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Usuário(a):Passarim Azul/Testes

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Esperança Garcia (Oeiras ou Nazaré do Piauí, [?]) foi a primeira escrava brasileira a denunciar os maus tratos sofridos por meio escrito, isso ainda no século XVIII.


Esperança Garcia, escrava nascida no atual Estado do Piauí, padecendo de maus tratos junto com seus filhos e outros escravos, pelo responsável pela fazenda que trabalhava, teve coragem de denunciar seu algoz. Fez isso utilizando-se das poucas letras que havia aprendido com os jesuítas, àquela altura já expulsos do Brasil desde 1760, conforme determinação do Marquês de Pombal.

O denunciado fora Antônio Vieira do Couto, o administrador das fazendas da Inspeção de Nazaré (atual município de Nazaré do Piauí), pertencentes à Coroa de Portugal, incluindo aí a Fazenda de Algodões, onde residia Esperança Garcia na época. A carta tinha por destinatário Gonçalo Lourenço Botelho de Castro, governador da província do Maranhão, então responsável pela região do Piauí.

Esperança dá início ao relato de uma série de queixas contra o Capitão Antônio Vieira do Couto, que a subjugara ao trabalho de cozinheira na sua casa, retirando-a dos Algodões para a Inspeção de Nazaré e, ao mesmo tempo, impedindo-a da convivência com o marido. A narrativa compromete a reputação do Procurador das fazendas de gado da Coroa ante o Governador da Capitania do Maranhã, sobretudo porque o primeiro se apropriara da mão-de-obra escrava, pertencente à Coroa, em benefício próprio, segundo o professor Élio Ferreira de Souza.

A carta, na verdade foi uma cópia do documento original, encontrada no Arquivo Público do Piauí, no final do século XX, pelo historiador baiano Luiz Mott. Mott acredita que a versão original da carta encontra-se em Portugal. Apesar das dificuldades encontradas na investigação, a carta abriu todo um novo caminho a ser buscado sobre a história brasileira.

Depois da descoberta a existência da carta como precioso documento histórico, começa a ser interpretada por pelo menos dois grandes viéses: o historiográfico e o literário. Uma terceira perspectiva, a jurídica, vem atualmente sendo abordada pela Comissão da Escravidão Negra no Piauí, pela Ordem dos Advogados do Brasil- OAB-PI.

Além disso, o potencial simbólico da figura de Esperança Garcia, a partir de sua carta, tem inspirado algumas instituições, coletivos e manifestações culturais, com temáticas voltadas para os direitos humanos, gênero e estudos afro-brasileiros. Como exemplo, temos o grupo de mulheres que se esforçam em trabalhar a cidadania da mulher negra piauiense; o que também recebe o nome de Esperança Garcia, é a maternidade de Nazaré do Piauí; A escola de samba "Sambão", no ano de 2006, desfila sob o tema "Saga negra: da África à Esperança Garcia. A data desta carta torna-se o dia estadual da consciência negra no Piauí, desde 1999. Em 2016, inicia-se uma pós-graduação em Direitos Humanos no Piauí, sob o nome de Esperança Garcia.

Seguem as palavras de Élio Ferreira de Souza, sobre a carta:

A “Carta” de 6 de setembro de 1770, da escrava Esperança Garcia, a primeira citação acima, foi endereçada ao Governador da Província do Piauí (MOTT, 1985, 2010), uma “inusitada reclamação” (MOURA, 2004) por se tratar de uma escrava que se dirige à principal autoridade do Piauí colonial setecentista. A “Carta” é certamente um dos

registros escritos mais antigos da escravidão no Brasil, escrito pelo próprio escravo negro, no nosso caso uma mulher negra e cativa, Esperança Garcia, o que confere à narrativa epistolar citada acima o status de uma escritura da gênese literária afro-brasileira.
A narradora se apropria do antigo modelo de petição da segunda metade do século XVIII, para assentar nesse território simbólico da escrita as vozes da narrativa autobiográfica ou da crônica pessoal e comunitária do sujeito negro num espaço inóspito, a escravidão. Essas vozes falam da dor humana, da luta e do desespero de uma mulher escravizada, que fala em nome de si mesma, dos filhos, do marido e dos parceiros do cativeiro, assumindo o lugar de porta-voz do seu grupo. O relato escrito por Esperança Garcia envolve a uma rede de acusações e denúncias o Administrador das fazendas de gado da Coroa de Portugal no Piauí. Esse tipo de experiência é também recorrente nos relatos de experiência dos escravos ou slavenarratives nos Estados Unidos, cujos autores escreveram e publicaram narrativas autobiográficas, contando fatos da sua própria vida de escravo e da vida dos colegas de infortúnio, nos séculos XVIII e XIX (MORRISON, 1987), como também em Cuba e noutros países das Américas onde o africano fora escravizado.

A carta de Esperança Garcia (em português da época)

Eu Sou hua escrava de V.S. dadministração do Capª m Ant° Vieira de Couto, cazada. Desde que o Capªmpª Lá foi adeministrar, q. me tirou da fazdª dos algodois, aonde vevia com meu marido, para ser cozinheira da sua caza, onde nella passomt° mal. A Primeira hé q. ha grandes trovadas de pancadas nenhum Filho meu sendo huã criança q. lhe fezestrair sangue pella boca, em mim não poço esplicar q. Sou hucolcham de pancadas, tanto qcahyhuã vez do Sobrado abachopeiada; por mezericordia de DsesCapei. A segunda estou eu e mais minhas parceiras por confeçar a tresannos. E huã criança minha e duas mais por Batizar. Pelloq Peço a V.S. pello amor de Ds. e do Seu Valim T° ponha aos olhos em mim ordinando digo mandar a Porcurador que mande p. a Fazdª aonde elle me tirou pª eu viver com meu marido e Batizar minha Filha. de V.Sa. sua escrava Esperança Garcia

Segundo o professor Souza, a carta segue uma escrita que segue o português da época, um que “afirma suas bases na fala oral, na fala do povo pouco letrado, na fala gestual do corpo”. Abaixo a tradução da carta para o português contemporâneo:

“Eu sou uma escrava de V.Sª. administração de Capitão Antonio Vieira de Couto, casada. Desde que o Capitão lá foi administrar, que me tirou da Fazenda dos Algodões , onde vivia com meu marido, para ser cozinheira de sua casa, onde nela passo tão mal. A primeira é que há grandes trovoadas de pancadas em um filho nem, sendo uma criança que lhe fez extrair sangue pela boca; em mim não posso explicar que sou um colchão de pancadas, tanto que caí uma vez do sobrado abaixo, peada, por misericórdia de Deus escapei. A segunda estou eu e mais minhas parceiras por confessar a três anos. E uma criança minha e duas mais por batizar. Pelo que peço a V.Sª. pelo amor de Deus e do seu valimento, ponha aos olhos em mim, ordenando ao Procurador que mande para a fazenda onde ele me tirou para eu viver com meu marido e batizar minha filha. De V.Sª. sua escrava, Esperança Garcia”

[1] [2] [3]

  1. ÉLIO FERREIRA DE SOUZA, "[1]", A “CARTA” DA ESCRAVA ESPERANÇA GARCIA DO PIAUÍ: UMA NARRATIVA PRECURSORA DA LITERATURA AFRO-BRASILEIRA, ABRALIC, ANAIS, 2015
  2. ÉLIO FERREIRA DE SOUZA, "[2]", LITERAAFRO, 11 de novembro de 2016
  3. JOSÉ FORTES, A coragem da Escrava Esperança Garcia, "[3]"