Racótis
Racótis (em egípcio, "Aquilo que é construído") é um dos bairros de Alexandria, situado na parte mais ocidental da cidade. Sua importância se destaca pela sua capacidade portuária, seu canal e seu templo dedicado à Serápis. Por se tratar de um bairro egípcio de Alexandria, sua importância também está relacionada a sua cidade que foi estabelecida na região pela sua capacidade portuária e por ser um ponto estratégico de ligação com o lago Mareotis e o rio Nilo, assim tendo vantagens geográficas, que permitiriam que a região se tornasse próspera economicamente. Alexandria teve seus bairros planejados através da organização determinada por Alexandre Magno, com seus muros e seu sistema de ruas.
História
[editar | editar código-fonte]Racótis era uma cidade do Egito Antigo que já existia na costa e que após a conquista de Alexandre, o Grande, deu o nome a cidade de Alexandria. O nome Racótis continuou a existir, mas como um bairro de Alexandria[1] pois a própria população grega continuava a designar o bairro como Racótis, devido aos nativos egípcios que viviam na região e seus monumentos em estilo egípcio.[2]
A conquista de Alexandre sobre a cidade se deu pela conquista do Egito, assim representando o fim do domínio do rei Persa Dario III no território. O fato fez com que Alexandre fosse recebido como libertador pois a insatisfação dos egípcios em relação aos persas era endêmica.[3]Por isso, os sacerdotes egípcios manifestaram sua gratidão fazendo de Alexandre um novo faraó, filho de Amon. Após as festividades de sua coroação, Alexandre passou o inverno na costa do Mediterrâneo numa vila conhecida como Racótis, no extremo ocidental do Delta e logo atrás da Ilha de Faros.[4]
A cidade de Racótis egípcia se tornou importante para Alexandre pois se estabeleceu a oeste do delta no istmo entre o mar e o lago Mareótis perto do braço Canópico do Nilo, um sítio salubre mesmo no verão por causa dos ventos etésios. O porto, protegido pela ilha de Faros, fica relativamente ao abrigo das grandes tempestades. Existem algumas lendas sobre a fundação de Alexandria. Podemos considerar que: Numa versão mais prosaica, seus conselheiros (Alexandre Magno) teriam observado que uma cidade construída em uma faixa de terra entre o mar e o Lago Mareótis logo atrás teria acesso fácil ao Nilo e ao Delta e uma fonte permanente de água doce, vital para o projeto. E ao construir uma estrada elevada para a Ilha de Faro, ele poderia, sem muito esforço, ter o maior e melhor porto da bacia oriental do Mediterrâneo, abrigado dos ventos etesianos e das perigosas correntes do oeste.[5]Por isso, Alexandre decidiu construir um porto de mar profundo que atendesse a uma armada agressiva e com uma grande frota. Contratou o maior arquiteto da época, Deinócrates, para projetar a cidade e em 7 de abril de 331 a.C. lançou a pedra fundamental.
Sociedade
[editar | editar código-fonte]A região de Racótis era povoada principalmente por pescadores, onde a insatisfação pelo controle dos Persas eram grande. Com a conquista da cidade, a satisfação geral aumentou pois os antigos macedônios eram mais "compreensivos" que seus predecessores e por terem sido auxiliados pelas diversas correntes de pensamento grega, foram mais facilmente aceitos nos territórios em que se instalaram.[6]
O bairro de Racótis era o mais desfavorecido da Cidade de Alexandria. O espectro social da cidade abria-se em amplo leque. No topo, estavam o rei e sua corte, os altos funcionários e o exército. Seguiam-se os eruditos, os cientistas e homens letrados, os negociantes ricos, os pequenos comerciantes, os artesãos, os estivadores, os marinheiros e os escravos. Os egípcios nativos, porém, formavam o corpo principal da população de Alexandria, abrangendo os camponeses, os artesãos, os pequenos comerciantes, os pastores, os marinheiros, etc. Falavam-se varias línguas nas ruas da cidade. O grego, em seus vários dialetos, era naturalmente a mais difundido e o egípcio era a língua falada nos bairros dos nativos.[7]
Porém era uma cidade grega, os cidadãos eram gregos ou macedônicos, mas os indígenas egípcios, encorajados a fixar-se ali, não possuíam direito politico.[8]Assim transformando os nativos em uma grande população de trabalhadores braçais, sem direitos políticos que eram direcionando aos trabalhos mais pesados.
Serapeu
[editar | editar código-fonte]O Serapeu de Alexandria (em latim: Serapeum) foi um santuário monumental para o culto de Serápis, fundado em 300 a.C. por Ptolemeu I Sóter e situado no bairro.
Este deus é produto do sincretismo das mitologias egípcia e grega. Serápis integra as divindades Osíris e Ápis egípcias, cujo culto associava-se com os deuses gregos Zeus e Hades. Ptolomeu Sóter tornou-o senhor tutor de Alexandria numa magistral operação política, conseguindo que tanto os egípcios mais tradicionalistas como a população grega relativamente nova aceitaram a este deus representado como um homem com barba, sedente e com uma espécie de cesto na cabeça, símbolo da fertilidade da terra, pois acredita-se estar cheio de sementes.
Fundação do Templo
[editar | editar código-fonte]Ao estabelecer Serápis na colina de Racótis, Ra-Kedem egípcio (actual Amudes-Sawari), Ptolomeu I pensava, certamente, na Acrópole de Atenas e seguia, ao mesmo tempo, o conselho de Aristóteles, para quem o deus principal devia ser instalado numa localização mais elevada: tal como Atena superintendia a Atenas, Serápis dominava Alexandria. Alexandria era, também deste ponto de vista, a nova Atena Atenas[9].
O monte que servia de base para o Templo de Serápis era o único natural em Alexandria, o que fazia dele um local adequado para o deus da cidade. O seu templo era conhecido pelo mundo civilizado como um monumento de tirar o fôlego e imenso, imponente, emoldurado pelo céu de nuvens ligeiras. Dentro da construção de mármore, encontrava-se a estátua do deus embelezada com marfim e, mesmo não sendo tão grande quanto a de Zeus de Olímpia, ainda era uma maravilha em beleza e feitio.[10]
Serápis
[editar | editar código-fonte]Do ponto de vista da religião, Ptolemeu foi responsável pela introdução do culto de Serápis, divindade híbrida que resultou da fusão do popular deus egípcio Osíris com Ápis. Ptolemeu procedeu igualmente à deificação de Alexandre Magno. Embora o sincrentismo tenha sido o objetivo maior na criação se Serápis, cada grupo o cultuava separadamante, segundo suas tradições.[11]
O mítico e primevo casal Osíris-Ísis da tradição faraónica cedeu lugar nos monumentos helenísticos à inseparável dupla Serápis-Ísis. O novo casal divino marcaria todo o período ptolomaico. O culto a Ísis, como expressão da antiga religião egípcia, foi também sempre alvo da política religiosa dos Lágidas[12]
Em Alexandria, a antiga deusa egípcia assumiria funções completamente inusitadas no âmbito dos seus atributos, como protectora da navegação e dos marinheiros Ísis Phari (Ísis senhora do mar), Ísis Pelágia (Ísis deusa do mar) e Ísis Euploia (Ísis da feliz navegação). Esta nova Ísis de Alexandria foi representada ora com roupagens gregas (chiton ou peplos e himation), ora com vestes de origem egípcia, embora sob reinterpretação à grega.[13] O seu renovado e atualizado guarda-roupa atestava o novo período e fulgor da sua existência e o profundo processo de helenização a que foi sujeita. Durante os Ptolomeus, em Alexandria, a carreira de Ísis decorrerá sempre um pouco à sombra de Serápis.[14] No entanto, na chôra (a terra natal de Ísis, por assim dizer), Serápis nunca alcançaria a devoção popular dedicada à antiga deusa Ísis, pelo menos por parte da população indígena a maioria demográfica do país, não esqueçamos. Não é, por isso, de estranhar que haja muito mais estátuas de Ísis do que há de Serápis.
Com Ptolomeu IV Filopátor (221-204 a.C.), dá-se a integração do deus Horpakhered ou Harpócrates, o Hórus criança, como filho de Serápis e de Ísis, a exemplo do esquema familiar da tradicional tríade egípcia Osíris, Ísis e Hórus, beneficiando de um santuário no recinto do Serapeu.
A nova tríade helenística, que dominará a vida cultual alexandrina, convidará ainda Anúbis, o deus psicopompo, um outro deus de relevo do antigo ciclo osiriano,cujo culto se passou também a celebrar no Serapeu de Alexandria. Os quatro deuses alexandrinos ou do panteão alexandrino partirão juntos para a diáspora mediterrânica. O antigo círculo osiriano transferiu-se, portanto, quase integralmente para o círculo familiar do deus Serápis, o que constituiu um elemento suplementar de apelo para os devotos egípcios e resultou da atenção particular do poder político pela camada cultural indígena.
Biblioteca do Serapeu
[editar | editar código-fonte]Apaixonado colecionador de livros, Ptolomeu II Filadelfo adquiriu todos os papiros e rolos que podia conseguir, até mesmo bibliotecas inteiras, como a de Aristóteles, embora os historiadores tenham discutido durante séculos se realmente a obteve inteira. Assim, ao final de seu reinado de quase quarenta anos, os livros transbordavam da Biblioteca para os escritórios e armazéns reais, por isso foi tomada a decisão de construir uma segunda biblioteca para abrigá-los. O projeto foi concretizado por seu filho Ptolomeu III Evérgeta (filho de Ptolomeu II Filadelfo e de sua primeira esposa, Arsinoé I), e uma biblioteca filha foi incorporada ao vasto Serapeu.[15]
Assim, existiram duas grandes Bibliotecas de Alexandria. A Biblioteca principal conhecida de Mãe e a anexa o templo de Serápis denominada biblioteca Filha. De início a Filha era usada apenas como complemento da primeira, mas com o incêndio acidental (por Júlio César), no século I, da Biblioteca Mãe, a Filha ganhou uma nova importância. Vinham sábios de todo o mundo para Alexandria e debatiam os mais variados temas. Em 272, durante a guerra entre o imperador Aureliano e a rainha Zenóbia, a Biblioteca Filha foi provavelmente destruída, quando as legiões de Aureliano tomaram a cidade de assalto.[16]
Porto Eunosto
[editar | editar código-fonte]O porto mercantil - Eunosto (significa bom regresso), fica distante dos pântanos do Delta e, no entanto, próxima do braço canópico do Nilo. O local encontrava -se ocupado por uma pequena aldeia chamada Racótis, bem protegida das vagas e das tempestades pela ilha de Faros[17] e um terceiro porto sobre o lago Mareótis destinava -se ao comércio interno.
O porto foi uma das primeiras fundações, pois ao norte possuía dois bons ancoradouros que davam para o Mar Mediterrâneo. O porto foi construído com um imponente quebra-mar que chegava até a ilha de Faros, onde foi erguido um famoso farol para orientar o tráfego marítimo, o Farol de Alexandria, e ficou conhecido como uma das sete maravilhas do mundo antigo. Esse porto tinha capacidade para abrigar as grandes embarcações que se tornaram típicas da época helenística, o que permitiu a Alexandria exportar sua produção excedente para o resto do país e estender o comércio a outras regiões, tornando-se assim a principal base marítima de todo o Mediterrâneo.[18]
Heptaestádio
[editar | editar código-fonte]O Heptaestádio, um dique com sete estádios de comprimento (aproximadamente 1.200 m), era uma enorme ponte que ficava ao norte de Racótis, muitas vezes referida como uma toupeira [19] ou um dique construído pelo povo de Alexandria , Egito , durante o período ptolomaico . [20] É a conexão entre a ilha do farol Faro e o continente, assim dividia a baia em dois portos a leste, o porto de guerra, os arsenais, os estaleiros navais e o porto pessoal do soberano " portus magnus". A oeste, o porto mercantil "Eunosto" que significa bom regresso. Há duas aberturas existentes no dique permitiam aos navios passar de um porto para o outro, acredita-se também ter servido como um aqueduto enquanto Faro foi habitado. Devido ao assoreamento ao longo dos anos, o antigo dique agora forma o Mansheya istmo .[21]
Canal
[editar | editar código-fonte]O canal era importante pela ligação entre o mar do Mediterrâneo e o rio Nilo através do lago Mareotis. Pelo canal pode-se chegar através das suas águas às mercadorias destinadas ao porto, mercadorias que poderiam vir de qual quer parte do Egito. A importância do canal de Racótis vem por ser o canal que unia o Mareótis e o porto. No lago existia outro canal que ligava ao rio nilo, fazendo assim um trajeto do porto Eunosto, lago Mareótis e o rio nilo.
Pilar de Pompeu
[editar | editar código-fonte]Pilar de Pompeu é uma coluna que está onde era o templo de Serápis. O eixo da coluna monolítica mede 20,46 m de altura, com um diâmetro de 2,71 m na sua base. O peso do pedaço de granito vermelho Aswan está estimado em 285 t. A coluna é 26,85 m de altura incluindo a sua base e de capital.[22]Adam 1977, p. 50 Outros autores dão dimensões ligeiramente divergentes.
A coluna coríntia tem algumas versões as mais aceitas são, que o nome dado da coluna é devido a que os cruzados acreditaram que assinalava o lugar onde fora enterrado Pompeu, outra tradição diz que esta coluna seja a única sobrevivente das 400 de um pórtico da biblioteca de Alexandria ou se tem suposto que foi erigida em honra do imperador Diocleciano (245-313), para celebrar a sua grande vitória em 296 sobre o general Aquileu, que um ano antes se proclamara imperador do Egito. Tal teoria é fundada numa inscrição que se encontra no seu embasamento. Porém, os investigadores do século XIX demonstraram que o fuste é na realidade o da Coluna de Serápis, que procede das ruínas do Serapeu de Alexandria, destruído em 391, muito depois do reinado de Diocleciano.
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]ADAM, Jean-Pierre (1977): "À propos du trilithon de Baalbek: Le transport et la mise en oeuvre des mégalithes", Syria, Vol. 54, No. 1/2, pp. 31–63 (50f.)
FLOWER, Derek.Biblioteca de Alexandria: as histórias da maior biblioteca da antiguidade. Tradução Otacílio Nunes e Valter Ponte. São Paulo: Nova Alexandria, 2002.
GREEN, Peter " Alexander's Alexandria" In: GREENBERG, Mark; HAMMA, Kenneth;
LEWIS, Naphtali. Greeks in Ptolemaic Egypt: Case studies in the Social History of the Hellenistic World. Oakville, Connecticut American Society of Papyrologists, 2001.
LÉVÊQUE, Pierre.Impérios e barbáries:do século III a.C. ao século I d.C. Tradução Ana Maria Rabaça. Tradução Artur Morão. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1979.
MOKTAR, Gamal. História geral da África, II: África antiga. rev. 2010.
MOMIGLIANO, Arnaldo. Os limites da Helenização. A Intervenção Cultural das Civilizações Gregas, Romana, Céltica, Judaica e Persa. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1991.
THIEL, Wolfgang (2006): "Die 'Pompeius-Säule' in Alexandria und die Viersäulenmonumente Ägyptens. Überlegungen zur tetrarchischen Repräsentationskultur in Nordafrika", in: Boschung, Dietrich; Eck, Werner: Die Tetrarchie. Ein neues Regierungssystem und seine mediale Präsentation, Wiesbaden: Reichert Verlag, ISBN 978-3-89500-510-7, pp. 249–322.
Referências
- ↑ O'Connor, Lauren. "The Remains of Alexander the Great: The God, The King, The Symbol." Constructing the Past 10.1 (2009): 8.
- ↑ Ferreira FH., O.A. Alexandria. Porto Alegre - RS.
- ↑ Green, 1996, p.7
- ↑ FLOWER, 2002, p. 12
- ↑ FLOWER, 2002, p. 13
- ↑ Momigliano, 1991, p.78
- ↑ MOKTAR, 2010, p. 171
- ↑ Ferguson, John. II Polis. IN: A HERANÇA DO HELENISMO. Lisboa: editorial verbo, 1973.
- ↑ Sales, José das Candeias. "O culto a Serápis e a coexistência helénico-egípcia na Alexandria ptolomaica." Revista Lusófona de Ciência das Religiões 12 (2013).
- ↑ MARGARET G EORGE. As memórias de Cleópatra. A filha de Ísis (vol. I) Lisboa, Edições Chá das Cinco, 2007,
- ↑ Lewis, op. cit., p.70
- ↑ Cf. F. Dunand, Le culte d’Isis dans le bassin oriental de la Méditerranée. I. Le culte d’Isis et les Ptolémées , EPRO 26, Leiden, E. J. Brill, 1973.
- ↑ Em relação às vestes e aos símbolos distintivos de Ísis, vide Iside. Il mito. Il misterio. La magia , Milão, Electa, 1997, pp. 86, 98, 108 e 111. A antiga deusa egípcia conservará, porém, alguns dos seus antigos atri- butos: coroa, sistro, sítula e nó isíaco nas vestes
- ↑ Também em Canopo, Ísis estava ligada a Serápis, sendo venerada como «a condutora das Musas» (Cf. A. Bernand, Alexandrie des Ptolémées , Paris, CNRS, 1995, p. 84; Id ., Alexandrie la grande , p. 132)
- ↑ Flower (2002, p. 21)
- ↑ Phillips, Heather A., "The Great Library of Alexandria?". Library Philosophy and Practice, August 2010
- ↑ MOKTAR, 2010, p. 169
- ↑ GRANT, M. - História Resumida da Civilização Clássica - Grécia e Roma, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1994.
- ↑ Pearson, Birger Albert (2004). gnosticismo e do cristianismo em romana e copta Egito . Continuum International Group Publishing. p. 104. ISBN 0-567-02610-8
- ↑ S. Khalid Al-Hagla. "Sustentabilidade Cultural: um trunfo de Cultural Indústria do Turismo" . Cetre Internacional para a Pesquisa sobre a Economia da Cultura, Instituições e Criatividade (EBLA)
- ↑ Bertrand Millet; Goiran, Jean-Philippe (2007). "Impactos da Heptastádio de Alexandria sobre costeiras Hydro-sedimentares Dynamics durante o período helenístico" . The International Journal of Nautical Archaeology
- ↑ Thiel 2006, pp. 251–254