Saltar para o conteúdo

Usuário:AltCtrlDel/Espaco de estudos/Will Kymlicka2

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Kymlicka, Will. Cidadania Multicultural. Uma teoria liberal dos direitos minoritários. Editorial Paidós, 1995.[editar | editar código-fonte]

(elab. Fabiela)

Introdução

1.Os temas

Na atualidade a maioria dos países são culturalmente diversos. São bem escassos os países cujos cidadãos compartilham a mesma linguagem ou pertencem ao mesmo grupo étnico-nacional. Assim, maiorias e minorias se enfrentam cada vez mais a respeito de temas como direitos lingüísticos, autonomia regional, representação política, currículo educativo...Encontrar respostas moralmente defendíveis e politicamente viáveis a essas questões constitui-se no principal desafio que as democracias enfrentam atualmente. Desde o final da guerra fria os conflitos etnoculturais tem-se convertido na fonte mais comum de violência política no mundo. Objetivo da obra: retroceder para apresentar uma visão geral, identificar alguns conceitos e princípios chave a serem considerados e finalmente clarificar os fundamentos básicos de um enfoque liberal do problema dos direitos das minorias. Uma teoria liberal dos direitos das minorias deve explicar como coexistem os direitos das minorias com os direitos humanos e também como os direitos das minorias estão limitados pelos princípios de liberdade individual, democracia e justiça social. Após a Segunda Guerra os direitos das minorias passaram a ser abordados de forma diferente. A tendência geral dos movimentos pós-guerra em prol dos direitos humanos consistiu em subsumir o problema das minorias nacionais abaixo do problema mais genérico de assegurar os direitos individuais básicos a todos os seres humanos, sem aludir ao pertencimento étnico. Guiada por essa filosofia, as Nações Unidas eliminaram toda referência aos direitos das minorias étnicas e nacionais em sua Declaração Universal dos Direitos humanos. Muitos liberais do pós-guerra tem considerado que a tolerância religiosa baseada na separação da Igreja e Estado proporciona um modelo para abordar as diferenças etnoculturais. A partir dessa perspectiva a identidade étnica, como a religião, é algo que a gente deveria poder expressar livremente na vida privada, porque não concerne ao estado. Esta separação do Estado e a etnicidade impossibilita qualquer reconhecimento legal ou governamental dos grupos étnicos, assim como qualquer uso de critérios étnicos na distribuição de direitos, recursos e deveres. Geralmente, a ação positiva é defendida como uma medida temporal que deve evoluir para uma sociedade cega em matéria de cor ou pertencimento étnico. O que se pretende é remediar anos de discriminação e portanto, aproximar-se ao tipo de sociedade que teria existido se tivéssemos observado a separação do Estado e etnicidade desde o princípio. Assim, a Convenção sobre discriminação Racial das nações Unidas impulsiona programas de ação positiva somente onde estes possuem um caráter temporal e terapêutico. Longe de abandonar o ideal de separação do Estado e da etnicidade, a ação positiva é um método para tentar obter este ideal. Cada vez está mais claro que os direitos das minorias não podem subsumir-se abaixo da categoria de direitos humanos. Acredito, portanto que são legítimo e de fato iniludível complementar os direitos humanos tradicionais com os direitos das minorias. Em um estado multicultural uma teoria de justiça incluirá tanto direitos universais, atribuídos aos indivíduos independentemente de seu pertencimento de grupo, como determinados direitos diferenciados de grupo, ou seja, um status especial para as culturas minoritárias.

Capítulo 2 – Políticas do Multiculturalismo

Existem diversas formas mediante as quais as minorias se incorporam nas comunidades políticas, desde a conquista e a colonização de sociedades que anteriormente gozavam de auto governo até a imigração voluntária de indivíduos e famílias. Estas diferenças na forma de incorporação afetam a natureza dos grupos minoritários e o tipo de relações que estes desejam com a sociedade de que fazem parte. Dois modelos amplos de diversidade cultural. No primeiro caso a diversidade cultural surge da incorporação de culturas, que previamente desfrutavam de auto governo e estavam territorialmente concentradas em um Estado maior. Uma das características distintivas das culturas incorporadas, aquelas que denomino minorias nacionais, é justamente o desejo de seguir sendo sociedades distintas a respeito da cultura majoritária de que fazem parte. Exigem, portanto, diversas formas de autonomia ou auto governo para assegurar sua sobrevivência como sociedades distintas. No segundo caso, a diversidade cultural surge da imigração individual e familiar. Esses imigrantes costumam unir-se em associações poucos rígidas e evanescentes, que denomino grupos étnicos. Esses grupos desejam integrar-se na sociedade que fazem parte e serem aceitos como membros de pleno direito das mesmas. Se bem que, freqüentemente pretendem obter um maior reconhecimento de sua identidade étnica, seu objetivo não é converter-se numa nação separada e auto governada paralela a sociedade da qual fazem parte, senão modificar as instituições e as leis dessa mesma sociedade para que esta seja mais permeável as diferenças culturais. 1. Estados multinacionais e Estados poliétnicos Os Estados nacionais não podem sobreviver a menos que seus diversos grupos nacionais mantenham sua lealdade a comunidade política mais ampla na qual estão integrados e com a qual coabitam. Alguns estudiosos descrevem essa dita lealdade comum como uma forma de identidade nacional e portanto consideram que Suíça é um estado-nação, algo errôneo na minha opinião. Devemos distinguir o patriotismo, o sentimento de lealdade a um Estado, da identidade nacional, no sentido de pertencimento a um grupo nacional. Na Suíça, como na maioria de Estados multinacionais, os grupos nacionais sentem lealdade ao estado na sua totalidade porque este reconhece e respeita sua existência como nação diferente. Os suíços são patriotas, mas a Suíça a que são leais se define como uma federação de povos distintos. Por essa razão, é preferível considerar-la um Estado multinacional e interpretar os sentimentos de lealdade comum que gera dito Estado como patriotismo compartilhado, não como uma identidade nacional comum. A segunda fonte de pluralismo cultural é a imigração. Um país manifestará pluralismo cultural se aceita como imigrantes um grande número de indivíduos e famílias de outras culturas e lhes permite manter algumas de suas particularidades étnicas. Os grupos imigrantes nem são nações nem ocupam terras natais, sua especificidade se manifesta fundamentalmente em sua vida familiar e nas associações voluntárias, algo que não resulta contraditório com sua integração institucional. Tais grupos participam nas instituições públicas das culturas dominantes e se expressam na língua dominante. Por exemplo, na Austrália e nos Estados Unidos os imigrantes devem aprender o inglês para obter a cidadania. Ao invés de multicultural usa os adjetivos multinacional e poliétnico para aludir as duas principais formas de pluralismo cultural. A história de ignorar as minorias nacionais no novo mundo está inextricavelmente ligada com as crenças européias acerca da inferioridade dos povos indígenas que habitavam o território antes da colonização européia. A maioria dos países americanos são multinacionais e poliétnicos, como a maioria dos países do mundo. No entanto, muito poucos países estão preparados para admitir esta realidade. É importante assinalar que os grupos nacionais, de acordo com nosso uso do termo não estão definidos pela raça ou ascendenancestrais. Estou falando de minorias nacionais, ou seja, de grupos culturais e não de grupos raciais ou ancestrais. Naturalmente, alguns grupos nacionais se definem a si mesmos em termos de filiação sanguínea. Estes enfoques de pertencimento nacional baseados nos ancestrais têm conotações claramente racistas e são manifestamente injustos. De fato, uma das provas de estar na presença de uma concepção liberal dos direitos das minorias é que esta define o pertencimento nacional em termos de integração em uma comunidade cultural e não nos ancestrais. Em princípio, a pertença nacional deveria estar aberta a todos aqueles que, independentemente de sua raça ou cor, estejam dispostos a aprender a língua e a história da sociedade e a participar em suas instituições políticas e sociais. O que distingue as nações cívicas das nações étnicas não é a ausência de todo componente cultural na identidade nacional, senão, o fato de que qualquer pessoa pode integrar-se na cultura comum, seja qual for sua raça ou cor. A imigração e a incorporação de minorias nacionais são as duas fontes mais comuns de diversidade cultural nos Estados modernos. Concretamente, a situação dos afro americanos é bastante distinta. Não se ajustam ao modelo dos imigrantes voluntários, tendo em conta que foram para a América involuntariamente como escravos e também porque foram impedidos de integrar-se nas instituições da cultura majoritária. Tampouco se ajustam ao modelo de minoria nacional, posto que não têm uma terra natal na América ou uma língua histórica comum. Procedem de diversas culturas africanas, com diferentes línguas e além disso não se teve nenhuma intenção de manter juntas as pessoas que teriam um substrato étnico comum. Ao contrário, desde o início dispersou-se as pessoas pertencentes a mesma cultura por toda a América do Norte, além de proibir legalmente qualquer intenção de recriar sua própria cultura. Não permitiu-se a eles integrar-se na cultura dominante, nem tampouco permitiu-se que mantivessem suas línguas ou culturas de origem ou criar novas associações e instituições culturais. Não tinham sua própria pátria ou território e contudo foram segregados fisicamente.

2. Três formas de direitos diferenciados em função do grupo O desafio do multiculturalismo consiste portanto em acomodar as ditas diferenças nacionais e étnicas de uma maneira estável e moralmente defendível. Em todas as democracias liberais um dos principais mecanismos usados para acomodar as diferenças culturais é a proteção dos direitos civis e políticos dos indivíduos. Acredito que uma das funções características dos direitos individuais é contribuir para a manutenção de uma ampla gama de relações sociais. De fato, o direito liberal mais básico – a liberdade de consciência – é valioso fundamentalmente pela proteção que outorga as atividades intrinsecamente sociais. No entanto, em muitos países se aceita cada vez mais que algumas formas de diferença cultural unicamente podem acomodar-se mediante medidas legais ou constitucionais especiais, acima – e mais além – dos direitos comuns de cidadania. Algumas formas de diferença derivadas do pertencimento a um grupo só podem acomodar-se se seus membros possuem alguns direitos específicos como grupo, “cidadania diferenciada”. Existem ao menos três formas de direitos específicos em função do pertencimento ao grupo: 1- direitos de autogoverno, 2- direitos poliétnicos e 3- direitos especiais de representação. 1- Direitos de autogoverno Na maioria dos Estados multinacionais, as nações que os compõem se mostram inclinadas a reivindicar algum tipo de autonomia política ou jurisdição territorial para assegurar o pleno e livre desenvolvimento de suas culturas e interesses de sua gente. Um mecanismo de reconhecimento das reivindicações de autogoverno é o federalismo, que reparte poderes entre o governo central e as subunidades regionais. O federalismo pode oferecer um amplo autogoverno a uma minoria nacional, garantindo sua capacidade de tomar decisões em determinadas esferas sem sofrer o rechaço da sociedade global. O federalismo somente pode servir como mecanismo para o autogoverno se a minoria nacional constituir uma maioria em uma das subunidades federais, por exemplo, os quebequenses do Quebec. 2- Direitos poliétnicos A princípio, este desafio consistiu simplesmente em exigir o direito de expressar livremente as particularidades, sem temer prejuízos ou discriminações por parte da sociedade global a qual fazem parte. Alguns grupos étnicos e minorias religiosas também têm reivindicado diversas formas de subvenção pública de suas práticas culturais, uma reivindicação que inclui a subvenção de associações, revistas e festivais étnicos. Os direitos poliétnicos têm como objetivo ajudar aos grupos étnicos e as minorias religiosas para que expressem sua particularidade e seu orgulho cultural. Assim como os direitos de autogoverno, os direitos poliétnicos não se consideram temporais, posto que as diferenças culturais que protegem não são algo que se pretenda eliminar. A diferença dos direitos de auto-governo, o objetivo dos direitos poliétnicos não é o auto-governo, senão fomentar a integração no conjunto da sociedade. 3- Direitos especiais de representação Nas democracias ocidentais há uma crescente preocupação porque o processo político não é representativo, no sentido de que não se consegue um reflexo da diversidade da população. Muitas vezes os direitos de representação derivados do pertencimento a um grupo são defendidos como resposta a algumas desvantagens ou barreiras sistêmicas presentes no processo político, que impedem que as opiniões e os pareceres do grupo em questão estejam devidamente representados. Na medida em que tais direitos são considerados uma resposta a opressão ou as carências sistêmicas, resulta mais plausível que se contemplem como medidas temporais, no trânsito para uma sociedade em que já não haja necessidade de representação especial, algo assim como uma forma de ação positiva política. A sociedade deveria trabalhar para erradicar a opressão e as carências, eliminando assim a necessidade desses direitos.

Capítulo 6 – A justiça e os direitos das minorias

Sustento que alguns direitos de auto-governo e poliétnicos são coerentes com a justiça liberal e de fato, exigidos por ela. Me ocuparei de três tipos de argumentos que tem a intenção de defender essas medidas dentro de um marco liberal mais amplo: igualdade, pacto histórico e diversidade. 1- O argumento da igualdade Muitos defensores dos direitos específicos em função do grupo para as minorias étnicas nacionais insistem em que tais direitos são imprescindíveis para garantir que todos os cidadãos sejam tratados com igualdade. Na sua opinião, a acomodação das diferenças constitui a essência da verdadeira igualdade e para acomodar nossas diferenças são necessários os direitos específicos em função do grupo. A argumentação baseada na igualdade só aprova os direitos especiais para as minorias nacionais se verdadeiramente existe alguma desvantagem relacionada com o pertencimento cultural e se tais direitos servirem realmente para corrigir essa desvantagem. Num Estado multinacional as decisões sobre as fronteiras e a divisão de poderes são, inevitavelmente, decisões acerca de que grupo nacional terá capacidade de usar os poderes do Estado em apoio a sua cultura. Não há uma maneira de exercer uma completa separação do Estado e da etnicidade. As decisões do governo a respeito das línguas, das fronteiras internas, das festividades públicas..., implicam inevitavelmente reconhecer, acomodar e apoiar as necessidades e identidades de determinados grupos étnicos e nacionais. A única questão pendente é como assegurar que estas inevitáveis formas de apoio a determinados grupos étnicos e nacionais se produzam de forma equitativa, ou seja, como assegurar que não privilegiem certos grupos em detrimento de outros. 2 – o papel dos pactos históricos ou acordos Uma segunda argumentação em defesa dos direitos diferenciados em função do grupo para as minorias nacionais é que todos estes são resultado de pactos ou acordos históricos, como o tratado dos direitos dos povos indígenas ou o acordo mediante o qual dois ou mais povos decidem tornar-se federação. Se quisermos defender os direitos diferenciados em função do grupo, não deveríamos basear-nos exclusivamente nos acordos históricos. Pois os acordos históricos sempre devem ser interpretados e é inevitável que os revisemos e atualizemos, temos de ser capazes de basear os acordos históricos em uma teoria da justiça mais profunda. A argumentação histórica e a argumentação da igualdade devem ser complementares. 3 – o valor da diversidade cultural A argumentação da diversidade é mais plausível como defesa dos direitos poliétnicos dos grupos étnicos. Diferentemente do auto-governo nacional, estes direitos contribuem diretamente para a diversidade no seio da cultura majoritária. Conclusão Tenho tentado demonstrar que os liberais podem e devem aceitar uma ampla gama de direitos diferenciados em função do grupo para as minorias nacionais e os grupos étnicos sem sacrificar seus compromissos básicos com a liberdade individual e a igualdade social. Ainda que a primeira vista os direitos diferenciados em função do grupo para as minorias possam parecer discriminatórios, levando em conta que assinalam direitos individuais e poderes políticos diferenciadamente em virtude do pertencimento de grupo, na realidade são consistentes com os princípios liberais de igualdade, pois fomentam a igualdade e a diversidade cultural no conjunto da sociedade.