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Usuário:AltCtrlDel/Espaco de estudos/Max Weber

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
WEBER, Max. “Relações Comunitárias Étnicas”. In
Economia e Sociedade. Brasília, Editora da Universidade de Brasília, 1991.

Relações Comunitárias Étnicas


1.A pertinência à “raça”

Uma fonte da ação comunitária muito mais problemática do que as circunstâncias tratadas até agora é a posse efetivamente baseada na descendência comum de disposições iguais, herdadas e hereditariamente transmissíveis: a “pertinência à raça”. Esta somente conduz a uma “comunidade” quando é sentida subjetivamente como característica comum, o que ocorre apenas quando a vizinhança local ou outros vínculos entre pessoas de raças distintas levam a uma ação comum certo destino comum dos racialmente homogêneos se liga a algum contraste existente com outros de características acentuadamente distintas. A ação comunitária assim originada costuma manifestar-se, em geral, de modo puramente negativo, como diferenciação ou desprezo, ou como medo supersticioso diante dos patentemente distintos. A repulsão é o primário e normal.


Se fosse possível determinar, de modo puramente fisiológico, o grau de diferença racial objetiva, poder-se-ia então querer medir o grau de atração mútua ou repulsão racial subjetiva, com base no fato de as relações sexuais se estabelecerem com freqüência ou raramente, preferencialmente como relações duradouras ou de modo temporário e irregular. A existência ou a falta do conúbio seria, assim, em todas as comunidades com uma consciência “étnica” especial desenvolvida, uma conseqüência normal da atração ou do isolamento racial. Não há a menor dúvida de que, para a intensidade das relações sexuais e para a formação de comunidades “conubiais”, fatores raciais, isto é, condicionados pela comunidade étnica, têm alguma importância, sendo às vezes até decisivos. Mas a “primordialidade” da repulsão sexual entre raças diversas, é refutada, por exemplo, pelos milhões de mulatos nos EUA. O repúdio de toda relação sexual entre as duas raças, sustentado por ambas as partes, é um produto das pretensões destes, surgidas com a emancipação dos escravos, de serem tratados como cidadãos com direitos iguais.


O fato não apenas de se observar o laço real de sangue como tal mas também o grau em que isso ocorre é co-determinado por outros motivos além da afinidade racial objetiva: biologia, estética, diferenças estamentais. (p. 267-8)


2.Nascimento da idéia de coletividade étnica. Comunidade lingüística e de culto.

Se as diferenças sentidas como extremamente discordantes e, portanto, segregadoras têm sua base na “disposição” ou na “tradição”, esta é, em geral, uma questão sem importância alguma no que concerne a seu efeito sobre a atração ou repulsão mútua. (p. 268)


A maior ou menor facilidade do nascimento de uma comunidade de intercâmbio social está vinculada a aspectos extremamente exteriores das diferenças no modo de viver habitual, ocasionais por alguma casualidade histórica, assim como à herança racial. Todas as diferenças de “costumes” podem alimentar, em seus portadores, um sentimento específico de honra e dignidade. Os motivos originais das diferenças nos hábitos de vida são esquecidos e os contrastes subsistem como convenções. A igualdade ou a diferença no hábito e nos costumes, sejam elas patrimônio hereditário ou tradicional, estão ambas submetidas, de princípio, em seu nascimento e na alteração de seus efeitos, às mesmas condições da vida de comunidade e são também iguais em seus efeitos comunizantes. (p. 269)


Quase toda forma comum ou contrária do hábito ou dos costumes pode motivar a crença subjetiva de que existe, entre os grupos que se atraem ou se repelem, uma afinidade ou heterogeneidade de origem. A crença na afinidade de origem – seja esta objetivamente fundada ou não – pode ter conseqüências importantes particularmente para a formação de comunidades políticas. Como não se trata de clãs, chamaremos grupos étnicos aqueles grupos humanos que, em virtude de semelhanças no habitus externo ou nos costumes, ou em ambos, ou em virtude de lembranças de colonização e migração, nutrem uma crença subjetiva na procedência comum, de tal modo que esta se torna importante para a propagação de relações comunitárias, sendo indiferente se existe ou não uma comunidade de sangue efetiva. A comunhão étnica distingue-se da comunidade de clã pelo fato de aquela ser apenas produto de um sentimento de comunidade e não uma comunidade verdadeira, como o clã, a cuja essência pertence uma efetiva ação comunitária. A comunhão étnica não constitui, em si mesma, uma comunidade, mas apenas um elemento que facilita relações comunitárias. Fomenta relações comunitárias de natureza mais diversa, mas sobretudo, conforme ensina a experiência, as políticas. Por outro lado, é a comunidade política que costuma despertar, em primeiro lugar, por toda a parte, mesmo quando apresenta estruturas muito artificiais, a crença na comunhão étnica, sobrevivendo esta geralmente à decadência daquela, a não ser que diferenças drásticas de costumes e de hábito ou, particularmente, de idioma o impeçam. (p. 270)


A crença na comunhão étnica constitui muitas vezes, mas nem sempre, o limite da comunidade de intercâmbio social. As comunidades, por sua vez, podem evocar sentimentos de comunhão que subsistem mesmo depois de a comunidade ter desaparecido e são sentidas como étnicas. Especialmente a comunidade política pode ter semelhantes efeitos. Mas isso ocorre, de modo mais imediato, naquela comunidade que é portadora de um patrimônio cultural de massas específico e que condiciona ou facilita a compreensão mútua: a comunidade lingüística. (p. 271)


A convicção da excelência dos próprios costumes e da inferioridade dos alheios, com a qual se alimenta a honra étnica, é absolutamente análoga aos conceitos de honra estamentais. A honra étnica é a honra específica das massas por ser acessível a todos os que pertencem à comunidade de origem subjetivamente imaginada.


Fortes diferenças nos costumes, as quais desempenham um papel equivalente ao do hábito hereditário, na formação de sentimentos de comunhão étnica e de idéias de consangüinidade, têm sua origem, em regra, sem contar as diferenças lingüísticas e religiosas, nas diferentes condições de existência econômicas ou políticas às quais um grupo humano tem de se adaptar. (p. 272)


A crença na afinidade de origem, somada à semelhança dos costumes, é apropriada para favorecer a divulgação da ação comunitária assumida por uma parte dos etnicamente unidos entre o resto dos membros, já que a consciência de comunidade fomenta a imitação. (p. 273)


3.Relação com a comunidade política. “Tribo” e “povo”

A delimitação foi artificialmente criada a partir da comunidade política. O nascimento de um sentimento específico de comunidade, que reage como o da consangüinidade, não é nada raro ainda hoje em formações políticas com delimitação puramente artificial.


Na prática, a existência da consciência tribal costuma significar algo especificamente político: diante de uma ameaça de guerra vinda do exterior, é particularmente fácil que surja sobre essa base uma ação comunitária política, sendo esta, portanto, uma ação daqueles que se sentem subjetivamente companheiros de tribo (ou de povo) consangüíneos. O despertar potencial da vontade de agir politicamente, segundo isso, é uma, ainda que não a única, das realidades escondidas, em última instância, por trás do conceito de tribo e de povo.


4.Nacionalidade e prestígio cultural

A nacionalidade em seu sentido étnico corrente, comparte com o povo, normalmente, a vaga idéia de que aquilo que se sente como comum tem sua base numa comunidade de procedência, ainda que, na realidade, pessoas que se consideram pertencentes à mesma nacionalidade, não apenas ocasionalmente, mas com muita freqüência, estejam muito mais distantes entre si, no que se refere à sua procedência, do que outras que se consideram pertencentes a nacionalidades distintas ou hostis. Diferenças de nacionalidade, apesar de uma afinidade de origem indubitavelmente muito estreita, podem existir, por exemplo, somente em virtude de confissões religiosas distintas. Os motivos reais da crença na existência de uma comunhão nacional e da ação comunitária que nesta se baseia são muito diversos. O Estado nacional e o Estado tornaram-se hoje conceitualmente idênticos com base na homogeneidade de língua. Mas para despertar o chamado sentimento nacional não basta a comunidade de língua. Por outro lado, diferenças de língua não são um obstáculo absoluto para o sentimento de comunidade nacional. (p. 275-6)


Os sentimentos de comunidade designados com o nome coletivo de “nacional” não são nada unívocos, mas podem ser nutridos a partir de fontes muito diversas: diferenças na estruturação social e econômica e na estrutura de dominação interna, com sua influência sobre os costumes, podem ter algum peso, mas não necessariamente o fazem; lembranças políticas comuns, a confissão religiosa, e por fim, a comunidade de língua podem atuar como fontes, bem como, naturalmente, o habitus racialmente condicionado. (p. 277)