela educação: 98 anos de Darcy Ribeiro». Partido Democrático Trabalhista. Consultado em 24 de março de 2021 
  7. Giannazi, Carlos (4 de setembro de 2015). Marcha contra o saber: O Golpe militar de 1964 e o AI-5 na universidade de São Paulo (em inglês). [S.l.]: Global Editora 
  8. Ota, Nilton Ken (dezembro de 2018). «Interrupting the critique of the Marxist struggle imperative: Foucault and Groupe d'Information sur les Prisons (GIP)». Dados (em inglês) (4): 429–465. ISSN 0011-5258. doi:10.1590/001152582018164. Consultado em 25 de março de 2021 
  9. Varikas, Eleni (junho de 2018). «The Utopian Surplus». Acta poética (em inglês) (1): 155–161. ISSN 0185-3082. doi:10.19130/iifl.ap.2018.1.819. Consultado em 25 de março de 2021 
  10. a b Mariano, Rodrigo (2010). «O PROCESSO CIVILIZATÓRIO DE DARCY RIBEIRO» (PDF). Universidade Estadual do Centro-Oeste. Consultado em 24 de março de 2021 
  11. Romera, Edison (19 de julho de 2017). «O "Processo Civilizatório" como epistemologia descolonial: diálogos com Darcy Ribeiro» (PDF). Universidade Federal do Espírito Santo. Consultado em 24 de março de 2021 
  12. Moreira, João (28 de dezembro de 2012). «Uma ontologia evolucionista : considerações sobre a noção de desenvolvimento na obra de Darcy Ribeiro» (PDF). Universidade Federal de São Carlos. Consultado em 24 de março de 2021 
  13. Moreira, Gisele (2017). «UM RELATO PARA LEMBRAR DARCY RIBEIRO». Revista Artes de Educar (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). Consultado em 24 de março de 2021 
  14. RIBEIRO, Darcy (1972 [1968]). O processo civilizatório: etapas da evolução sociocultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. p. 36. 265 páginas  Verifique data em: |ano= (ajuda)
  15. Barreto, Denise (8 de setembro de 2019). «Petrópolis: restaurantes, hotéis, palácios, passeios e mais». Viagem e Turismo (em inglês). Editora Abril. Consultado em 25 de março de 2021 
  16. «O processo civilizatório : etapas da evolução socio-cultural / Darcy Ribeiro.». Biblioteca Nacional do Brasil. Consultado em 24 de março de 2021 
  17. «O processo civilizatório : etapas da evolução sociocultural / Darcy Ribeiro.». Biblioteca Nacional do Brasil. Consultado em 24 de março de 2021 
  18. «O processo civilizatório : etapas da evolução sociocultural / Darcy Ribeiro.». Publifolha. Consultado em 24 de março de 2021 
  19. «O processo civilizatório : etapas da evolução sociocultural / Darcy Ribeiro.». Biblioteca Nacional do Brasil. Consultado em 24 de março de 2021 


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