Saltar para o conteúdo

Usuário(a):FundamentosBiomol2015/Testes

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

PROTEÔMICA[editar | editar código-fonte]

            A proteômica envolve o estudo em larga escala das proteínas expressas em uma célula, tecido ou organismo, incluindo a análise quantitativa da expressão ao longo do tempo, em diversas localizações celulares e/ou sob a influência de diferentes estímulos. O proteoma é complementar ao genoma, já que os genes podem ser transcritos em RNA mensageiros que, eventualmente, serão traduzidos em proteínas. Análises proteômicas também possibilitam a descrição de variantes proteicas (i.e., proteoformas) geradas por variações alélicas, splicing alternativo e/ou modificações pós-traducionais. Mais recentemente, vem englobando também o estudo de interações e complexos proteicos (i.e., proteômica estrutural). Desta forma, ao invés de analisar isoladamente cada um dos componentes proteicos de um sistema, a proteômica pretende contribuir para a compreensão sistêmica da função biológica das proteínas em seu contexto molecular complexo (figura 1).           

Figura 1. Esquema das grandes áreas que compõem a proteômica

Diferente do genoma, que é relativamente estático, o proteoma é considerado dinâmico, pois as proteínas de uma célula sofrem diversas alterações quando são submetidas a diferentes estímulos como, por exemplo, fatores ambientais, nutricionais e de estresse. Entre outros, podem sofrer modificações pós-traducionais, migrações no interior celular, alterações nas taxas de turnover etc. Dessa forma, a cada momento/condição experimental, podemos ter diferentes proteomas sendo expressos por um sistema celular.

O avanço das técnicas de sequenciamento possibilitou a determinação de genomas completos, gerando mudanças importantes nas pesquisas biológicas. Entretanto, apenas as sequências gênicas não são suficientes para esclarecer mudanças fenotípicas, explicar função, estrutura e localização celular das proteínas. A análise da expressão proteica através do estudo de RNA mensageiro (transcriptoma) pode não revelar as quantidades de proteínas efetivamente expressas, já que não considera a existência de possíveis etapas de regulação pós-transcricional e/ou pós-traducional. Também importante, não permite inferir a presença de modificações pós-traducionais nas proteínas expressas, tais como glicosilação ou fosforilação.

Classicamente, as pesquisas científicas costumam ser desenvolvidas a partir de uma hipótese pré-concebida, a chamada ciência dirigida por hipótese. Porém, esta abordagem pode, muitas vezes, limitar descobertas não antecipadas. Alternativamente, a ciência dirigida por descobertas (ex.: genômica, proteômica), caracterizada pela coleta de dados em larga escala sem a necessidade de uma hipótese inicial, pode ser mais informativa e trazer resultados novos e surpreendentes acerca de um determinado sistema biológico. Entretanto, fracionar, identificar, caracterizar e quantificar proteínas em larga escala não é trivial. Basicamente, um estudo proteômico é sempre dividido em duas etapas: separação e identificação das proteínas.

1.     Separação de Proteínas[editar | editar código-fonte]

1.1.Eletroforese bidimensional (2DE)[editar | editar código-fonte]

Uma das principais técnicas de separação de proteínas classicamente utilizadas em proteômica é a eletroforese em gel bidimensional. Esta técnica permite que misturas de proteínas sejam separadas segundo duas propriedades físico-químicas ortogonais: ponto isoelétrico e massa molecular. A primeira etapa da eletroforese bidimensional é a focalização isoelétrica, quando as proteínas são separadas em um gel de poliacrilamida contendo um gradiente de pH imobilizado. Sob influência de um campo elétrico, as proteínas migram em direção ao eletrodo de carga oposta à sua carga líquida e, ao atingirem o pH correspondente a seu ponto isoelétrico (i.e., carga líquida zero), têm sua mobilidade eletroforética interrompida. Após a primeira etapa de focalização, as proteínas são desnaturadas com o detergente SDS (dodecil sulfato de sódio), têm suas pontes dissulfeto reduzidas e suas cisteínas alquiladas. Na etapa seguinte, as proteínas são separadas por eletroforese em gel de poliacrilamida sob condições desnaturantes e redutoras (SDS-PAGE na presença de DTT).

O SDS é um detergente aniônico que se liga às proteínas em uma proporção definida (1,4g SDS/g proteína), fazendo com as mesmas adquiram carga líquida negativa. Além disso, a ligação do SDS com proteínas globulares faz com que as mesmas percam sua conformação nativa e adquiram conformações espaciais mais homogêneas (em forma de bastão). Desta forma, a migração das proteínas em um gel de poliacrilamida contendo SDS passa a ser influenciada principalmente pela sua massa molecular. A poliacrilamida é um polímero quimicamente inativo, não interagindo com as moléculas que estão sendo separadas. Variações na concentração deste polímero alteram a porosidade da matriz, que deve ser ajustada em função do intervalo de massa molecular que se pretende analisar. Quando comparada à eletroforese unidimensional convencional (SDS-PAGE), a 2DE tem um maior poder resolutivo; no SDS-PAGE, dependendo da complexidade da amostra, pode ocorrer co-migração de várias cadeias polipeptídicas com moleculares similares. Tendo em vista a necessidade da análise do perfil proteico de amostras complexas, os estudos proteômicos necessitam de abordagens capazes de separar e detectar o máximo de proteínas possível. A 2DE se revelou, desde o início do desenvolvimento das técnicas proteômicas e até hoje, uma ferramenta importante, sendo possível separar cerca de 3.000 proteínas em um único gel.

            Após a separação por eletroforese, os géis são submetidos à etapa de coloração, a fim de se visualizar a presença das proteínas no gel. Neste procedimento, ocorre a revelação dos spots (manchas arredondadas), podendo ser realizado através de três metodologias principais: detecção por corantes orgânicos, por nitrato de prata ou por marcadores fluorescentes. Os spots proteicos podem ser excisados do gel e as cadeias polipeptídicas podem ser submetidas ao processo de digestão enzimática in gel (por peptidases), seguida da identificação por espectrometria de massas.

            Em conjunto, a eletroforese bidimensional e a espectrometria de massas representam importantes ferramentas na análise de proteomas globais, uma vez que podem separar, identificar e quantificar milhares de proteínas. Entretanto, a eletroforese bidimensional tem algumas limitações no que diz respeito a proteínas que apresentam pontos isoelétricos extremos e massas moleculares muito pequenas ou muito grandes. Outro problema é a dificuldade de solubilização de proteínas muito hidrofóbicas (ex.: proteínas de membrana) nas condições experimentais utilizadas na focalização isoelétrica. 

1.2. Cromatografia[editar | editar código-fonte]

            Apesar de amplamente utilizada com o objetivo de separar proteínas, a eletroforese bidimensional apresenta resolução limitada para análise de amostras biológicas muito complexas. Atualmente, a técnica mais utilizada para este fim é a cromatografia líquida, seguida da detecção/identificação dos analitos por espectrometria de massas utilizando ionização por electrospray.

            A cromatografia líquida em coluna separa os componentes de uma mistura entre uma fase móvel e outra estacionária. A fase estacionária consiste em uma fase fixa, podendo ser um sólido ou um líquido retido sobre um sólido (matriz); a fase móvel é um líquido que auxilia a separação da mistura, se movendo através da coluna enquanto carrega os solutos. A mistura de proteínas é dissolvida na fase móvel para permitir a eluição através da coluna, sendo que a interação diferencial da proteína com as fases cromatográficas vai depender do tipo de técnica empregada. Uma das modalidades mais utilizadas nas análises proteômicas é a cromatografia de fase reversa, onde a fase estacionária é apolar (ex.: sílica derivatizada com grupos octadecilsilano (C18) e a fase móvel é um solvente polar com pH ácido (ex.: solução aquosa diluída de ácido fórmico).  Peptídeos injetados neste tipo de coluna ficam retidos na fase estacionária por interação hidrofóbica, sendo eluídos à medida que a hidrofobicidade da fase móvel aumenta, normalmente através de um gradiente crescente de solvente orgânico (ex.: acetonitrila). 

1.2.1. Cromatografia liquida de alta eficiência (CLAE/ HPLC)[editar | editar código-fonte]

            A cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE ou, em inglês: High Performance Liquid Chromatography, HPLC) é a técnica mais utilizada atualmente para a separação e identificação dos componentes de uma mistura. Os equipamentos necessários são mais complexos do que os utilizados na cromatografia liquida clássica. No HPLC, a fase móvel é impulsionada por uma bomba de alta pressão até a coluna cromatográfica. A amostra é injetada na coluna dissolvida em fase móvel por uma válvula de injeção e passa através da coluna cromatográfica, onde ocorre a separação dos componentes. O eluato da coluna é levado até um detector, que registra a presença/quantidade de diferentes analitos (Figura 2). O detector gera um sinal que é captado por um software específico e, como resultado, é possível observar um cromatograma mostrando a variação do sinal do detector de acordo com o tempo da análise e a concentração do analito.            

As técnicas cromatográficas são as mais utilizadas para a separação de componentes diversos, principalmente em análises de matrizes complexas, onde as técnicas mais simples se mostram bastante limitadas. As características mais importantes a serem consideradas ao se adquirir um equipamento de HPLC são a versatilidade, a rapidez, a reprodutibilidade e a sensibilidade do equipamento. É necessário que este equipamento seja capaz de analisar amostras de diferentes tipos, utilizando técnicas distintas de cromatografia. Além disso, a fase móvel de baixa viscosidade, as bombas de alta pressão e as colunas com partículas de pequeno diâmetro garantem a rapidez da análise. A tabela 1 mostra algumas vantagens e desvantagens da técnica:

Vantagens

Desvantagens

Rapidez da análise

Alto custo do equipamento

Resultados quantitativos e qualitativos

Alto custo da operação

Alta sensibilidade

Ausência de um detector universal

Necessidade de mão de obra especializada

Tabela 1- Vantagens e desvantagens da HPLC

1.2.2. Cromatografia liquida de alta eficiência associada à espectrometria de massas (LC-MS)[editar | editar código-fonte]

            Mesmo sendo uma ótima técnica utilizada para a separação de compostos de uma mistura, o HPLC necessita de mais uma técnica complementar para uma análise qualitativa. Atualmente, a espectrometria de massas é a técnica que melhor fornece as informações estruturais necessárias para a confirmação da identidade química do composto. A junção destas duas técnicas permitiu o desenvolvimento de uma ferramenta de análise quantitativa e qualitativa: a LC/MS (Liquid cromatography/ Mass Spectometry ou em português, Cromatografia Líquida acoplada à Espectrometria de Massas).

            No HPLC, a análise dos componentes de uma mistura, mesmo em concentrações muito baixas, pode ser realizada através do emprego de detectores (por exemplo, índice de refração, ultravioleta, espalhamento de luz, fluorescência, entre outros) aliado ao uso de softwares específicos. Estas análises se baseiam no tempo de retenção, que idealmente deveria ser único para cada analito. Infelizmente, dependendo da complexidade da amostra, podemos ter mais de um analito coeluindo no mesmo tempo de retenção, levando a erros de identificação. Para refinar este tipo de análise, várias alternativas foram criadas, incluindo detectores fotométricos operando nas regiões ultravioleta e visível (UV-VIS) do espectro e detectores baseados em arranjos de diodos (“Photodiode Array”, PDA), que permitem a detecção de analitos simultaneamente em uma faixa espectral ampla. Atualmente, o melhor “detector” que se pode utilizar na cromatografia líquida é um espectrômetro de massas. Este equipamento é capaz de detectar o analito, fornecendo informações sobre a sua relação massa/carga e suas características estruturais, permitindo assim sua identificação inequívoca.

2. Identificação de proteínas[editar | editar código-fonte]

            As estratégias utilizadas atualmente em proteômica podem ser classificadas em três grandes tipos:

1) bottom-up: após extração, as proteínas são submetidas à hidrólise enzimática (normalmente por tripsina) seguida de fracionamento (geralmente cromatografia líquida) e, por fim, os peptídeos gerados são analisados por espectrometria de massas (MS). Esta abordagem do tipo shotgun é utilizada pela grande maioria dos laboratórios proteômicos atualmente.

2) top-down: as proteínas são submetidas à analise por MS, sem a utilização da etapa de clivagem enzimática. Desta forma, as proteínas podem ser analisadas por espectromeria de massas em sua forma íntegra. Posteriormente, são submetidas à fragmentação no espectrômetro de massas de forma a gerar fragmentos informativos de sua sequência e modificações pós-traducionais. Vale ressaltar que esta abordagem ainda não é trivial e vêm sendo utilizada como rotina em poucos laboratórios no mundo.

3) middle-down: trata-se de uma abordagem intermediária entre os dois extremos descritos acima. Na abordagem middle-down, as proteínas são submetidas à digestão limitada, gerando fragmentos maiores, que são analisados diretamente no espectrômetro de massas.

Após a obtenção das sequências peptídicas, é possível prever e montar as sequências proteicas através das ferramentas de bioinformática e informações disponíveis em bancos de dados públicos, com auxílio de diversos softwares (figura 3).

Figura 3. Abordagens proteômicas: A identificação de uma proteína por espectrometria de massas pode ser realizada após clivagem enzimática, utilizando abordagem bottom-up e middle-down ou na ausência de clivagem prévia, como ocorre na abordagem top-down.

            Em princípio, a sequência de uma proteína pode ser inferida a partir das informações das massas de seus peptídeos (estratégia de Peptide  Mass Fingerprinting ou PMF). A partir destes dados, se faz necessária a utilização da bioinformática aplicada à proteômica para realizar a busca de sequências-alvo compatíveis em  bancos de dados conhecidos. A grande limitação da identificação de proteínas por peptide mass fingerprinting é a necessidade da existência da sequência da proteína depositada no bando de dados. Outra estratégia, muito mais utilizada atualmente, é baseada na fragmentação dos peptídeos precursores gerados a partir de uma determinada proteína (Peptide Fragment Fingerprinting ou PFF). A identificação das sequências normalmente é feita de modo automático, empregando-se softwares de comparação de espectros experimentais com espectros teóricos (ex.: MASCOT, SEQUEST). 

2.1.Espectrometria de massas (MS)[editar | editar código-fonte]

            A espectrometria de massas é uma das mais importantes ferramentas analíticas disponíveis, sendo capaz de fornecer informações sobre composição elementar de amostras, estrutura molecular, composição qualitativa e quantitativa de misturas complexas, proporções isotópicas de átomos em amostras, entre outros. O requisito básico para uma análise por espectrometria de massas é a geração de íons em fase gasosa. A espectrometria de massas de peptídeos e proteínas baseia-se na ionização destes analitos por técnicas de ionização brandas, seguido de sua análise em diferentes analisadores, para geração de informações sobre massa molecular, estado de carga, estrutura primária e modificações pós-traducionais.

Como demonstrado na figura 4, um espectrômetro de massas é composto por uma fonte de ionização, onde o analito adquire carga e é volatilizado, um analisador de massas, que separa os íons de acordo com a relação massa/carga e, finalmente, um sistema de detecção e processamento responsável pela geração do espectro de massas correspondente.

Figura 4. Desenho esquemático das etapas de identificação proteica por espectrometria de massas.

            O acoplamento da espectrometria de massas com a cromatografia gasosa (GC-MS) por meio do uso de fontes de ionização apropriadas, como a ionização por impacto de elétrons (EI) e a ionização química (CI), popularizou o uso da técnica. Apesar de ser uma ferramenta poderosa para análise de misturas complexas e compostos em fase gasosa, a técnica se mostrava limitada para o estudo de compostos menos voláteis, de alta polaridade e alta massa molecular, como as biomoléculas. Para análise destes compostos, a associação da cromatografia líquida e espectrometria de massas (LC-MS) é a principal abordagem utilizada.

            As formas de ionização mais utilizadas atualmente em proteômica são o MALDI (Matrix-Assisted Laser Desorption Ionization) e o electrospray (ESI), sendo esta última mais empregada quando em conjunto com a cromatografia líquida. Na ESI, a amostra dissolvida na fase móvel da coluna cromatográfica encontra uma diferença de potencial muito grande (2-5 kV) entre a saída da coluna capilar e a entrada do espectrômetro de massas. Ao sair da coluna nestas condições, ainda sob pressão atmosférica, a fase móvel se transforma em um aerossol. As gotículas geradas (contendo o analito) vão diminuindo o seu conteúdo de solvente à medida que se deslocam em direção à entrada no espectrômetro de massas, sob influência do campo elétrico, até que finalmente os analitos permanecem ionizados em fase gasosa, sem qualquer vestígio de solvente.

            Uma vez ionizados e volatilizados, os analitos são separados de acordo com sua relação massa/carga (m/z) nos analisadores de massa. As vantagens e desvantagens, assim como as características de construção e de operação, variam de analisador para analisador. Para escolher, dentre tantas opções existentes de analisadores de massas, o mais apropriado, é necessário levar em consideração as seguintes características: aplicação, desempenho e custo/benefício. Devido a tantas variáveis, não existe um único analisador de massas ideal para todas as aplicações. Dentre os analisadores mais utilizados atualmente, podemos citar os do tipo quadrupolo, armadilha de íons (ion trap), tempo de vôo (time-of-flight) e orbitrap, entre outros. Para detecção dos íons separados nos analisadores, existem diversos sistemas de detecção. Os mais utilizados atualmente são os detectores baseados em placas eletromultiplicadoras e, mais recentemente, o sistema de detecção baseado em imagem de corrente utilizado nos orbitraps. Analisadores de massas também podem ser utilizados em tandem (MS/MS), ou seja, acoplados em sequência, permitindo a análise de massas em três diferentes etapas: o primeiro analisador (MS1 ou MS) separa os íons-precursores de acordo com sua relação massa/carga. Eventualmente, precursores serão selecionados e submetidos à fragmentação preferencial em suas ligações peptídicas, gerando íons-fragmento que serão analisados em um segundo analisador (MS2 ou MS/MS). Este conjunto de dados fornece informações suficientes para determinação da sequência primária do peptídeo, incluindo a presença de eventuais modificações pós-traducionais.