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Usuário(a):Historiae Universalis/Testes

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Constituições Sinodais eram peças de legislação eclesial derivadas do Concílio de Trento, produzidas por sínodos diocesanos, que são uma reunião de autoridades religiosas que pode ser realizada em uma diocese, baixo ao comando de um bispo, ou arquidiocese, conduzida por um arcebispo e seus bispos subordinados. O concílio de Trento, encerrado em 1563, foi uma grande reunião de autoridades eclesiásticas, convocado em 1545 durante o pontificado de Paulo III, iniciou um profundo processo de reforma no catolicismo, especialmente em sua estrutura.[1][2]

É importante ressaltar que a princípio nem todos os países aceitaram as reformas propostas pelo concílio de Trento, as novas orientações demorariam alguns anos para se firmarem nos territórios católicos. O reino de França, por exemplo, aceitou tardiamente os decretos tridentinos, o Sacro Império Romano Germânico que graças a paz de Ausburgo adotara o princípio de cuius regio, eius religio, dificultando a aceitação pelo imperador, que devia respeito a autoridade religiosa dos príncipes protestantes do império. Já na Espanha, Portugal e nos estados italianos, a aceitação foi rapida, estando entre os primeiros a reconhecer os decretos.[3][4][5]

O concílio impôs uma série de reformas na igreja, entre as mais relevantes podemos destacar a criação de seminários, a constante realização de sínodos, e novas determinações para a atividade pastoral. O modelo de bispo, no contexto tridentino, foi reformulado, inspirando-se na figura de Cristo, atuando como sucessor dos apóstolos residindo em sua dioceses.[6]

Mundo Português[editar | editar código-fonte]

No Reino[editar | editar código-fonte]

Os decretos tridentinos foram acolhidos em Portugal no ano de 1564, durante o reinado de Dom Sebastião, Portugal esteve em as primeiras nações a reconhecer o concílio, se empenhando no cumprimento de suas determinações, por exemplo, na edição de um Index Librorum Prohibitorum, uma lista de livros proibidos, publicado no reino em 1564 passando por edições em 1581, 1597, 1624. Fora também realizada uma série de sínodos em todas as terras do reino, culminando na publicação de um grande número de constituições sinodais, como as constituições de Evora, Coimbra, Braga, Funchal e Lisboa.[7]

As “Constituições primeiras do Arcebispado de Lisboa” de 1565, nasce do sínodo de Lisboa presidido por Dom Henrique, na época cardeal, futuro rei de Portugal, serão utilizadas na América portuguesa até a produção de uma constituição na colônia.

O bispado de Funchal, localizado na Ilha da Madeira, foi criado em 1514, durante o reinado de Dom Manuel I, sua jurisdição original abrangia desde o Cabo Bojador até a Índia, inclusive nas terras americanas, situação que perdurou até a criação de novos bispados nessas regiões durante o reinado de Dom João III. Era sufragâneo do arcebispado de Lisboa, entretanto, possuía suas próprias constituições, a mais antiga conhecida é de 1578, aprovada no ano seguinte, do bispado de Dom Jerônimo Barreto, embora seja possível que a diocese possuísse constituições anteriores a esta, mas que acabaram por se perder.[8]

As determinações tridentinas determinavam a realização de sínodos diocesanos a cada três anos, determinação que não pode ser cumprida em nenhumas das dioceses portuguesas, mas o Funchal se destaca, produziu duas constituições sinodais, em 1578 e 1597, e nove sínodos, realizados em 1578, 1597, 1602, 1615, 1622, 1629, 1643, 1680 e 1690.

As “Constituições do bispado de Coimbra” publicadas em 1591, possuía um forte caráter pedagógica e ortodoxo, defendiam categoricamente a ampliação do ensino da doutrina cristã, determinando que todas as paroquiais fixassem em suas entrada uma tábua com a doutrina da igreja e regulavam também aspectos da vida religiosa e leiga, algo comum nesta documentação, estabelecendo regras para procissões, imagens devocionais, festas e espetáculos públicos, vestes litúrgicas, cantos e qualquer produção artística que retratasse personagens religioso.[9]

Nos bispados do Viseu e da Viseu são publicadas constituições em 1617 e 1621, constituições essas que partiam do principio de conformidade com os decretos tridentinos, destacando-se por orientações para a adoração a relíquias, devoção aos santos e o cuidado para com as igrejas e imagens religiosas, prevendo inclusive a destruição de qualquer imagem considerada indecente.

No reino de Portugal as publicações de constituições sinodais continuaram a ser publicadas durante o decorrer dos séculos XVII e XVIII, entretanto sua frequência reduziu drasticamente, publicadas em Braga, Elvas, Lisboa, Algarve, Porto e Viseu, respectivamente em 1630, 1635, 1646, 1674, 1690 e 1749.[10]

Na América[editar | editar código-fonte]

Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia

Acolhidas em Portugal, em 1564 as resoluções do Concílio de Trento determinavam que competia às autoridades episcopais a adaptação do vasto projeto reformador às condições de cada localidade, e que, para tanto, deveriam ser realizados sínodos diocesanos nos bispados ou arcebispados, reunindo bispos das dioceses próximas, dos quais resultasse a elaboração de "constituições". As normas originadas do concílio nunca chegaram a ser impressas e tiveram uma aplicação bastante restrita, logo caindo em desuso. Diante disso, os representantes da igreja na América Portuguesa viram-se, durante anos, na contingência de se orientarem pelas Constituições do Arcebispado de Lisboa, adequando suas disposições às peculiaridades coloniais, através de decisões e práticas informais.[11][12]

Na América portuguesa o primeiro bispado foi criado em 1551, porém pela distância e vastidão do território, a determinações tridentinas enfretaram dificuldades para adentrar a cultura religiosa da região que atualmente chamamos Brasil, as primeiras tentativas de promulgar constituições sinodais remontam aos bispos da Bahia, D. Pedro Leitão (1559-1573) e D. Constantino Barradas (1603-1618), respectivamente. A distância entre as dioceses atrapalhavam as comunicações entre as autoridades religiosas, o sínodo baiano, realizado em 1707, foi o primeiro na América portuguesa.[13]

A realização de um sínodo na colônia era de extrema importância, especialmente para garantir a adequação das práticas religiosas às determinações do concílio de Trento, cujo documento oficial havia sido publicado há quase cento e cinquenta anos. Foi somente em junho de 1707 que um novo sínodo diocesano realizou-se na Bahia, convocado por D. Sebastião Monteiro da Vide arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil, com a presença apenas do bispo sufragâneo (ou seja, hierarquicamente vinculado) de Angola, posto que os demais bispos do Rio de Janeiro, de Olinda e de São Tomé não compareceram.[14]

Fruto da iniciativa sinodal, as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia foram publicadas numa carta pastoral de 21 de julho de 1707, e posteriormente impressas em Lisboa, no ano de 1719. Por ser o primeiro e o único sínodo diocesano na América portuguesa, as “Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia” tornaram-se o principal corpo de leis eclesiásticas em todas as dioceses luso-americanas, por exemplo, no Rio de Janeiro, Mariana e Belém. É possível que o bispo da Angola, que também estava presente no sínodo, também tenha se servido da obra.[15]

Os decretos seguem principalmente as normas tridentinas, inspirando-se fortemente nas "Constituições do Arcebispado de Lisboa", utilizado anteriormente na colônia, mas sendo o primeiro documento dessa categoria, retirava da colônia o estigma de terra sem lei, retirando também a “submissão” a uma lei alheia a realidade local.[16]

Na Índia[editar | editar código-fonte]

No contexto de expansão ultramarina Portugal conquistara cidades e regiões costeiras na Índia, sendo Goa, conquistada em 1510, a principal possessão lusitana no subcontinente. Goa está localizada na costa ocidental da Índia, entre as possessões do norte, como Diu, Damão e Chaul, e os entrepostos do Extremo Oriente, constituindo uma espécie de “Roma do Oriente”, um centro para o catolicismo na Índia e terras além.[17]

Goa tornou-se um bispado em 1534, o qual fora elevado a arcebispado em 1558, nos anos finais do Concílio de Trento, que estava prestes a modificar algumas das bases do catolicismo. A expansão do catolicismo na Índia enfrentava uma série de dificuldades, em especial a diversidade religiosa da região, habitada por hindus, islâmicos e pequenas comunidades cristãs heréticas, os chamados “cristãos de São Tomé”. O processo de conversão gerou os chamados cristãos neófitos, termo de origem grega utilizado para designar aqueles que haviam se convertido recentemente, esse grupo será objeto de preocupação das autoridades eclesiásticas, afinal muitos dos neófitos guardavam costumes e crenças de sua “vida gentia".[18]

As determinações do concílio de Trento foram prontamente acatadas pelas autoridades eclesiásticas da Índia, as quais se encontravam centradas na figura de Dom Gaspar de Leão, primeiro arcebispo de Goa, nelas foram depositadas as esperanças de solução para a “amálgama religiosa” que estava mergulhada a Índia Portuguesa. As novas determinações tridentinas buscavam a unificação do rito e liturgia, atacando superstições e heresias, além de estabelecer limites e obrigações claras para sacerdotes e leigos, definindo uma “identidade católica”, expressa na professio fide do papa Pio IV.[19]

O primeiro concílio de Goa fora convocado em 1567, inda durante o arcebispado de Dom Gaspar de Leão, e concluído em 1568 com a publicação das “Constituições do Arcebispado de Goa” pelo arcebispo Jorge Themudo, uma coletânea de decretos sobre a vivência da fé, exercício dos sacramentos e conversão de gentios e cristãos heréticos, em especial os cristãos de São Tomé, associados à heresia de Nestório.[20]

Os decretos contidos nas “Constituições do Arcebispado de Goa” estão divididos em quatro ações: “Profissão de fé”, “Conversão dos infiéis e novamente convertidos”, “Reforma da igreja” e “Reforma dos costumes". As duas primeiras ações recebem um maior destaque neste concílio, a primeira é iniciada com a professio fide de Pio IV, seguida por uma análise da importância do concílio de Trento e suas determinações para a restauração da retidão da igreja, através do restauro do espírito da igreja primitiva. A segunda ação enfatiza a atividade missionária para a conversão de infiéis e dos cristãos de São Tomé, os quais são descritos como a igreja primitiva que sofreu deformatio (deformação), cabendo aos missionários católicos promover a reformatio (reforma) para os reestabelecer a “fé verdadeira”.[21]

O segundo concílio é convocado em 1575, o atraso fora ocasionado pela morte do arcebispo Jorge Themudo, desencadeando um período de vacância entre 1571 e 1574, terminando com o retorno de Dom Gaspar de Leão por determinação do papa Gregório XIII. Fora dividido em três ações, que tratavam dos símbolos da fé, difusão da fé e relacionamento com não cristãos e obrigações dos prelados, respectivamente. Sua difusão foi consideravelmente inferior, especialmente pelos cercos de Goa e Chaul que ocorreram no decorrer de sua realização.[22]

No terceiro concílio, realizado em 1585 destaca-se a determinação da publicação de compêndios e catecismo em língua portuguesa e nas línguas locais, representando o preceito da educação, potencializado pela imprensa, na difusão da fé e no combate a superstições e sincretismos. [23]

Os últimos dois concílios, realizados em 1592 e 1606 estabeleceram seu foco na separação entre os cristãos e infiéis, determinando vestimentas, adornos, estilos e elementos arquitetônicos próprios para cada comunidade, para além de estabelecer bairros específicos para bramares (hindus) e mouros (islâmicos), similar aos guetos e judarias existentes na Europa.[24]

As ações dos quatro concílios que sucederam o primeiro foram integradas as “Constituições do Arcebispado de Goa”, e não devem ser observadas como uma mera aceitação das normas tridentinas, trata-se, em verdade, de uma modulação na qual também pesava a realidade local e as pressões exercidas pelos naturais, mesmo que convertidos ao catolicismo.[25]

Mundo Hispânico[editar | editar código-fonte]

América Espanhola[editar | editar código-fonte]

Na América Espanhola também houve a necessidade da transmissão das leis do Concílio de Trento para as províncias visto que segundo uma Carta de D. Felipe II as disposições tridentinas deveriam aplicar-se a todo o reino. Para adaptar as leis a realidade local, foram realizados concílios na província sendo os mais importantes o Terceiro Concílio de Lima e o Terceiro Concílio do México, as determinações destes concílios eram retransmitidas a cada paróquia por meio dos sínodos diocesanos.

No arcebispado de Tucumán, Arancibia e Della Ferrera há registros de três sínodos em Santiago do Estero e um em Córdoba. Em Santiago os sínodos foram convocados pelo arcebispo Trejo y Sanabria e ocorreram em 1597, 1606 e 1607. O sínodo de Córdoba foi convocado pelo arcebispo Manuel Mercadillo em 1700, contudo as constituições deste nunca foram encontradas e acredita-se que o mesmo não foi aprovado pela Audiência de Charcas.

Como já foi dito anteriormente estes sínodos tinham como objetivo retransmitir localmente as decisões estabelecidas pelo Concílio de Trento, com as devidas adaptações realizadas nos Concílios provinciais. Dava-se grande destaque para a evangelização o bispo deveria dirigir a diocese e organizar a difusão da doutrina cristã. Dessa forma as obrigações de um bispo era dupla: criar novas igrejas e ocupar da evangelização da população indígena, contudo, a falta de clérigos na colônia dificultava o cumprimento das obrigações, esta era a preocupação do frei Melchor Maldonado ao escrever uma carta ao Conselho das Índias em meados do século XVII.

O sínodo de 1597 dava ênfase principal a evangelização dos índios, determinava que eles deveriam viver em reduções e que os padres deveriam falar a língua dos povos onde pregavam. Além disso, este sínodo deixou claro a importância de se construir igrejas e um seminário para a formação do clero. O sínodo de 1606 estava focado praticamente nos ritos cerimoniais como a roupa que deveria ser usada nas celebrações e na necessidade de visitas do arcebispo aos padres. O sínodo de 1607 reforçava a ideia de que os índios deveriam viver em reduções e que os padres deviam estar aplicados em lhes ensinar a doutrina cristã.

Em Santo Domingo de Yungay no ano de 1585 ocorre um sínodo que se apega mais especialmente as penas que deveriam ser aplicadas nos casos de desobediência as regras da igreja. Essas penas deferiam caso autor fosse um clérigo, laico não índio ou natural, como eram chamados os indígenas a época. As penas aplicadas aos clérigos e laicos não índios tendiam a ser mais severas do que aquelas aplicadas aos naturais.

Canárias[editar | editar código-fonte]

As Ilhas Canárias constituem um arquipélago no oceano atlântico, próximo da costa d’África, seu primeiro bispado foi constituído em 1351, chamado Fortuna em referência ao principado homônimo atribuído pelo papa Clemente VI ao infante de Castela, Don Luís de La Cerda. Entretanto, devido ao arrastado processo de conquista das ilhas, na época habitadas por aborígenes conhecidos como guanches, vários títulos de bispados foram criados e desfeitos até 1462, ano da formação da diocese de las Palmas baixo ao bispado de Don Diego Illescas.[26]

O primeiro sínodo da diocese ocorreu em 1497, outros sínodos ocorreriam em 1506 e no biênio 1514-15, estabelecendo rígidas instruções para a administração da diocese, atividades clericais e recolhimento de dízimos. Suas constituições se destacam pela precificação dos atos a cargo do clero, cada ato litúrgico possui um preço especificado na constituição de 1497, somente sepulturas não era permitido vender, práticas muito diferentes de outras dioceses insulares, como nos Açores, onde o fiel poderia, apenas se desejar, ofertar uma esmola a igreja.[27]

Os decretos do concílio de Trento seriam recebidos apenas em 1628, em um sínodo convocado por Don Cristóbal de la Cámara y Murga, encerrando-se com a publicação de uma nova constituição para o bispado em 1629. Já as “Constituições do bispado de las Palmas” tratavam principalmente da incorporação dos decretos tridentinos, decretos esses que estavam em completo desacordo com as antigas constituições do bispado.[28]

Península Itálica[editar | editar código-fonte]

O ocorrido em Pistoia, uma cidade do Grão-ducado da Toscana, o chamado sínodo de Pistoia se destaca por sua defesa do jansenismo e dos artigos galicanos, sendo denunciado pelo papa Pio VI, na bula Auctorem fidei de 1794, como herético.

Fora convocado pelo bispo Scipione Ricci a pedido do grão-duque Pedro Leopoldo, futuro imperador Leopoldo II, detentor de ideias reformadoras, que se encontrava em uma disputa de autoridade com o papa, em Roma, o programa reformador do grão-duque incluía cinquenta e sete pontos, os quais tiveram uma recepção mista, inda assim um de seus apoiadores, o bispo Scipione Ricci, convoca um sínodo iniciado em 1786. Em 1788 é publicada “Atos e decretos do concílio diocesano de Pistoia”, uma constituição sinodal produzida pelas autoridades religiosas locais, uma das principais figuras para a elaboração das teorias do sínodo foi Pietro Tamburini, um teólogo, defensor do jansenismo, que muito se destacou durante as reuniões do concílio.[29]

O programa reformador do grão-duque incluía cinquenta e sete pontos, os quais tiveram uma recepção mista, inda assim um de seus apoiadores, o bispo Scipione Ricci, convoca um sínodo iniciado em 1786. Em 1788 é publicada “Atos e decretos do concílio diocesano de Pistoia”, uma constituição sinodal produzida pelas autoridades religiosas de Pistoia, uma das principais figuras para a elaboração das teorias do sínodo foi Pietro Tamburini, um teólogo, defensor do jansenismo, que muito se destacou durante as reuniões do concílio, basicamente, era uma contestação ao poder que exercia a cúria romana ao clero local e ao poder secular, para firmar sua contestação o sínodo recebeu os artigos galicanos de 1682 e as teses Pascasio Quesnel, um excomungado crítico da tradição eclesiástica e teologia medieval.[30]

Há a proposta de uma reforma litúrgica e sacramental, motivada pela rigidez moral defendida pelo jansenismo, promovendo mudanças no calendário litúrgico, na liturgia das horas, no recebimento de sacramentos, nos documentos catequéticos e até na limitação do uso de imagens, acusada de iconoclasta. Fora proibido o culto ao Sagrado Coração de Jesus, o substituindo pelo culto a Santíssima Humanidade de Cristo.[31]

Em 1790 morre Leopoldo II, imperador do Sacro Império Romano-Germânico, o mais poderoso defensor do concílio de Pistoia e seus decretos. Durante o auge da revolução francesa, em 1794, o papa Pio VI promulga a bula Auctorem fidei condenando veementemente os “Atos e decretos do concílio diocesano de Pistoia”, os considerando heréticos. O bispo Scipione Ricci resistiu a bula até 1805, quando se viu obrigado a renunciar as ideias defendidas em Pistoia e aceitar, sem reservas, a bula Auctorem fidei diante o papa Pio VII, que se encontrava em Paris desde a coroação de Napoleão Bonaparte.[32]

Normas Artísticas nas Constituições Sinodais[editar | editar código-fonte]

Com o fim do Concílio de Trento, a Igreja Católica se apressa em aplicar os Sínodos Diocesanos, já garantidos desde 1215 pelo Quarto Concílio de Latrão, que por sua vez, criavam, divulgavam e aplicavam normas vistas nas Constituições Sinodais, que viriam a definir o papel aplicado por todos os setores da sociedade, entre eles, os artistas.[33]

A classe dos artistas teria seu papel definido de forma que as obras criadas não entrassem em discordância com os dogmas da Igreja, como pode-se ver no caso das Constituições Sinodais criadas em 1585 por Dom Frei Marcos de Lisboa, e que buscava total reforma dos valores da população, do clero, e dos artistas, com destaque especial nos pintores. O texto usaria de base os Sagrados Cânones e as Constituições Sinodais de D. Frei Baltasar Limpo, além de inspiração direta ao concílio tridentino e ao Quarto Concílio Provincial Bracarense, seu objetivo seria alcançado com 36 títulos, que iriam retirar ou acrescentar informações das obras em que foi inspirado.[34]

Entre os trinta e seis títulos da obra de Dom Frei Marcos de Lisboa, o historiador Fausto Sanches Martins destaca quatro de maior relevância para o setor artístico:

“Em que Igrejas há de aver sacrário em que estem sempre o Santíssimo Sacramento e em que modo há de estar, e com a lampada acesa”. [35]

Tal título se refere às novas normas tridentinas referentes ao sacrário – o cofre em que se encontra a Eucaristia –, que agora não mais ficaria em um local periférico e escondido nas igrejas, mas sim deveria ser posto em um local honorífico em que todos os fiéis pudessem vê-lo e entender sua importância. O título também conta com normas rigorosas referentes à limpeza, fechaduras, assim como na questão de quatro lâmpadas que deverão sempre se manter acesas: sendo duas na capela do Santíssimo e as outras duas na capela-mor.

“Das Igrejas e Ermidas: e como se deve estar nelas: e dos ornamentos do altar: e cousas que hade aver nas Igrejas, e como se hão de prover, servir, alimpar, e consertar os altares, e Igrejas.” [36]

Este título trata questões de limpeza das igrejas, com normas que proibiam atos como se debruçar sobre os altares, comer, beber, bailar, jogar, apresentar autos dentro ou fora das igrejas, ou também para que sejam respeitadas as obras divinas armazenadas nos templos. O título também aborda a organização que deveria haver dentro dos templos, tal qual a separação dos homens e das mulheres nos bancos: “os homens estem per sy, e as molheres estem per sy, e nam huns antre outros”, dividindo assim os homens nos bancos da frente, e mulheres sentadas atrás.[37]

No geral, para este título, Dom Frei Marcos de Lisboa trata sobre a questão de limpeza, organização, preservação, e até mesmo da construção e demolição de igrejas, que deveriam ser construídas com o consentimento de um Bispo.

“Sam necessários os ornamentos ordenados pela Santa Madre Igreja para o culto divino e porque somos enformados e pessoalmente vimos a falta que os taes ornamentos em algumas igrejas há.”[38]

Em questão dos “ornamentos” citados por D. Frei Marcos de Lisboa, trata-se da estrutura que a igreja deveria possuir para receber de forma correta os fiéis, sendo um termo abrangente que contaria tanto com construções como os altares, sacrários, possuindo boa condição em seu chão, telhado, bancos e todas as outras estruturas no padrão da Igreja Católica, porém também tratava dos Livros Eclesiásticos que deveriam se mostrar presentes dentro de toda e qualquer igreja, como manuais de administração e registros de batismo, casamento, crisma, óbitos e outros inventários.

“Que nam pintem imagens por pintores nam conhecidos e aprovados por nos ou pelo Provisor”.[39]

No último título que trata das normas artísticas, D. Frei Marcos de Lisboa trata de regras aplicadas ao uso de imagens, trazendo um acréscimo à outras Constituições utilizadas até o momento, ele busca a aplicação do decreto tridentino da sessão XXV: “De invocatione, veneratione et reliquiis sanctorum et de sacris imaginibus” que seria traduzida como “A invocação, a veneração e as Relíquias dos Santos, e as sagradas Imagens”. Tal decreto buscava, de forma resumida, controlar a forma que as imagens artísticas seriam produzidas e distribuídas nas igrejas e para a população geral, evitando que “imagens de falso dogma”, que o sagrado uso das imagens não traga luxúria ou ideais blasfemos. Tal título surge como forma de afastar falsas representações de santos e das narrações de histórias bíblicas que eram vistas pelas igrejas, trazendo certa padronização das imagens artísticas, com pintores e obras que deveriam ser aprovadas previamente pela Igreja Católica [40]

Referências

  1. da VIDE, Sebastião Monteiro (2010). FLEITER, Bruno - SOUZA, Evergton Sales, ed. Constituições primeiras do arcebispado da Bahia (ed. e estudo introdutório). [S.l.]: Edusp. p. 54-55. ISBN 9788531412554
  2. AZEVEDO, Carlos Moreira (2000). Dicionário de história religiosa de Portugal. [S.l.]: Centro de estudos de história religiosa da Universidade Católica Portuguesa. pp. 15–19 
  3. da VIDE, Sebastião Monteiro (2010). FLEITER, Bruno - SOUZA, Evergton Sales, ed. Constituições primeiras do arcebispado da Bahia (ed. e estudo introdutório). [S.l.]: Edusp. p. 36. ISBN 9788531412554
  4. FARIA, Patricia Souza de. Os concílios de Goa: reflexões sobre o impacto da “Reforma Tridentina” no centro do império asiático português (1567-1606). p. 3.
  5. FARIA, Patricia Souza de. Os concílios de Goa: reflexões sobre o impacto da “Reforma Tridentina” no centro do império asiático português (1567-1606). p. 3-4.
  6. FARIA, Patricia Souza de. Os concílios de Goa: reflexões sobre o impacto da “Reforma Tridentina” no centro do império asiático português (1567-1606). p. 12-14
  7. AZEVEDO, Carlos Moreira et.al. Dicionário de história religiosa de Portugal. Centro de estudos de história religiosa da Universidade Católica Portuguesa. 2000. p.12-19
  8. VIERA, Alberto. As constituições sinodais e administração das dioceses insulares (Angra, Funchal, Las Palmas) nos séculos XV a XVII. p. 167-168
  9. AZEVEDO, Carlos Moreira et.al. Dicionário de história religiosa de Portugal. Centro de estudos de história religiosa da Universidade Católica Portuguesa. 2000. p.14
  10. AZEVEDO, Carlos Moreira et.al. Dicionário de história religiosa de Portugal. Centro de estudos de história religiosa da Universidade Católica Portuguesa. 2000. p.11-15
  11. AZEVEDO, Carlos Moreira et.al. Dicionário de história religiosa de Portugal. Centro de estudos de história religiosa da Universidade Católica Portuguesa. 2000. p.9-18
  12. Lacombe. A igreja no Brasil Colonial, p.51
  13. da VIDE, Sebastião Monteiro (2010). FLEITER, Bruno - SOUZA, Evergton Sales, ed. Constituições primeiras do arcebispado da Bahia (ed. e estudo introdutório). [S.l.]: Edusp. p. 36-37. ISBN 9788531412554
  14. da VIDE, Sebastião Monteiro (2010). FLEITER, Bruno - SOUZA, Evergton Sales, ed. Constituições primeiras do arcebispado da Bahia (ed. e estudo introdutório). [S.l.]: Edusp. p. 35-38. ISBN 9788531412554
  15. da VIDE, Sebastião Monteiro (2010). FLEITER, Bruno - SOUZA, Evergton Sales, ed. Constituições primeiras do arcebispado da Bahia (ed. e estudo introdutório). [S.l.]: Edusp. p. 49-54. ISBN 9788531412554
  16. da VIDE, Sebastião Monteiro (2010). FLEITER, Bruno - SOUZA, Evergton Sales, ed. Constituições primeiras do arcebispado da Bahia (ed. e estudo introdutório). [S.l.]: Edusp. p. 36-42. ISBN 9788531412554
  17. FARIA, Patricia Souza de. Os concílios de Goa: reflexões sobre o impacto da “Reforma Tridentina” no centro do império asiático português (1567-1606). p. 3-8.
  18. FARIA, Patricia Souza de. Os concílios de Goa: reflexões sobre o impacto da “Reforma Tridentina” no centro do império asiático português (1567-1606). p. 3
  19. FARIA, Patricia Souza de. Os concílios de Goa: reflexões sobre o impacto da “Reforma Tridentina” no centro do império asiático português (1567-1606). p. 3-7.
  20. FARIA, Patricia Souza de. Os concílios de Goa: reflexões sobre o impacto da “Reforma Tridentina” no centro do império asiático português (1567-1606). p. 6-15.
  21. FARIA, Patricia Souza de. Os concílios de Goa: reflexões sobre o impacto da “Reforma Tridentina” no centro do império asiático português (1567-1606). p. 7-16.
  22. FARIA, Patricia Souza de. Os concílios de Goa: reflexões sobre o impacto da “Reforma Tridentina” no centro do império asiático português (1567-1606). p. 9-11
  23. FARIA, Patricia Souza de. Os concílios de Goa: reflexões sobre o impacto da “Reforma Tridentina” no centro do império asiático português (1567-1606). p. 10.
  24. FARIA, Patricia Souza de. Os concílios de Goa: reflexões sobre o impacto da “Reforma Tridentina” no centro do império asiático português (1567-1606). p. 19-21.
  25. FARIA, Patricia Souza de. Os concílios de Goa: reflexões sobre o impacto da “Reforma Tridentina” no centro do império asiático português (1567-1606). p. 21.).
  26. Viera, Alberto. As constituições sinodais e administração das dioceses insulares (Angra, Funchal, Las Palmas) nos séculos XV a XVII. p. 165-166
  27. Viera, Alberto. As constituições sinodais e administração das dioceses insulares (Angra, Funchal, Las Palmas) nos séculos XV a XVII. p. 176-177
  28. Viera, Alberto. As constituições sinodais e administração das dioceses insulares (Angra, Funchal, Las Palmas) nos séculos XV a XVII. p. 181-182
  29. SARANYANA, Josep-Ignasi. La eclesiologia de la revoloción em el Sínodo de Pistoya (1786). Anuario de Historia de la Iglesia. Vol 19. Instituto de historia de la iglesia. Universidad de Navarra. Pamplona. 2010. p. 56-60
  30. SARANYANA, Josep-Ignasi. La eclesiologia de la revoloción em el Sínodo de Pistoya (1786). Anuario de Historia de la Iglesia. Vol 19. Instituto de historia de la iglesia. Universidad de Navarra. Pamplona. 2010. p. 57-61
  31. SARANYANA, Josep-Ignasi. La eclesiologia de la revoloción em el Sínodo de Pistoya (1786). Anuario de Historia de la Iglesia. Vol 19. Instituto de historia de la iglesia. Universidad de Navarra. Pamplona. 2010. p. 60-61
  32. SARANYANA, Josep-Ignasi. La eclesiologia de la revoloción em el Sínodo de Pistoya (1786). Anuario de Historia de la Iglesia. Vol 19. Instituto de historia de la iglesia. Universidad de Navarra. Pamplona. 2010. p. 61-62
  33. MARTINS, Fausto S. Normas artísticas das constituições sinodais de D. Frei Marcos de Lisboa. p. 297
  34. MARTINS, Fausto S. Normas artísticas das constituições sinodais de D. Frei Marcos de Lisboa. p. 300
  35. MARTINS, Fausto S. Normas artísticas das constituições sinodais de D. Frei Marcos de Lisboa. p. 301
  36. MARTINS, Fausto S. Normas artísticas das constituições sinodais de D. Frei Marcos de Lisboa. p. 303
  37. MARTINS, Fausto S. Normas artísticas das constituições sinodais de D. Frei Marcos de Lisboa. p. 303-304
  38. MARTINS, Fausto S. Normas artísticas das constituições sinodais de D. Frei Marcos de Lisboa. p. 305
  39. MARTINS, Fausto S. Normas artísticas das constituições sinodais de D. Frei Marcos de Lisboa. p. 307
  40. MARTINS, Fausto S. Normas artísticas das constituições sinodais de D. Frei Marcos de Lisboa. p. 307-309

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • VAINFAS, Ronaldo (direção). Dicionário do Brasil Colonial: 1500 - 1808. Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 2000.
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  • PAIVA, José Pedro. Os bispos de Portugal e do Império: 1495-1777. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2006
  • Mazzoni, Maria Laura. La administración diocesana en Córdoba de Tucumán en el marco de la legislación eclesiástica de Lima y Charcas.
  • MOUNTIN, Osvaldo Rodolfo. Los processos de redacción de Los decretos del tercer concilio mexicano (1585)
  • da VIDE, Sebastião Monteiro (2010). FLEITER, Bruno - SOUZA, Evergton Sales, ed. Constituições primeiras do arcebispado da Bahia (ed. e estudo introdutório). [S.l.]: Edusp. ISBN 9788531412554
  • AZEVEDO, Carlos Moreira (2000). Dicionário de história religiosa de Portugal. [S.l.]: Centro de estudos de história religiosa da Universidade Católica Portuguesa.
  • FARIA, Patricia Souza de. Os concílios de Goa: reflexões sobre o impacto da “Reforma Tridentina” no centro do império asiático português (1567-1606).
  • VIERA, Alberto. As constituições sinodais e administração das dioceses insulares (Angra, Funchal, Las Palmas) nos séculos XV a XVII.
  • SARANYANA, Josep-Ignasi. La eclesiologia de la revoloción em el Sínodo de Pistoya (1786). Anuario de Historia de la Iglesia. Vol 19. Instituto de historia de la iglesia. Universidad de Navarra. Pamplona. 2010.
  • MARTINS, Fausto S. Normas artísticas das constituições sinodais de D. Frei Marcos de Lisboa.