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Usuário(a):Ana Lucia Duque/Testes

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Manuel Barata, calígrafo, clérigo e escrivão (Duque, 2012) foi o autor do manual Exemplares de diversas sortes de letras, obra caligráfica editada e única no panorama da imprensa nacional do século XVI. Nasceu em 1549 (AUC, 1575), filho de Fernão de Anes e Catarina Barata, na Pampilhosa da Serra, (AUC, 1570-75) tendo estudado no Colégio das Artes em Coimbra, onde se formou em Artes e Teologia. Terá residido e trabalhado em Lisboa, tendo frequentado os círculos sociais mais elevados à época. Foi nomeado moço de câmara por D. Sebastião e D. Henrique, tendo-lhe sido doada uma igreja no concelho de Viseu. Na Chancelaria de D. Sebastião (ANTT), livro dos Privilégios, o rei comunicou a D. Jorge, Bispo da cidade de Viseu, que presenteava o clérigo Manuel Barata com a abadia da Igreja de Santa Maria Madalena, pois tinha boas referências sobre a sua vida e bons costumes. Por duas vezes, recebeu a nomeação para o cargo de escrivão dos Contos do Reino e escrivão dos Contos do Reino e Casa. Em Lisboa, a 10 de Abril de 1573, D. Henrique faz saber a seu sobrinho, D. Álvaro da Silva, conde de Portalegre e mordomo-mor de sua casa, que nomeia Manuel Barata, seu moço de câmara e escrivão dos Contos do Reino e Casa, no ofício de escrivão dos Contos do Reino. Para além do ordenado anual de 20.000 reis, passaria a receber outro tanto pelo novo ofício. Sobre a data da sua morte, não se encontraram registos documentais até esta data, calculando-se que poderá ter ocorrido entre os anos de 1584-1590.

Os manuais de ensino da escrita

Em território europeu e ao longo da centúria de Quinhentos, verificou-se uma produção profícua de manuais de ensino da escrita, na forma manuscrita e impressa. Estes manuais tinham como principal função o ensino da escrita, da caligrafia, através de exemplares, modelos desenhados para esse propósito. A aprendizagem da escrita era feita através do desenho à vista, cópia dos espécimes apresentados pelos mestres. Nos países europeus em que a arte da escrita teve um auge, foram produzidos e impressos notáveis e relevantes tratados caligráficos, assinalando-se que, nesses países, os níveis de alfabetização eram marcadamente superiores aos da população portuguesa à época. Sobre a alfabetização da população portuguesa no século XVI, sabe-se que a leitura era a competência principal no ensino elementar, preterindo-se a escrita por razões não só de ordem social e cultural, mas por razões práticas. O ensino da escrita exigia o acompanhamento de um mestre qualificado para tal, exigia dos alunos uma destreza manual mais apurada, prática e motivação pessoal. Nos actos legais, bastaria uma assinatura, marca ou grafia que testemunhasse a presença e identidade dos intervenientes. Quanto às edições destinadas ao ensino, verifica-se que só em 1516 foi publicado o primeiro livro escolar de autor nacional. Henriques Carneiro (2003) menciona que o ensino das primeiras letras neste período começou a tornar-se algo expressivo e que em Lisboa havia um número aproximado de trinta «mestres que ensinavam moços a ler». Estes mestres, os novos fiéis depositários da cultura escrita, distanciavam-se muito da casta dos scriptors medievais. Estes mestres de escrita seriam artesãos ambulantes e humildes, em missão de peregrinação didática; utilizavam cartazes que afixavam à porta da sua escola e que mostravam a bela ordem do specimina, o mostruário dos vários tipos de letras que dispunham para ensinar.

Sobre a arte da Caligrafia

A influência dos modelos de escrita italianos verificou-se um pouco por toda a Europa ao longo da centúria de Quinhentos, tendo sido criados modelos caligráficos variados, mas que cujo principal tema foi a escrita chanceleresca. No início do século XVI, destaca-se o modelo itálico de Arrighi e a célebre cursiva de Cresci, já no final da centúria. Noutros países, a apropriação daqueles modelos caligráficos, terá ocorrido pela integração de elementos gráficos autóctones. A influência italiana foi assumida e referenciada pelos mestres da Península Ibérica, destacando-se o calígrafo Francisco Lucas que interpretou e recriou o modelo da cancellaresca italiana, exemplificado na redondilla, tipologia notável que esteve em utilização durante mais de uma centúria. A arte da caligrafia também era lucrativa, derivando do espírito de uma época que Armando Petrucci (1995) define como de renovação cultural, originada pela abertura e contacto com novos mundos. Nesta centúria, procuraram-se soluções inovadoras, capazes de se diferenciarem entre si, e os estilos oscilaram, sobretudo, entre a necessidade de encontrar um modelo de escrita profissional, expedito e elegante, e a tentação de tornar a caligrafia num produto comercial. Se a caligrafia foi uma moda no século XVI e uma aptidão necessária a quem se quisesse distinguir, social ou profissionalmente, os modelos mais sóbrios não eram um atributo qualitativo ou atrativo para a maioria da população. O culto pela forma e pela ornamentação, caracterizaria a caligrafia do século XVI, particularmente representada pela escola francesa e pela requintada escola flamenga do século XVII, culto esse que ocuparia os calígrafos do resto da Europa ao longo do século XVIII.

O livreiro e os impressores

A imprensa nacional no século XVI era, então, uma actividade comercial promissora, cujo público leitor se havia alargado. A edição do Exemplares deve-se a João de Ocanha, livreiro real da Casa de Bragança (ou «João do Canha», conforme grafia verificada em outras publicações) sendo este um dos dezasseis livreiros de Lisboa (Freitas, 1952) à época. Ingressou na Irmandade dos Livreiros em 1591, tendo sido livreiro de D. Teodósio, Duque de Bragança. João de Ocanha assume-se como um interlocutor, um amigo de Manuel Barata, imprimindo postumamente a sua arte, para que esta não caísse no esquecimento. Sobre os homens que deram à estampa os Exemplares, António Álvares foi o primeiro impressor que João de Ocanha escolheu para imprimir as obras que compilou. António Álvares esteve ao serviço do D. Miguel de Castro, arcebispo de Lisboa, tendo dado à estampa um elevado número de títulos de teor religioso. Acerca de Álvares, A. Joaquim Anselmo (1977) referencia-o como um dos mais notáveis impressores da segunda metade de Quinhentos, que o autor caracteriza como uma época de «decadência». Acerca de Alexandre Siqueira, Anselmo refere que este foi impressor entre os anos de 1592 e 1598 em Lisboa e em Alcobaça. A primeira obra que deu à estampa é de interesse relevante, o Dicitionarivm Latinvm Lvsitanum et vive versa Lvsitanico Latinvm, de Jerónimo Cardoso, mestre de gramática em Lisboa, na terceira década de Quinhentos. Nas licenças da Inquisição assinala-se o nome do censor, frei Bertolomeu Ferreira.

O manual

O livreiro João de Ocanha assume-se como o mediador que agrega três obras e que incorpora numa só. Ocanha utiliza o termo acostou, significando reunir, agregar, neste caso, juntando obras que, a seu ver, se complementavam. Para além do tratado caligráfico de Manuel Barata, estão agregradas duas outras obras, uma de aritmética (suposta autoria de Gaspar Nicolas) e outro de ortografia de Pêro Magalhães de Gândavo. Sobre as edições dos Exemplares, registam-se as datas de 1590 e 1592. António Álvares foi o impressor da primeira edição e a cidade foi Lisboa. Anterior às datas destas edições, Diogo Barbosa de Machado cita a existência de uma outra obra deste calígrafo, com o título Arte de escrever (Lisboa, 1572), muito embora este dado não tenha sido comprovado. Contam-se 5 obras físicas e uma em estado de microfilme. Todas têm o formato 4º oblongo, sendo variável o número e colocação das folhas por exemplar. Nenhuma das encadernações é da época. Actualmente, as obras estão depositadas nos seguintes locais: Biblioteca Nacional de Portugal, (Res. 297); Biblioteca Nacional de Portugal, (Res. 298, em estado de microfilme); Biblioteca da Ajuda em Lisboa, (Res. 50-ix-48); Biblioteca Pública de Évora, (Res. 187); British Library em Inglaterra (C. 31.h. 40) e Biblioteca Pública de Braga, (Res. 609 a). Sobre a edição de 1592, também foi impressa em Lisboa, tendo a assinatura de Alexandre Siqueira. O formato segue o 4º oblongo e tal como na edição de 1590, o número e colocação das folhas por exemplar é variável.

O soneto de Camões

Para além da dedicatória ao Duque de Bragança, os Exemplares contam com uma outra, em forma de soneto, cuja autoria não é consensual entre os especialistas. Ditosa penna, ditosa mão que a guia | como a mão que a guia com tantas perfeições da sutil arte| (...), poderá ser atribuída a Luis Vaz de Camões. Confirmando-se a autoria desta peça, o soneto é uma prova, não só da importância dos Exemplares como objecto impresso e do calígrafo Manuel Barata, como, também, do protagonismo de Luís de Camões na época em que ambos viveram. Teófilo Bragareferiu que Manuel Barata fazia parte do grupo de admiradores e amigos de Camões, afirmando que o calígrafo era «era um dos últimos illuministas da arte portuguesa», e que a sua ligação a Camões proviria dos tempos de D. João III, aludindo à antiga amizade e convivência naquela corte. Quanto aos modelos caligráficos de Barata, identificam-se os seguintes géneros em todos so exemplares analisados: Letra Portuguesa, Chanceleresca formata, Letra Castelhana, Cancelleresca moderna, Cancelleresca formantur, Maiúscula cancelleresca, Cancelleresca bastarda, Cancelleresca moderna, Capitulares romanas, romanos minúsculos, Cancellaresca formata minúscula e maíuscula, Letra de livros, ou gótica rotunda.

Referências

Anselmo, Artur (1994). Estudos de História do Livro. Lisboa: Guimarães Editores Anselmo, António Joaquim (1977). Bibliografia das obras impressas em Portugal no século XVI. [1ª ed. Lisboa: Biblioteca Nacional, 1926] Lisboa: Gráfica Telles da Silva ANTT, Chancelaria D. Sebastião, Privilégios, Liv. 10, fl. 116v, 117. AUC. Livros Paroquiais da Pampilhosa da Serra, 1575 Braga, Teófilo (1891). Camões e o sentimento nacional. Porto: Livraria Internacional de Ernesto Chardron Carneiro, A. Henriques (2003). Evolução e Controlo do Ensino em Portugal – Da Fundação da Nacionalidade ao 1º Ministério da Instrução Pública. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian Freitas, Maria Brak-Lamy Barjona de (1952). «Os Livreiros da Lisboa Quinhentista» in Revista Municipal. Publicação Cultural da Câmara Municipal de Lisboa, Ano x111, n.º 54 Machado, Diogo Barbosa (1741-1759). Bibliotheca Lusitana historica, critica e cronologica na qual se comprehende a noticia dos Authores Portuguezes, e das Obras, que compuserão desde o tempo da promulgação da Ley da Graça até o tempo prezente. 4 vols. Lisboa Occidental : António Isidoro da Fonseca. https://bdigital.sib.uc.pt Petrucci, Armando (1995). Writers and Readers in Medieval Italy, Studies in the History of Written Culture. Yale University Press Petrucci, Armando (1993). Public lettering: script, power, and culture. Chicago: The University of Chicago Press Pinto Duque, AL. (2012). ARTE DE ESCRIBIR. Exemplares de diversas sortes de letras de Manuel Barata 1590/1592 [Tesis doctoral no publicada]. Universitat Politècnica de València. https://doi.org/10.4995/Thesis/10251/16469