Usuário:Yleite/Princípio do handicap
De acordo com o princípio do handicap, proposto pelo biólogo israelense Amotz Zahavi, o fato do macho de uma espécie ser capaz de sobreviver até a fase reprodutiva com uma característica custosa (o handicap) é efetivamente considerado pela fêmea como uma prova de sua boa condição geral. Tais características podem indicar que ele está livre ou resistente às doenças, ou demonstram que esse animal possui mais velocidade ou força física, usadas para vencer os problemas causados pela característica exagerada. Uma fêmea ao escolher um macho com o handicap assegura que os seus descendentes herdem os bons genes do pai que lhes permitam sobreviver, mesmo com o handicap.[1]
Seleção sexual
[editar | editar código-fonte]Darwin argumentou que a seleção sexual é responsável, pela evolução de características que dão aos organismos vantagens reprodutivas, em contraste com as vantagens de sobrevivência definindo-a, como a “luta entre indivíduos de mesmo sexo, geralmente o macho, pela posse do outro sexo" para explicar os caracteres fenotípicos que aparentemente não conferiam nenhuma vantagem adaptativa aos indivíduos que os apresentavam. A seleção sexual se apresenta de duas formas principais: competição entre machos (seleção intra-sexual), em que membros do sexo menos limitado, geralmente machos, competem agressivamente entre si por acesso ao sexo limitante, e a escolha de parceiro ou escolha pela fêmea (seleção inter-sexual), em que machos competem para serem escolhidos pelas fêmeas utilizando, para isso, seus ornamentos. [2]
Apenas quando dois machos adversários são muito próximos, a ponto de não existirem diferenças entre si na escala de hierarquia, é que um confronto acaba evoluindo até um ponto em que a diferença entre eles precisa ser demonstrada por meio de uso agressivo das ornamentações, como chifres ou cornos, ou através de exposição vocal como o canto complexo de algumas aves, por exemplo. Devido à sua natureza ocasionalmente exagerada, as ornamentações, podem ser prejudiciais ao animal, reduzindo sua aptidão (capacidade de um indivíduo de certo genótipo para reprodução), pois pode tornar os indivíduos mais lentos na fuga de predadores ou chamar a atenção destes, ou ainda pode se tornar um custo energético extra para o animal.
Conceito de desperdício
[editar | editar código-fonte]Em 1975 Zahavi propôs uma nova solução para o problema da escolha feminina por características não adaptativas, originando o princípio do handicap. Segundo Zahavi, machos e fêmeas possuem um conflito de interesses. Cada um quer o parceiro que possua os melhores genes para sua descendência e dependendo da espécie, o que melhor puder criar seus descendentes.
O macho, como um bom vendedor, faz o que for possível para impressionar as fêmeas, enquanto que o objetivo das fêmeas, assim como um consumidor atento, é verificar a mercadoria e aceitar apenas aquele que provou sua qualidade. A quantidade de descendentes de uma fêmea é limitada por sua capacidade de produzir óvulos ou engravidar, enquanto que o sucesso reprodutivo masculino depende mais do número assim como da qualidade dos parceiros que puder arranjar.[3]
As fêmeas podem avaliar a aptidão de um macho com mais eficiência, por isso elas preferem os que apresentam as características chamativas e não adaptativas que vemos na natureza. Zahavi sugeriu que o "alto custo do excesso de ornamentos sexuais é o que mantém os ornamentos confiáveis como indicadores de aptidão física". De acordo com o biólogo, para ser efetiva, a sinalização tem de ser confiável, para ser confiável a sinalização tem de ser custosa...para determinar a confiabilidade de um sinal, tem de se considerar o investimento feito nele, o alto custo de um sinal garante sua confiabilidade.[4]
Sinalização animal
[editar | editar código-fonte]Zahavi reuniu vários experimentos, realizados por ele e seus colaboradores, que demonstram a preferência feminina por morfologias e comportamentos dispendiosos e complexos nos diferentes. O biólogo demonstrou que pavões atraentes e que conseguiam muitas fêmeas em determinada comunidade, quando tinham de 5 a 10 penas arrancadas de suas caudas (que possuem 250 em média), se tornavam incapazes de arranjar uma parceira.[4]
Em seu livro Handicap Principle, Zahavi citou, além do “caso” do pavão, dois de seus estudos com aves:
- Moller (colaborador de Zahavi) se empenhou em estudar a longa pena da cauda do Andorinhão. Estas aves possuem caudas longas e bifurcadas, cujas penas são mais longas em machos adultos do que em fêmeas ou machos jovens. Moller adicionou pedaços extras a pena da cauda de alguns machos de cauda curta e cortou pedaços da cauda de alguns machos de cauda longa, e percebeu que aqueles de cauda longa, seja natural ou artificial, encontraram mais parceiros e copularam com mais fêmeas que os de cauda curta sejam elas naturais ou cortadas.
- Os detalhes do canto demonstram a qualidade do cantor. O canto do "Great Tit" é uma série de sílabas precisamente espaçadas. Os colaboradores do biólogo Zahavi, Lambrechts e Dhondt, encontraram uma correlação positiva entre o número de sílabas em uma frase e a precisão rítmica das ultimas sílabas, e o sucesso reprodutivo do pássaro. A habilidade para manter tanto o tempo como o padrão de sílabas no final de uma longa frase parece ser um bom indicador de aptidão. O canto demonstra a confiança ou falta dela no pássaro, informação importante para a fêmea que tiver de decidir em aceita-lo como um parceiro.
O próprio autor do princípio do handicap, Zahavi, diz não ter começado seus estudos buscando um princípio unificador da comunicação biológica. Tudo o que ele buscava no início, em 1973, era explicar a evolução da cauda do pavão a um estudante Yoav Sagi, quem, por uma boa razão, não conseguia ver a lógica do processo de descontrole de Fisher, a teoria corrente da época. A aplicação mais abrangente do princípio de handicap desenvolveu-se vagarosamente: uma descoberta levando a outra, até que ele se deu conta de que estava lidando com um princípio geral em biologia.
O princípio do handicap explica que quando surgem características morfológicas que apresentam crescimento excessivo (um “desperdício”) assim como comportamentos perigosos ou que exibem um alto custo em termos de energia ou tempo, ou seja, características não adaptativas e que representam um obstáculo para a adaptação de determinado animal, que sejam utilizadas não só na relação entre parceiros sexuais, mas também utilizadas entre pais e filhos, predador e presa, ou rivais disputando um mesmo recurso, em todas as espécies na natureza, surgem como handicaps, características que atestam a aptidão de um indivíduo em um determinado contexto.
Por exemplo, quando um grupo de gazelas aproxima-se a um de seus predadores, algumas gazelas ao invés de se esconderem ou fugirem, saltam em frente ao predador. Dando estes saltos em frente a seu predador elas desperdiçam tempo e energia de uma eventual fuga, além de se exporem a um risco muito maior. Por que então elas fazem isso? Por muito tempo a explicação usada foi a de que ela estaria alertando seu grupo para a posição do predador. Uma gazela que faz isso diminui suas chances de sobrevivência em relação as que apenas fogem e, assim, ao longo de algumas gerações, todas as gazelas estariam fugindo. O que a gazela está realmente fazendo? Zahavi nos diz que ela está alertando o predador e não seu grupo. Ao dar vigorosos saltos frente a sua ameaça ela dá uma prova de sua saúde ao predador, além de demonstrar sua confiança em sua fuga em uma eventual perseguição. Para o predador é importante prestar atenção em suas presas para evitar perseguições custosas e infrutíferas, para a gazela vale a pena demonstrar sua aptidão para evitar uma perseguição onde tentando fugir ela perderá uma boa quantidade de energia.
Segundo Zahavi, mesmo nas relações mais antagônicas, como predador e presa, existe comunicação, desde que haja interesse mútuo na mesma, no caso da gazela e seu predador, os dois querem evitar uma perseguição à toa. A gazela tenta convencer seu predador de que ela não é a presa fácil, e que o predador estaria perdendo seu tempo e energia atrás dela. Mesmo que a gazela seja capaz de fugir do seu predador, ela também estará evitando uma perseguição exaustiva. Mas para convencer o predador em não persegui-lá ela precisa gastar tempo e energia que seriam preciosos caso o predador ignore sua sinalização e decida persegui-lá mesmo assim. Um handicap demonstra além de qualquer dúvida que a vitória de um vencedor é devido a sua maestria e não ao acaso, um handicap permite que um indivíduo demonstre sua qualidade.[4]
Outro exemplo pode ser visto na relação entre rivais do mesmo sexo, seja a disputa por recursos ou por parceiras, onde animais demonstram sua capacidade para competidores através de handicaps. Qualquer tipo de handicap que provenha de um animal de baixa aptidão será facilmente identificado por seu rival.
Rivais raramente atacam uns aos outros sem primeiro sinalizar as intenções. Na maioria das vezes, eles não atacam, e o conflito entre eles é resolvido pela troca de ameaças. Sinais existem em diferentes formas: canto, demonstrações de voo, ou certo tipo de postura.O Leão marinho faz demonstrações de rugido em frente a seu rival. O canto do “nightingale” anuncia a prontidão do pássaro para defender seu território e deter seus rivais.[4]
Relação entre handicap e a mensagem a ser passada
[editar | editar código-fonte]Este é um ponto importante salientado por Zahavi. As características do handicap estão relacionadas com a mensagem que ele anuncia. A cauda do pavão anuncia a força e a destreza do animal; os saltos da gazela anunciam sua boa forma e velocidade pra uma eventual fuga. Assim, cada sinal está relacionado à mensagem que ele anuncia.[5]
Um animal que não seja apto o suficiente não pode exibir handicaps. Zahavi acredita que honestidade é um pré-requisito dos handicaps e vice-versa. Para ser honesto, um ornamento tem de ser custoso; de outra maneira ele poderia ser usado para trapacear. Um veado não pode desenvolver grandes galhadas sem consumir cinco vezes sua media diária de cálcio. Na presunção de que qualquer um que se recuse a “entrar no jogo” e usar uma sinalização honesta deva ter algo a esconder, machos se acham numa posição de realizar uma sinalização honesta. Assim ornamentos chamativos são exemplos de “verdade na propaganda”[6]
Aplicação nos seres humanos
[editar | editar código-fonte]Zahavi promoveu intensamente sua ideia sugerindo que o princípio de handicap não se aplica apenas à sinalização existente entre machos e fêmeas, mas a todo tipo de sinalizaçã na natureza. Também usou o princípio de handicap para explicar o surgimento de características que não parecem ser adaptativas em seres humanos.
No final do seu livro O Princípio de Handicap, Zahavi fez uma análise de aspectos morfológicos e comportamentais humanos à luz do princípio de handicap. De acordo com ele, a vida social humana, assim como a de todo os outros organismos, reflete interações de cooperação e competição entre colaboradores. "Nós não estamos sugerindo que os sistemas sociais humanos não são vastamente mais complexos que os de outros animais. Ainda assim, nós acreditamos que os mesmos princípios guiam ambos; os mecanismos comportamentais que sobrevivem por gerações são aqueles que aumentam o número de descendentes de um indivíduo. Assim, nós nos guiaremos pelo princípio de handicap para examinar a lógica por detrás dos mecanismos de comportamento social e os métodos de comunicação entre seres humanos."[4]
Características como seios, lábios e sobrancelhas, foram analisadas usando o princípio do handicap, mostrando sua ineficiência como elementos de adaptação, mas demonstrando como podem ser compreendidos como indicadores de simetria e saúde do corpo, que são formas confiáveis de se verificar aptidão de um indivíduo.
Nas palavras do biólogo israelense: “Seios femininos são, antes de qualquer coisa, sinais. A maior parte de um grande seio é gordura que não tem nada a ver com alimentar bebês, os bebês da maioria dos outros mamíferos suga leite com sucesso de mamilos em mamas praticamente planas. Seios grandes dificultam a liberdade de movimento feminina e desperdiçam energia pelo aumento da perda de calor, pra que servem então? [...] Grandes seios mostram claramente que não está faltando comida a quem os carrega... Seios também passam por periódicas mudanças de tamanho e textura e fornecem informações importantes a respeito de idade, estado hormonal, e amamentações passadas”.
Zahavi analisou características comportamentais humanas como rituais de dança, abraços apertos de mãos e as preliminares do ato sexual. Também observou a decoração estética apresentada em nossos corpos e pertences juntamente à evolução da arte, e ainda, a evolução do altruísmo e do comportamento moral e concluiu que “Um altruísta é definido como a pessoa que assiste outra sem esperar nenhum pagamento. Mas um ganho ou benefício pode vir em outras formas que não material. Atos altruístas obviamente demonstram as habilidades de quem os performa. Nem todos nós podemos arcar com dar parte de nosso dinheiro ou de nossos pertences, ou arriscar nossas próprias vidas para salvar a de outro, e entre os que fazem estas coisas alguns fazem melhores do que outros. Investir no bem estar de outro demonstra as qualidades do altruísta, melhora sua imagem social e melhora suas chances de sucesso. Verdade que alguns altruístas mais perdem do que ganham, particularmente quando se voluntariam a arriscar si mesmos por seus amigos ou pais; mas com freqüência estes altruístas retornam dos frontes de batalha com honrarias e renome – e assim aumentam as chances de sucesso, suas e de seus filhos.”
Aceitação do princípio de handicap
[editar | editar código-fonte]Os biólogos simplesmente não conseguiam compreender como uma característica que diminui a aptidão do indivíduo pode se estabelecer como a norma da preferência entre parceiros. Agora vem a parte da teoria de Zahavi que realmente é difícil de aceitar. Ele sugere que as caudas das aves-do-paraíso e dos pavões, as enormes galhadas dos cervos e outras características selecionadas sexualmente que sempre parecem paradoxais por aparentemente serem desvantajosas a seus possuidores, evoluem precisamente porque são desvantajosas. Um macho com uma cauda longa e incômoda esta anunciando às fêmeas que ele é um macho viril tão forte que pode sobreviver apesar de sua cauda. Pense numa mulher observando dois homens apostando corrida. Se ambos chegam ao final no mesmo tempo, mas um deles deliberadamente se sobrecarregou com um saco de carvão às costas, as mulheres naturalmente concluíram que na realidade o homem com peso é o corredor mais rápido.
Atualmente o princípio de Handicap é amplamente aceito pelos biólogos e começa a ser aceito como uma fonte de explicação para alguns aspectos da psicologia humana. Os psicólogos evolucionistas, como Geoffrey Miller, perceberam seu poder de explicação para áreas da psique onde o comportamento altruísta e os desperdícios são centrais, e começaram a difundir as ideias de Zahavi entre outros psicólogos. Zahavi argumentou que, “a necessidade de confiabilidade, explica a diversidade de sinais no mundo natural, e o princípio do handicap oferece novas maneiras de olhar e compreender cada espécie da terra, desde organismos microscópicos até a própria humanidade.”
Referências
- ↑ http://repositorio.ispa.pt/bitstream/10400.12/479/1/DM%20CUST1.pdf
- ↑ J. theor. 1975. Mate Selection. A Selection for a Handicap.
- ↑ F. dos Santos Millani. Seleção sexual: mente ornamental e linguagem.
- ↑ a b c d e A. Zahavi.Handicap Principle. 1997.
- ↑ R. Filipe Oliveira. Sexo, Mentiras e handicaps: Reflexões sobre os mecanismos de selecção sexual.
- ↑ M. Ridley. 2003.