Reforma tributária do Brasil
A reforma tributária do Brasil é uma medida com o propósito de promover modificações na arrecadação de tributos no Brasil. Ela representa um recurso significativo para a política econômica sendo capaz de proporcionar vantagens tanto para a população quanto para as empresas em funcionamento. A reforma tributária aprovada em 2023 tem como objetivo simplificar o processo de pagamento e cobrança de impostos, taxas e contribuições nos âmbitos federal, estadual e municipal.
História
[editar | editar código-fonte]A República do Brasil continuou usando grande parte das regras de impostos que já existiam no Império até os anos 1930. Naquela época, o país dependia muito da agricultura e do comércio internacional, especialmente de taxas sobre produtos importados, que chegaram a representar cerca de dois terços do dinheiro que o governo arrecadava. Pouco antes da Proclamação da República, o imposto referente às mercadorias importadas já correspondia a cerca da metade de todo o dinheiro que o governo recebia.[1]
Entre 1946 e 1966, os impostos internos sobre produtos se tornaram mais importantes, antes da reforma tributária, o imposto de consumo era responsável por mais de 45% do dinheiro que o governo federal arrecadava, o imposto de vendas e consignações era responsável por quase 90% do dinheiro arrecadado pelos governos estaduais, e o imposto de indústrias e profissões, que basicamente se tornou uma versão municipal do imposto de vendas e consignações, gerava quase 45% da receita dos municípios. Juntos, eles somavam 65% da receita tributária total do país, mas não eram suficientes para cobrir todas as despesas dos três níveis de governo. A reforma tributária, que vinha sendo pedida por muitas pessoas desde o final da década de 1940, foi planejada e implementada entre 1963 e 1966.[1]
Sistema Tributário Nacional
[editar | editar código-fonte]O Sistema Tributário Nacional é um conjunto de regras que regulam como os impostos são criados, cobrados, arrecadados e compartilhados. Isso inclui as regras na Constituição, leis, decretos, portarias e instruções normativas que tratam das obrigações fiscais. O termo 'sistema' significa que há uma organização e hierarquia nessas regras. Elas não estão todas no mesmo nível, mas têm uma estrutura escalonada. Os decretos, por exemplo, devem seguir as leis - tanto as ordinárias quanto as complementares - e essas, por sua vez, devem estar de acordo com a Constituição.[2]
Código Tributário Nacional
[editar | editar código-fonte]Abaixo da Constituição, existem algumas leis importantes, como o Código Tributário Nacional (CTN) e as leis complementares. Elas contêm regras gerais sobre impostos que se aplicam a todos os estados e municípios. Além disso, há resoluções do Senado Federal e do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), e depois vêm as leis que criam e regulam a cobrança de cada tipo de imposto em diferentes partes do país. O que une todos esses regulamentos em um sistema é a ideia de imposto, que discutiremos na próxima seção.[2]
Conselho Nacional de Política Fazendária
[editar | editar código-fonte]O Conselho Nacional de Política Fazendária é um colegiado formado por Secretários de Fazenda, Finanças ou Tributação dos estados e do Distrito Federal. Eles se reúnem sob a liderança do Ministro da Fazenda para discutir e tomar decisões sobre coisas relacionadas ao Imposto sobre Operações com Mercadorias e Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal (ICMS). Isso inclui acordos para dar ou retirar isenções fiscais e incentivos financeiros. Isso é definido na Constituição e em uma lei complementar específica.[3]
Tributos brasileiros
[editar | editar código-fonte]Apesar de as palavras "tributo" e "imposto" serem frequentemente usadas como se fossem a mesma coisa na linguagem comum, na realidade, dentro do sistema tributário nacional, existem diferentes tipos de tributos. O imposto é apenas um desses tipos; existem outros também. A ideia mais comum e, aparentemente, a que o Supremo Tribunal Federal adota atualmente é a de que existem cinco tipos diferentes de tributos, ou seja, cinco maneiras distintas em que o Estado pode exigir que as pessoas contribuam financeiramente de forma obrigatória. Essas cinco formas são: [2]
- impostos, são cobrados em decorrência de fatos do contribuinte que indiquem alguma forma de propriedade ou riqueza, alheios a qualquer atividade estatal (arts. 145, I, 153, 155, e 156 da CF).
- taxas, pressupõem uma atividade estatal específica que justifique sua cobrança (art. 145, II e III)
- contribuições de melhoria
- contribuições especiais
- empréstimo compulsório
As contribuições especiais, conforme definido no artigo 149, incluem contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas. Essas contribuições têm um propósito específico, ou seja, o dinheiro arrecadado tem um destino definido. Essa é a característica principal delas. Geralmente, são cobradas com base em uma ação ou situação do contribuinte, como é o caso das contribuições previdenciárias, que são usadas para financiar a previdência social, incluindo o pagamento de aposentadorias, por exemplo.[2]
Para classificá-las dessa forma, são usados pelo menos três critérios: (1) a situação que origina essas cobranças, chamada tecnicamente de "fato gerador"; (2) a obrigação legal de destinar o dinheiro arrecadado para fins específicos e (3) a previsão de devolver o dinheiro arrecadado após algum tempo em certos casos.[2]
Propostas de reformas
[editar | editar código-fonte]Atualmente, essas são as propostas de reforma tributária do Brasil, tendo sido aprovada a que se baseou na PEC 45/2019 (convertida na Emenda Constitucional nº 132/2023):[4]
PEC 41/2003
[editar | editar código-fonte]A Reforma Tributária está em discussão no Congresso desde 2003, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou a Proposta de Emenda à Constituição 41/03. Essa proposta foi aprovada naquele mesmo ano como Emenda Constitucional 42 e trouxe várias mudanças no sistema tributário nacional. A emenda determinou que 25% dos recursos da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) seriam compartilhados com estados, Distrito Federal e municípios, e introduziu a noventena como regra para a cobrança de impostos. Além disso, estendeu a vigência da CPMF e da Desvinculação de Receitas da União (DRU) até 2007, o que permitiu que 20% da arrecadação da União fosse utilizado livremente.[5]
A emenda estabeleceu que 25% dos recursos arrecadados com a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) seriam compartilhados com estados, Distrito Federal e municípios. Além disso, introduziu a regra da noventena para a cobrança de tributos. Ela também prorrogou a CPMF e a Desvinculação de Receitas da União (DRU) até o ano de 2007, o que permitiu que 20% da arrecadação da União fossem utilizados de forma flexível.[5]
Quanto ao Imposto Territorial Rural (ITR), que é de responsabilidade da União, foi definido que os municípios têm a opção de receber a totalidade da arrecadação relacionada às propriedades em seu território, desde que se encarreguem da cobrança e fiscalização do imposto. Se optarem por deixar essa responsabilidade para o Governo federal, receberão 50% da arrecadação.[5]
No que diz respeito ao ICMS, que é um imposto estadual sobre a circulação de mercadorias e serviços, foi introduzida uma isenção do imposto para os serviços de radiodifusão que são oferecidos de forma gratuita.[5]
PEC 293/2004
[editar | editar código-fonte]A PEC 293/04 estabelece limites e critérios para calcular a carga tributária nacional, levando em consideração a receita de impostos dos estados e municípios, o Produto Interno Bruto e a dívida pública. A proposta proíbe que o governo federal cobre impostos sobre a importação de obras de artistas brasileiros, mesmo que essas obras tenham sido produzidas no exterior, e também sobre obras de artistas estrangeiros que abordem temas brasileiros. Além disso, a PEC tira do governo federal a competência para cobrar impostos sobre florestas e outras formas de vegetação natural consideradas de preservação permanente. Por fim, a proposta cria um programa de renda mínima para garantir que famílias de baixa renda tenham condições de subsistência.[5]
Emenda Constitucional 132/2023
[editar | editar código-fonte]Promulgada em 20 de dezembro de 2023, foi a primeira reforma ampla sobre o sistema tributário nacional realizada sob a vigência da Constituição Federal de 1988, após 30 anos de discussão. Entre as alterações realizadas, está a unificação de cinco tributos — ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins — em uma cobrança única, que será dividida entre os níveis federal (CBS: Contribuição sobre Bens e Serviços) e estadual (IBS: Imposto sobre Bens e Serviços), que são impostos sobre o valor adicionado (IVA), permitindo o fim da cobrança em cascata e da cumulatividade.[6][7]
O início da proposição e deu por meio PEC 45/2019, com tramitação na Câmara dos Deputados. A aprovação na Câmara ocorreu no dia 7 de julho de 2023, tendo sido remetida ao Senado, que a aprovou no dia 8 de novembro, com alterações no texto. A versão final do texto foi votada na Câmara no dia 15 de dezembro 2023.[6]
A reforma também criou um imposto seletivo (IS) para desestimular o consumo de produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Também foi aprovada a isenção de todos os impostos incidentes sobre os alimentos que compõem a cesta básica nacional e um modelo de cashback por meio do qual famílias mais pobres receberão a devolução de parte dos impostos pagos.[8]
Um dos formuladores da proposta foi o secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy.[6]
Transição
[editar | editar código-fonte]O período de transição para unificação dos tributos deve durar até sete anos, entre 2026 e 2032. Os impostos atuais serão extintos a partir de 2033.[9]
Em 2027, deverá ocorrer a entrada em vigor do Imposto Seletivo e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) terá suas alíquotas reduzidas a zero em todo o país, com exceção dos produtos que tenham industrialização incentivada na Zona Franca de Manaus (ZFM).[9]
Alíquotas e isenções
[editar | editar código-fonte]A emenda aprovada prevê corte de 60% de tributos para 13 setores, como educação, saúde, medicamentos, transporte coletivo de passageiros, produtos de higiene pessoal e limpeza, produtos agropecuários, dentre outros.[9]
Alguns tipos de produtos e serviços poderão receber tratamento específico na cobrança dos IVAs, com mudanças na base de cálculo dos tributos e no valor das alíquotas, a ser definido em lei complementar.[9]
Também está prevista a isenção dos IVAs sobre uma série de bens e serviços, a ser definida em lei complementar. A cada cinco anos, a manutenção desses benefícios deverá ser reavaliada.[9]
Renda e patrimônio
[editar | editar código-fonte]Com relação à tributação da renda e do patrimônio, passou a ser prevista a cobrança do IPVA para jatinhos, iates e lanchas, exceto aeronaves utilizadas em serviços agrícolas.[9]
Foi estabelecida uma cobrança progressiva do ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação), em razão do valor da herança ou da doação e será cobrado no local de domicílio do falecido.[9]
Fundos
[editar | editar código-fonte]Deverá ser criado o Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR), com o objetivo de reduzir as desigualdades regionais e sociais, com a distribuição de recursos da União a estados e ao Distrito Federal, que devem ser utilizados prioritariamente na sustentabilidade ambiental e redução das emissões de carbono.[9]
Um fundo de compensação deverá ser criado fundo para compensar pessoas físicas ou jurídicas que perderam benefícios fiscais concedidos até 31 de maio de 2023 e garantidos até 2032. A União deverá compensar, a partir de 2026, eventuais perdas de arrecadação com a criação do IVA nos estados e municípios.[9]
Comitê Gestor
[editar | editar código-fonte]Um Comitê Gestor do IBS deverá ser criado para centralizar a arrecadação do futuro IVA compartilhado entre estados e municípios, além de distribuir o montante arrecadado e efetuar compensações.[9]
Regulamentação
[editar | editar código-fonte]O primeiro projeto de lei de regulamentação da Reforma Tributária (Projeto de Lei Complementar 68/24) foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 10 de julho de 2024, definindo os alimentos da cesta básica nacional isentos de impostos e como será o cashback para famílias carentes, além de regras para as cobranças dos três impostos sobre o consumo (IBS, CBS e Imposto Seletivo). O texto seguiu para o Senado.[10][11]
Em 13 de agosto de 2024, a Câmara aprovou o texto-base do segundo projeto de regulamentação (Projeto de Lei Complementar 108/24), fixando regras para a composição do comitê gestor dos novos impostos, além de normas para a taxação de heranças em situações específicas. Em 30 de outubro, a Câmara concluiu a votação, rejeitando a cobrança de imposto sobre grandes fortunas e a cobrança de Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) sobre herança de previdência privada.O texto seguiu para o Senado. [12][13]
Referências
- ↑ a b Varsano, Ricardo. «A evolução do sistema tributário brasileiro ao longo do século: anotações e reflexões para futuras reformas» (PDF). IPEA
- ↑ a b c d e Correia Neto, Celso de Barros. «Sistema tributário nacional - texto base da consultoria legislativa». Câmara dos Deputados. Consultado em 22 de setembro de 2023
- ↑ «CONFAZ - Competências». Ministério da Fazenda do Brasil. Consultado em 22 de setembro de 2023
- ↑ «Proposições legislativas». Câmara dos Deputados. Consultado em 22 de setembro de 2023
- ↑ a b c d e «Entenda o histórico da Reforma Tributária». Câmara dos Deputados. Consultado em 22 de setembro de 2023
- ↑ a b c «Congresso promulga reforma tributária». Senado Federal. Consultado em 17 de setembro de 2024
- ↑ «Promulgada pelo Congresso, reforma tributária só será implementada completamente em 2033». www12.senado.leg.br. Consultado em 17 de setembro de 2024
- ↑ «Reforma tributária barateia comida saudável e ajuda luta contra fome». Senado Federal. Consultado em 17 de setembro de 2024
- ↑ a b c d e f g h i j «Em votação histórica, Câmara aprova a reforma tributária; texto vai à promulgação». G1. 15 de dezembro de 2023. Consultado em 17 de setembro de 2024
- ↑ autor, Sem (11 de julho de 2024). «Conheça os principais pontos da regulamentação da reforma tributária». Consultor Jurídico. Consultado em 17 de setembro de 2024
- ↑ «Câmara aprova projeto de regulamentação da reforma tributária com carne isenta de imposto». G1. 10 de julho de 2024. Consultado em 17 de setembro de 2024
- ↑ «Câmara aprova texto-base de proposta que fixa regras para comitê gestor na reforma tributária». G1. 13 de agosto de 2024. Consultado em 17 de setembro de 2024
- ↑ Borges, Emilly Behnke, Rebeca. «Câmara rejeita imposto sobre grande fortunas na regulamentação da tributária». CNN Brasil. Consultado em 31 de outubro de 2024
Ligações externas
[editar | editar código-fonte]- 1964 A 1967 - A Reforma Tributária, Ministério da Fazenda do Brasil, 1 de setembro de 2015
- Schuller, Harry Conrado, A distribuição dos tributos na federação brasileira, 1987, Senado Federal
- Código Tributário Nacional, 2012, Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publicações e Subsecretaria de Edições Técnicas, 2a Edição, Brasília, DF, ISBN: 978-85-7018-465-8