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Teorema de Liouville–Arnold

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Na teoria dos sistemas dinâmicos, o teorema de Liouville–Arnold estabelece que se, em um sistema Hamiltoniano dinâmico com n graus de liberdade, também há conhecidas n integrais de movimento primeiras que são independentes e em involução, então existe uma transformação canônica a coordenadas de ângulos de ação na qual a transformação Hamiltoniana é dependente somente das coordenadas de ação e os ângulos de coordenadas evoluem linearmente no tempo.[1]

Formulação geral

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Teorema (Liouville-Arnold-Jost)

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Seja uma variedade simplética com colchete de Poisson associado . Sejam funções suaves e defina por . Fixe na imagem de e ponha . Suponha que

(i) as funções estão em involução: para todo ; e

(ii) são linearmente independentes em todo ponto de ou, equivalentemente, tem posto maximal em todo ponto de .

O subespaço topológico é uma subvariedade lagrangiana de . Se é uma componente conexa e compacta de , então é difeomorfa a um -toro, , o produto de círculos . Se as s estiverem em involução com um hamiltoniano , então o fluxo do campo associado a leva em si mesmo. Tal toro é chamado portanto de toro invariante.

A segunda, e mais substancial, parte merece ser enunciada como outro.

Teorema (Coordenadas de ângulo-ação)

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Além disso, existem um aberto de contendo e um difeomorfismo , onde é o disco -dimensional, tais que

(i) se é a projeção canônica, as fibras de são toros invariantes. As coordenadas de ação são constantes em cada toro invariante do aberto .

(ii) , onde . Em outras palavras, o difeomorfismo é um simplectomorfismo (ou transformação canônica) de em .

Uma carta semilocal do tipo de é chamada de sistema semilocal de coordenadas de ângulo-ação.

Temos que é uma 1-forma de Liouville para , isto é, . Segue daí e da isotropia de que , onde é a imagem de um dos geradores do primeiro grupo de homologia de . Note que , logo é tangente a cada um dos toros invariantes. Portanto, , ou seja, depende apenas das coordenadas de ação. Se é uma curva integral de começando em (portanto permanecendo aí), vemos que evolui linearmente no tempo. Isso porque e , logo depende apenas das coordenadas de ação. Evoluir linearmente aqui significa que, levantando ao recobrimento universal segundo a aplicação -periódica , , obtemos uma função suave . Essa função satisfaz , logo é afim, daí o “linearmente”. O movimento evolui como o de um sistema multiperiódico, com frequências .

Subgrupos discretos do grupo aditivo

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Provaremos nesta seção que todo subgrupo discreto do grupo aditivo do -espaço vetorial é o span integral de um certo subconjunto linearmente independente.

Lema. Seja um subgrupo discreto de . Então existem elementos linearmente independentes tais que .

Antes, um

Fato. Um subgrupo discreto de um grupo topológico Hausdorff é necessariamente fechado.

Prova. Seja um subgrupo discreto do grupo topológico Hausdorff . Suponha que existe com a propriedade de que toda vizinhança de intersecta . Nenhuma dessas interseções pode ter apenas um elemento, já que é Hausdorff e . Sendo discreto, existe uma vizinhança de , o elemento idêntico, tal que . Por continuidade da função , alguma vizinhança de satisfaz . Uma vez que translações são homeomorfismos, é vizinhança de , portanto há distintos . Mas está em , absurdo.

Prova do Lema. Pelo resultado anterior, é fechado. Sejam elementos linearmente independentes de gerando um subgrupo e um subespaço . Suponha que . Se , podemos definir a função no fechado não-vazio . Observe que para todo , pois a adição de lhe dá estrutura de grupo; e , , pois é subespaço. Seja . Escolha uma sequência de pontos em com . Então para alguma sequência de pontos em temos . Considerando as partes inteiras das coordenadas de na base , obtemos uma sequência de pontos em com uma sequência limitada de pontos em . Já que é um espaço discreto e fechado, alguma subsequência de é constante, logo podemos supor que a sequência possui valor constante . Como , obtemos que . Conclusão: há um ponto em fora de que minimiza a distância ao subespaço .

Agora procederemos indutivamente: partindo de um ponto mais próximo da origem, consideramos o subespaço gerado por e o subgrupo gerado por esse elemento. Afirmo que . Suponha que não. Então há . Podemos então escrever , com . Logo , donde ; mas , absurdo, pois minimiza a distância à origem. Se , estamos terminados. Caso contrário, existe um ponto em fora de que minimiza a distância ao subespaço ; escolha algum, digamos, ; então é linearmente independente, gerando o subgrupo e o subespaço . Novamente vejamos por que : caso não, existe , , , ; temos , mas , resultando em contradição. Iterando esse processo, obtemos vetores em linearmente independentes gerando um subgrupo e um subespaço tais que . Se , o procedimento anterior nos dá , com os correspondentes satisfazendo . O número de iterações é obviamente limitado por .

Os toros invariantes

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Seja o campo hamiltoniano em associado à função hamiltoniana : Temos que , logo os campos são tangentes à subvariedade compacta e conexa , logo podem ser restritos a campos em . Uma vez que tem posto maximal em todo ponto de , os campos são linearmente independentes em todo ponto de , logo trivializam o fibrado tangente . Sendo compacta, esses campos são completos, isto é, o fluxo está definido para todo ponto de e para todo . Pelas fórmulas de Cartan, os campos comutam: . É bem sabido que isso implica a comutatividade dos fluxos: . Para , defina a função suave por . Segue que . Agora para cada , defina a função suave por . O fato de que são linearmente independentes em todo ponto de permite concluir, pelo Teorema da Função Inversa, que é um difeomorfismo local em torno de cada . Essa afirmação é clara para ; use . Isso implica que a imagem de é aberta em . Analogamente, também é fechada. Por conexidade, é uma submersão sobrejetiva. Agora seja . Trata-se de um subgrupo do grupo aditivo . Uma vez que é difeomorfismo local, é subgrupo discreto. (Como esperávamos, é fechado.) Pelo resultado da seção anterior, existem linearmente independentes de forma que . Portanto, é isomorfa como grupo de Lie difeomorfa como variedade a . Como é compacta, devemos ter , donde , com aplicação de recobrimento universal . O subgrupo discreto independe do escolhido. É o subgrupo de isotropia de , denotado comumente por . Também é conhecido por reticulado de períodos de .

Um sistema semilocal de coordenadas

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Até então, estávamos interessados em um toro invariante particular. Passaremos agora a considerar vários toros invariantes simultaneamente, isto é, investigaremos uma vizinhança de . Precisamente, provaremos o seguinte

Lema (Vizinhança trivializável). Seja um toro invariante em . Existem uma vizinhança de e um difeomorfismo tais que

(i) aplica sobre e ;

(ii) as fibras da projeção canônica voltam para via como toros invariantes, com .

Essencialmente, é um fibrado trivial. Esse Lema pode ser visto como consequência do Lema da Fibração de Ehresmann[nota 1], mas vamos prová-lo de forma a evidenciar aspectos dinâmicos.

Prova do Lema. Para cada e para cada componente conexa de um , temos que e são fechados disjuntos em , logo existem abertos disjuntos com , . Considere o toro invariante em questão. Existe uma vizinhança de em que tem sempre posto maximal . Podemos supor que tem fecho compacto. Seja a reunião de todas as componentes conexas contidas em de alguns s. Todas essas componentes conexas são compactas, uma vez que são subconjuntos fechados de um compacto, a saber, . Logo são toros invariantes . Afirmo que é aberto em . Se não é ponto interior de , toda vizinhança de contém algum ponto de algum que por sua vez possui algum ponto fora de , portanto fora de algum aberto que separe de . Tomando vizinhanças contidas em convergindo para o ponto , da conexidade dos s obtemos pontos em , a fronteira topológica de , pertencendo a , e pontos também em , com a sequência convergindo para . Se é um limite subsequencial de , temos, por um lado, , donde converge para ; por outro lado, , logo . Isso é absurdo pois , logo ; mas é disjunta de . Conclusão: é uma vizinhança de fibrada por toros invariantes. Considere agora uma subvariedade de transversa a todos os toros invariantes que a intersectam (isso pode ser feito localmente); podemos restringi-la a uma subvariedade tal que . Por transversalidade, podemos ainda supor que é um difeomorfismo. O aberto é fibrado por toros invariantes. Conseguimos então uma seção do fibrado . Defina o seguinte subespaço topológico de : . Trata-se do fibrado de reticulados de períodos. Denotaremos por a projeção . Pelo Teorema da Função Implícita, podemos resolver localmente para como função de , obtendo uma seção local do fibrado . Usando seções locais, podemos levantar continuamente caminhos na base . Encontraremos uma função suave , possivelmente depois de reduzir o raio de , de forma que é base para o reticulado . Escolha uma base para o subgrupo de isotropia de ; recorde que . Considere seções locais de em torno de , levando a ; isso nos dá uma função suave . Por continuidade do determinante, podemos supor que aplica em . Vejamos por que é base para para todo : dado , escolha um caminho partindo de até na base. Levante a um caminho em terminando em e começando em algum ponto de . Temos que expressa-se como combinação linear a coeficientes racionais das colunas de . Considerando os coeficientes, temos uma função contínua com imagem em . Essa função é constante, portanto. Como a imagem de possui coordenadas inteiras, também possui a imagem de , isto é, é combinação linear integral das colunas de , como queríamos. Estamos prontos para definir a trivialização . Começaremos definindo o levantamento ao recobrimento universal, por . É imediato que desce a um difeomorfismo com todas as propriedades mencionadas.

Definindo coordenadas de ângulo-ação

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O difeomorfismo obtido anteriormente pode não ser um simplectomorfismo, dada a arbitrariedade envolvida na escolha da seção . Começaremos identificando a vizinhança com o produto via o difeomorfismo obtido na seção anterior. Então se é a projeção canônica, as fibras são toros invariantes.

Consideraremos o círculo como um subgrupo de Lie do grupo . Recordemos que o campo em satisfaz , onde é a aplicação de recobrimento universal . Além disso, para a translação (à esquerda ou à direita, pois o grupo é Abeliano) por , definida por , vale . A -forma de ângulo é o campo de covetores dual a . Para suave, , definindo então uma -forma (fechada) ; de fato . Para um grupo de Lie e para funções suaves , definimos pela fórmula . Não é difícil ver que , onde são os difeomorfismos de translação por à esquerda e à direita, respectivamente. Feitas essas observações, tornemos ao produto .

Temos

, onde são funções suaves constantes em cada toro invariante. Na expressão da -forma no sistema de coordenadas , não há termos envolvendo , uma vez que os toros invariantes são subvariedades isotrópicas para , i.e., em um toro invariante. Para o coeficiente de , temos, uma vez que ,

, então

, para certas funções . Já que , temos . Logo independe das coordenadas , pois isso vale para o lado direito. Como são fechadas as curvas integrais dos campos , temos . Consequentemente, tanto as funções quanto as funções são constantes em cada toro invariante. Agora escrevemos

, onde e . Como as e as são constantes em cada toro invariante, podemos considerar e como formas no disco , isto é, existem -formas e uma -forma tais que e . Novamente usando o fato de que é fechada, concluímos que e . Como é submersão sobrejetiva, temos e . Sendo um espaço contrátil, existem uma função suave e uma -forma tais que , . Note que é um difeomorfismo local em torno de , pois, tendo posto maximal, segue que são linearmente independentes no ponto . Aqui potencialmente reduziremos o raio de para que possamos supor um difeomorfismo. Defina e note que . Como , a matriz de na carta é

.

Já que é não-degenerada, essa matriz é não-singular, logo . Concluímos que é difeomorfismo local; sendo invertível – recorde que é difeomorfismo –, é um sistema de coordenadas em . Agora ajustaremos a escolha da seção . Escreva

onde são funções suaves. Para a aplicação de recobrimento mencionada anteriormente e usando a operação de grupo em , defina por , notando que . Agora,

Uma vez que e é uma forma de volume pois é não-degenerada, temos que tem posto maximal em todo ponto, portanto é um difeomorfismo local. Como possui inversa, serve como sistema semilocal de coordenadas de ângulo-ação, porque é constante em cada toro invariante. Isso finaliza a construção.

Coordenadas de ângulo-ação no fibrado cotangente

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No caso de um sistema mecânico cuja variedade de configurações é , podemos tomar vantagem da existência de uma -forma global de Liouville no espaço de fase . Temos que a forma simplética é , onde é a -forma tautológica.

Coordenadas de ação

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Se for conhecida, numa vizinhança trivializável de um toro invariante , uma -forma de Liouville , podemos definir coordenadas de ação utilizando um difeomorfismo da forma . Escolhemos ciclos em cujas classes de homologia geram o primeiro grupo de homologia . O difeomorfismo seleciona então ciclos em s vizinhos cujas classes geram da seguinte maneira: se , então . Note-se que, se e são 1-ciclos (suaves) em algum que estão na mesma classe de homologia, então , para alguma 2-cadeia (suave) em , logo, pelo Teorema de Stokes,

,

pois os toros invariantes são subvariedades isotrópicas.

Definimos por

.

A -ésima coordenada (ou aplicação) de ação é , . Essas funções são constantes em cada toro invariante.

Proposição. As funções estão em involução.

Seja o campo Hamiltoniano associado à função . Temos , logo pois .

Coordenadas de ângulo

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Construiremos coordenadas de ângulo sob a seguinte hipótese: numa vizinhança fibrada de existe uma carta de Darboux com a propriedade de que é um difeomorfismo com a imagem. Dessa hipótese segue que

(i) é constante ao longo de uma curva integral de ;

(ii) podemos supor um difeomorfismo, donde concluímos que as fibras de são toros invariantes;

(iii) o conjunto é linearmente independente em todo ponto, pois , logo ;

(iv) , onde , , são funções suaves constantes em cada toro invariante.

No que se segue, – não necessariamente a -forma tautológica –, de forma que .

Procederemos classicamente, construindo uma função (ou quase isso) geradora.

Começaremos cobrindo por cartas coordenadas com um difeomorfismo. O difeomorfismo nos dá uma cobertura de por cartas coordenadas , com difeomorfismo tal que . Para cada e cada toro invariante , escolheremos um ponto . Fazemos isso para e usamos para selecionar em s vizinhos. Escolhemos para cada um caminho suave em entre o ponto seccional e . Temos . Se , ; voltando com o segmento de reta em entre e , obtemos um caminho em entre e . Definimos a aplicação suave por

, onde é o caminho no toro invariante sobre o qual está, entre o ponto seccional do toro e , formado pela concatenação dos dois caminhos mencionados no parágrafo anterior.

Para encontrarmos a diferença , note que teremos de integrar sobre um laço em um toro invariante. Lembrando-nos de que e da isotropia, passamos à classe de homologia desse loop em , aqui gerado pelas classes dos ciclos fundamentais . Vemos de imediato que , onde são funções a valores inteiros constantes em cada componente conexa de . Existem, portanto, funções que denotaremos por , , tais que . Analogamente, existem funções tais que .

Note que as 1-formas são localmente exatas com .

Proposição 1. Vale .

Prova. Tomando uma curva integral de , temos, uma vez que a imagem de está contida numa vizinhança contrátil de uma subvariedade isotrópica (e usando a fórmula de Stokes),

, onde .

A proposição segue.

Proposição 2. Se , então

Prova. Queremos precisar a manipulação simbólica

.

Seja definida por . Para cada existem uma vizinhança de e uma partição tais que para cada existe com . Então para ,

Da observação (iv), temos . Isso implica o resultado pois .

Proposição 3. A aplicação é uma carta local simplética.

Temos

. Tomando de ambos os membros, obtemos

, logo . Disso segue que é difeomorfismo local.

Proposição 4. A carta é um difeomorfismo com a imagem (portanto é um simplectomorfismo, ou transformação canônica).

Considere os campos , tangentes a cada toro invariante – de fato, é o campo hamiltoniano associado a . O subgrupo de isotropia da ação de em um toro invariante (fixo) dada pela composição dos fluxos dos (restritos a ) é discreto. Seja uma base. As imagens das curvas são ciclos que geram a primeira homologia de . Considere a matriz que leva a base dos ciclos fundamentais na base obtida pelas . Usando que é fechada, concluímos, pela Proposição 2, que , logo é o reticulado canônico . Temos então um difeomorfismo . Para temos , em seus respectivos espaços tangentes. Disso segue que é uma translação. Portanto inverte a menos de uma translação. Isso é dizer que as coordenadas toroidais são as coordenadas angulares canônicas em .

Notas e referências

Notas

  1. Recorde que uma função própria é aquela que traz compactos para compactos, ou seja, a pré-imagem de compacto é compacta. O Lema de Ehresmann diz que uma submersão sobrejetiva própria é um fibrado suave localmente trivial. Mais precisamente, se é uma submersão sobrejetiva e própria, então para cada existem uma vizinhança de e um difeomorfismo tais que . São difeomorfas fibras de sob quaisquer dois pontos situados na mesma componente conexa de . Se for conexa, é um fibrado suave no sentido usual.

Referências

  1. Arnold, V. I. (1989). Mathematical Methods of Classical Mechanics. [S.l.]: Springer. ISBN 9780387968902  (270–272)