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Usuário(a):Mabreu1975/Testes

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Comemorações como tradições inventadas

As comemorações podem ser pensadas como tradições inventadas. Nessa perspectiva, os ritos comemorativos seriam formalizações mais rigorosas de relações com um passado, seja um evento ou uma personagem cuja memória seria presentificada pelos rituais. Tais formalizações partem da reelaboração de práticas existentes ou resultam da criação consciente de formas que procuram estabilizar as relações entre passado e presente. A noção de tradição inventada também remete ao caráter ideológicos dessas construções sociais. Tais construções podem ser mais difusas ou mais objetivamente descritas em um determinado tempo, sendo possível identificar os agentes envolvidos em sua criação. Em qualquer dos casos, seria possível relacionar a instituição de certos passados e formas rituais à manutenção ou mudança da ordem social[1].

A invenção das tradições se relaciona a tempos de mudanças mais estruturais nas sociedades modernas. Esse pressuposto leva os criadores do conceito (The invention of tradition, 1983), Eric Hobsbawm e Terence Ranger, a identificar um tempo da produção em massa de tradições entre a década de 1870 e 1914, isto é, entre o avanço da Segunda Revolução Industrial com todas as suas consequências políticas e a Primeira Guerra Mundial[1]. A caracterização desse momento de massificação das tradições inventadas, entre elas as comemorações de eventos e personagens históricos, tem implicações para a compreensão do conceito. Tais tradições seriam construídas em sociedades cada vez mais complexas nas quais as estruturas sociais se diversificavam aceleradamente.

Essa aceleração teria provocado, por um lado, o reforço de costumes e rituais políticos já existentes tendo em vista estabilizar e difundir identidade nacionais. Um exemplo desse processo são os rituais da realeza britânica que buscavam provocar a percepção da antiguidade imemorial do regime político. Na verdade, tais ritos foram reelaborados nos séculos XIX e XX tendo por fim o reforço das hierarquias sociais em um tempo de grandes transformações políticas[1]. Por outro lado, a ampliação das diferenças e desigualdades sociais também levaria à invenção de novas tradições. Estas serviriam de amparo a existência e ação de grupos sociais subalternos como a classe trabalhadora que cria tradições políticas e datas comemorativas como o Primeiro de Maio ou Dia do Trabalhador[2][3]. Outro exemplo de diversificação se relaciona às identidades locais e regionais, como a é o caso da tradição inventada do kilt como costume que remetia à cultura celta. Na verdade, a vestimenta se populariza nos séculos XVIII e XIX. E nesse caso, a indumentária sinalizaria a identidade nacional escocesa[1].

Segundo a perspectiva de Hobsbawm e Ranger, as comemorações, rituais políticos os mais diversos, símbolos e costumes reelaborados tendo em vista um enraizamento no passado revelariam o caráter conflituoso da sociedade e dos usos do passado[4][5]. É possível dizer que a noção de tradição inventada, aparecida em 1983, respondia à vaga memorial ou a era das comemorações que caracterizou a virada dos anos 1970 para 1980 (incluir referência sobre isso: hartog?). O conceito teve grande sucesso nos estudos sobre a memória e praticas comemorativas no Brasil[6]. Sua validade para o estudo das comemorações pode ser associada a alguns aspectos do fenômeno comemorativo como rituais nas sociedades complexas. Primeiro, enfatiza a montagem ou construção ativa dos rituais comemorativos a partir de praticas herdadas tendo em vista a produção da coesão social em tempos de transformações mais radicais. Segundo, provoca a pensar o caráter conflituoso das comemorações uma vez que mais de um grupo aciona, cria e reage aos ritos segundo suas posicões diferencias na sociedade. Por fim, ao enfatizar esse ultimo aspecto, desloca o olhar das comemorações associadas ao Estato e à nacionalidade para outras inicitivas que revelam os usos da história pelos grupos subalternos.

Comemorações e as comunidades imaginadas

As comemorações são parte fundamental dos dispositivos criados das nações como comunidades imaginadas. Esse conceito foi desenvolvido por Benedict Anderson no livro Comunidades imaginadas: COMPLETAR (1983). A obra se inseria no forte debate intelectual sobre as nações modernas e o nacionalismo. Nos anos 1970 e 1980, a discussão envolveu pensadores como Ernest Gellner, Eric Hobsbawm e Partha Chatterjee. Anderson defendia que as nações podem ser definidas como comunidades imaginadas porque congregam grupos e indivíduos que não se conhecem diretamente mas compartilham línguas e histórias comuns. Esses dois elementos culturais forma as bases de um sentimento de pertença ao espaço nacional.

As condições para o surgimento dessas novas comunidades políticas se ligam ao enfraquecimento de formas políticas e culturais anteriores como as monarquias de direito divino e a religiosidade tradicional na história europeia. A comunidade nacional se sobrepõe ao sentimento da comunidade política em torno do monarca e as formas de legitimação religiosas da política e vida social. As transformações da modernidade provocam a dissolução desses poderes e criam condições novas que permitem a criação e crença nas comunidades nacionais. A nação como comunidade imaginada depende de estruturas de comunicação que garantem o intercâmbio entre sujeitos socialmente diferenciados e anônimos. No processo da imaginação nacional grupos e indivíduos mobilizam repertórios comuns, muitas vezes herdados do passado, que permitem se perceberem como parte do mesmo espaço político [7].

A emergência da imprensa escrita e o mercado editorial em expansão criaram e ampliaram as possiblidades de comunicação que ultrapassavam as relações interpessoais. Isso aconteceu, na Europa especialmente, entre os século XVIII e XIX. As comunidades imaginadas dependiam da circulação das informações baseadas em uma língua comum que vai consolidado as solidariedades entre grupos e indivíduos. A história e todas as suas formas também se torna um dispositivo para criar laços entre tempos diferentes e produzir uma identidade no presente. Nesse sentido, as invenções da história colaboraram para a imaginação nacional[8]. Entre as formas da história relativas à imaginação nacional estavam própria historiografia, os museus, arquivos e bibliotecas modernos, além do patrimônio.

As comemorações se inscrevem nesse processo e podem ser pensadas como parte essencial da imaginação nacional. Isso porque elas atingiam público mais amplos dos que as instituições letradas e suas formas. Elas empregavam repertórios celebrativos reconhecidos pelo público e originários das liturgias religiosa e monárquica. Essas eram, então, transformadas em ritualizações da história [CITAR JÁ O CATROGA], mas também mobilizavam novas estruturas. As comemorações, sobretudo os grandes ritos nacionais envolvendo datas e personagens históricos destacados, aconteciam num ambiente espetacular que convocava a visão e os corpos. Nas grandes cidades, os museus, galerias comerciais, os parques de diversões e as exposições internacionais compunham um complexo exibicionário [citar o Tonny Bennet através do Noah Elkin]. As comemorações se somavam a essa cultura do espetáculo.

Página de Testes Verbete Comemorações

  1. a b c d HOBSBAWM, Eric (2008). A invenção das tradições. São Paulo: Paz e Terra 
  2. HOBSBAWM, Eric (2005). Mundos do trabalho; novos estudos sobre história operária. São Paulo: Paz e Terra. p. 99-122 
  3. KOCHER, Bernardo. Luto-Luta. O Primeiro de Maio no Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, 1987.
  4. HOBSBWAM, Eric (200x). O sentido do passado. in: Sobre a História. São Paulo: Companhia das Letras 
  5. HARTOG, François (2010). Les usages politques du passé. Paris: Editions EHESS 
  6. AVELAR, Alexandre (2017). «Memory, ethics and the present time of Brazilian journals of History. (1981-2014).». Historein (17): 1-19 
  7. MARCELINO, Douglas Attila (2022). «Os rituais como liturgias cívicas: notas sobre um campo de pesquisas.». ANPUH. Revista Brasileira de História. 31 (61): 125-144. Consultado em 20 junho 2024 
  8. BANN, Stephen (1994). As invenções da história. São Paulo: UNESP