O Teorema de Krull-Remak-Schmidt é um resultado da Teoria dos Grupos que lida com as possíveis maneiras de expressar um grupo como uma decomposição de Remak, desde que tal grupo satisfaça certas condições de finitude em cadeias de subgrupos normais.
Se
é um grupo, é sempre verdade que seu centro,
, permanece invariante sob a ação de
, o grupo de automorfismos de
. Segue que um automorfismo
induz um endomorfismo
, o único satisfazendo
, onde
projeta
sobre
. Imediatamente se obtém que
. O automorfismo
dir-se-á central quando
. Isso é claramente equivalente a
para todo
, que é equivalente a
comutar com todo automorfismo interno de
, i.e.,
. O conjunto de automorfismos centrais é um subgrupo de
, denotado por
.
Diremos que um grupo
satisfaz a condição
(ou condição da cadeia ascendente, c.c.a, para subgrupos normais) se toda cadeia ascendente
de subgrupos normais de
eventualmente estabiliza, isto é, se houver
tal que
para todo
. A condição
, a respeito de cadeias descendentes de subgrupos normais, é definida similarmente. As propriedades
e
são fechadas para a formação de extensões, isto é, se
e
e
detêm a propriedade em questão, então
também possui.
Exemplo 1. Não é difícil provar que um grupo possui
se, e somente se, todo subgrupo normal é o fecho normal de algum subgrupo finitamente gerado. Em particular, para grupos Abelianos, possuir
é equivalente a ser finitamente gerado. Segue que um grupo Abeliano livre de posto finito possui
. Grupos Abelianos livres não possuem
, haja vista que uma condição necessária para um grupo Abeliano possuir
é que ele seja de torção.
Exemplo 2. Se
é um inteiro positivo primo, o
-grupo quasicíclico de Prüfer
, que pode ser visto como o subgrupo dos
-elementos do grupo multiplicativo
do corpo dos números complexos, possui
, já que qualquer um de seus subgrupos próprios é cíclico finito. Não possui
pois é Abeliano não finitamente gerado.
Exemplo 3. O grupo
, a componente de torção de
, não possui nem
, nem
. Se
é um conjunto de primos, seja
. Então se ordenarmos os primos
, segue que
é uma cadeia descendente de subgrupos de
, todos contendo
, que não estabiliza.
Exemplo 4. (A propriedade
pode não ser herdada por subgrupos normais) Seja
o grupo aditivo dos números racionais diádicos, isto é,
é o subgrupo de
consistindo dos elementos da forma
, com
e
inteiros. Façamos o grupo cíclico infinito
agir em
segundo a regra
. Essa é uma ação por automorfismos, logo podemos formar o produto semidireto
. Quais são os subgrupos de
estáveis sob a ação de
? Afirmo que a associação
é um monomorfismo de conjuntos parcialmente ordenados que leva um
-subgrupo de
a um subgrupo de
: de fato, seja
; se
está em
, então, sendo
um
-subgrupo de
, segue que
está em
, donde
, logo
. Analogamente, temos
se
; portanto,
para todo
e todo
, provando a afirmação. Segue disso que toda cadeia ascendente de
-subgrupos de
eventualmente estabiliza. Se
, então
é um
-subgrupo de
e
. Isso é suficiente para concluir que
possui
; note, contudo, que
é um grupo Abeliano não finitamente gerado.
Exemplo 5. (V. S. Čarin – A propriedade
pode não ser herdada por subgrupos normais) Seja
um número primo. O fecho algébrico de
, o corpo de
elementos, é, a menos de isomorfismo,
. Essa é uma extensão algébrica, algebricamente fechada de
. O grupo multiplicativo
é de torção, portanto podemos escrever
, onde
é o subgrupo dos
-elementos de
. Se
, então
, uma vez que estamos em característica
; logo,
, donde
. Se
, o polinômio
decompõe-se em fatores lineares, logo, possui menos de
raízes se e somente se possui raízes repetidas – caso imediatamente descartado pela derivada. Então o subgrupo
tem
elementos e, sendo um subgrupo finito do grupo multiplicativo de um corpo, é cíclico. Temos daí a cadeia ascendente de subgrupos cíclicos
com
. Pode-se concluir que
, o
-grupo quasicíclico de Prüfer. Finalmente,
. Agora, fixe um primo
distinto de
. Seja
o subcorpo de
gerado sobre
pelos elementos de
e seja
o grupo aditivo de
, de forma que
é um
-grupo Abeliano elementar infinito (logo não possui
). Considere o subanel de
gerado sobre
pelos elementos de
; vê-se facilmente que todo elemento em tal subanel está em algum anel
, para algum
. Como
é algébrico sobre
, o anel
é um corpo, portanto o subanel
coincide com o corpo gerado pelos elementos de
. O grupo
age por automorfismos sobre
, por meio da multiplicação do corpo. Temos então o produto semidireto correspondente
. Se
é um
-subgrupo de
, seja
; pelas considerações anteriores, podemos escrever
com os
s em
e os
s em
. Temos
para todo
. Logo
, portanto
contém
e, daí,
. Pelo Exemplo 2, o grupo
possui
; logo também o possui
. Mas
não possui
.
Um grupo
é dito diretamente indecomponível quando a única decomposição de
como produto direto de dois subgrupos normais é a trivial, isto é, quando
,
,
e
implicam
ou
. Se um grupo for diretamente decomponível, isto é, não for diretamente indecomponível, é natural tentar decompor um par de fatores diretos não-triviais até que se obtenham fatores indecomponíveis. Remak provou que, caso o grupo em questão possua a condição
, esse processo pode ser realizado em um número finito de passos, isto é, temos a seguinte
Proposição. Se
é um grupo que possui a condição
, então
se expressa como o produto direto de uma família finita de subgrupos normais, não-triviais e diretamente indecomponíveis. Tal decomposição é chamada de uma decomposição de Remak para
.
Teorema (Krull-Remak-Schmidt)[1]. Seja
um grupo que detém ambas as propriedades
,
. Sejam
duas decomposições de Remak para
. Então
e existem um automorfismo central
e uma permutação
tais que
para todo
entre
e
. Além disso,
para todo
entre
e
.
Provaremos a seguinte
Proposição. Sejam
grupos que possuem ambas as propriedades
e
. Se
, então
. Se
para algum inteiro positivo
, então
.
Prova. Note que
possui
e
, pois é a extensão cindida trivial de
por
. Se conseguirmos provar a afirmação para o caso em que
é diretamente indecomponível, indução no comprimento de uma decomposição de Remak para
dá conta do caso geral. Sejam então
,
decomposições de Remak para
e
. Defina
. A imagem de cada um dos fatores diretos
por um isomorfismo
fornece uma decomposição de Remak para
, portanto, pelo Teorema,
O Teorema implica também que, para alguma permutação
,
. Se
, estamos terminados. Caso
, seja
. Temos
.
A segunda afirmação segue do Teorema e da primeira, bastando induzir no comprimento de uma sequência de Remak para
(que coincide com aquele de
).
Essa propriedade de cancelamento falha em geral: se
é o produto direto (restrito) de uma família enumerável infinita de grupos cíclicos de ordem
,
,
para todo
, então
. Como todo grupo finito possui
e
, a implicação
é verdadeira sempre que
e
forem grupos finitos.
- ↑ Robinson, Derek J (1996). A Course in the Theory of Groups. United States: Springer-Verlag. ISBN 9781441985941