Conservadorismo na Rússia

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O conservadorismo na Rússia, conhecido como conservadorismo russo, é um amplo sistema de crenças políticas russas caracterizado pelo apoio aos valores cristãos ortodoxos, ao nacionalismo russo (que pode ser elevado ao imperialismo),[1][2] ao intervencionismo econômico, à defesa da esfera de influência russa e rejeição da cultura ocidental ou, mais precisamente, do liberalismo.[3][4][5]

Como outros movimentos conservadores, o conservadorismo russo é visto como defensor de instituições consolidadas de seu tempo, como a autocracia czarista e o "governo de homem-forte" da URSS.[6] Porém, diferente do modelos de conservadorismo economicamente liberais/libertários predominantes no Ocidente, o conservadorismo russo rejeita o laissez-faire e apoia uma economia mista protecionista.[7] Os conservadores russos acreditam que o Estado deve controlar tanto a política econômica quanto a política social, pois isso é compatível com suas origens no czarismo e os ensinamentos da Igreja Ortodoxa Russa.[8] Essa promoção de pontos de vista antissistema, nacionalistas e socialmente conservadores torna o conservadorismo russo amplamente populista.

História[editar | editar código-fonte]

As tradições de autocracia e patrimonialismo se desenvolveram na Rússia nos séculos XVII e XVIII, quando Ivã III construiu as tradições bizantinas de autocracia, permitindo o desenvolvimento do czarismo e da monarquia da dinastia Romanov nos séculos XIX e XX. De acordo com o acadêmico anticomunista Richard Pipes e o cientista político Stephen White, isso preparou o terreno para o desenvolvimento do totalitarismo na URSS após a Revolução de Outubro, com a identidade russa tendo ficado entrelaçada com a autocracia. Essa progressão de governos autocráticos não permitiu a disseminação e o desenvolvimento dos ideais liberais vistos na Europa Ocidental, com o intervencionismo estatal permanecendo a principal ideologia de diversos partidos russos. Isso influenciou o desenvolvimento do pensamento conservador após a dissolução da URSS em 1991, com o controle estatal desempenhando um papel fundamental no tradicionalismo russo.[9]

As tentativas de reestruturação liberal da economia soviética e do cenário político por meio das reformas da perestroika de Mikhail Gorbachev durante os anos 1980 e 1990 foram amplamente reprimidas no governo conservador de Vladimir Putin depois que seu antecessor, Boris Iélltsin, foi incapaz de prosseguir com as reformas sociais e econômicas. Nos anos 2000, a juventude russa desempenhou um papel fundamental, desenvolvendo ideias conservadoras que levaram as reformas de Gorbachev e Yeltsin a serem vistas como uma época de agitação política e caos. Uma pesquisa de 1987 realizada pelo sociólogo russo Yuri Levada revelou que os cidadãos soviéticos idosos vivos década de 1980, que ainda tinham memórias do stalinismo e do unipartidarismo na URSS, eram uma "espécie em extinção", já que as mais jovens e ingênuas gerações começavam a moldar o clima político do futuro. O desdém pela reforma liberal e a falta de conhecimento da era stalinista permitiram que a juventude russa se desenvolvesse na facção nacionalista linha-dura, permitindo a polarização da política russa e o desenvolvimento de ideias totalitárias no conservadorismo.[10]

Partidos políticos[editar | editar código-fonte]

Os dois principais partidos conservadores da Rússia são o Rússia Unida, liderado por seu líder de facto, Vladimir Putin, e o Partido Liberal Democrático da Rússia, liderado por Leonid Slutsky. Outros partidos conservadores russos incluem o Rodina, a União Popular Russa (em russo: Российский общенародный союз; romanizado: Rossiyskiy obshchenarodnyy soyuz) e o Partido Eurásia. O Rússia Unida é o partido governante da Rússia e o maior partido do país.[11][12]

O Partido Liberal Democrático da Rússia foi fundado em 1992 por Zhirinovsky como um partido conservador mais ideológico. O partido obteve 22,9% dos votos nas eleições de 1993 para a Duma, opondo-se à dicotomia esquerda-direita na Rússia, assim como o partido Rússia Unida. Durante a década de 1990, Zhirinovsky e o Partido Liberal Democrático da Rússia formaram um componente da oposição política a Iéltsin, embora seus membros tenham votado amplamente contra o impeachment de Iéltsin em 1999. Na década de 2010, o partido frequentemente apoiou a agenda do Rússia Unida e governo de Putin ao votar na Duma.[13]

Críticas[editar | editar código-fonte]

Embora a ideologia em si não tenha sido mal recebida pelo público em geral, partidos políticos como o Rússia Unida são alvos de críticas devido a intensa corrupção na Rússia, algo constantemente usado por partidos de oposição durante a eleição de 2012 para caracterizar o Rússia Unida como uma sigla corrupta e preocupada em "manter e fortalecer seu próprio poder". Essa percepção pôde ser notada nos protestos russos de 2011-2013, nos quais russos demonstraram insatisfação com o processo eleitoral na Rússia e anseio por um processo mais democrático contra o que eles acreditam ter se tornado um governo autoritário.[14][15][16]

O conservadorismo russo foi acusado de ser autoritário e um sistema opressivo de governo. A oposição de grupos de esquerda e de direita caracterizou as duras leis do governo de Putin pela promoção da estabilidade no país como sendo exercidas para cimentar o próprio poder do governo. Os regulamentos sobre a liberdade de imprensa e o intervencionismo econômico foram fortemente contestados pela direita libertária, enquanto as opiniões antiaborto e contra os direitos LGBT+ foram criticadas pela esquerda.[17][2]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. «A esquerda russa e a guerra». esquerda.net. 9 de abril de 2022. Consultado em 22 de janeiro de 2023. Cópia arquivada em 9 de abril de 2022 
  2. a b «Regime de Putin é o centro do neo-conservadorismo e uma ameaça aos direitos das mulheres». esquerda.net. 9 de abril de 2022. Consultado em 22 de janeiro de 2023. Cópia arquivada em 17 de abril de 2022 
  3. Нагорная, Оксана (2016). «Jahrbücher für Geschichte Osteuropas». Ab Imperio (em alemão). 2016 (3): 429–434. ISSN 2164-9731. doi:10.1353/imp.2016.0076 
  4. «Uma 'revolução cultural' conservadora avança na Rússia». UOL. 11 de agosto de 2022. Consultado em 22 de janeiro de 2023 
  5. Guerini, Cristina (3 de maio de 2022). «O teorema do Ocidente "decadente" que levou Putin à guerra». Instituto Humanistas Unisinos. Consultado em 22 de janeiro de 2023. Cópia arquivada em 4 de setembro de 2022 
  6. Braun, Julia (14 de fevereiro de 2022). «Como o conservador Putin tenta se tornar 'herdeiro' de Stalin». BBC Brasil. Consultado em 22 de janeiro de 2023 
  7. Laruelle, Marlene (4 de setembro de 2016). «The Izborsky Club, or the New Conservative Avant-Garde in Russia». The Russian Review (em inglês). 75 (4): 626–644. ISSN 0036-0341. doi:10.1111/russ.12106 
  8. Hamburg, G. M. (1 de dezembro de 2006). «Richard Pipes. Russian Conservatism and Its Critics: A Study in Political Culture». Yale University Press. The American Historical Review (em inglês). 111 (3): 1630–1631. ISSN 0002-8762. doi:10.1086/ahr.111.5.1630 
  9. Pipes, Richard (março de 1971). «Russian Conservatism in the Second Half of the Nineteenth Century». Slavic Review (em inglês). 30 (1): 121–128. ISSN 0037-6779. doi:10.2307/2493447. Cópia arquivada (PDF) em 16 de fevereiro de 2020 
  10. «From Totalitarianism to Welfare Authoritarianism». Princeton University Press. Ruling Russia (em inglês): 130–163. 2016. ISBN 9781400880836. doi:10.2307/j.ctv7h0s0n.9 
  11. Sakwa, Richard (13 de setembro de 2013). Power and Policy in Putin's Russia (em inglês). [S.l.: s.n.] ISBN 9781315876184. doi:10.4324/9781315876184 
  12. "Kremlin-Backed Opposition Party Foundering as Elections Loom". The Washington Post (em inglês). 27 de março de 2018. Arquivado do original em 27 de março de 2018. Consultado em 21 de janeiro de 2023.
  13. Gel’man, Vladimir (2014). «Trajectories of Russian Politics: An Interpretation». Macmillan Education UK. Developments in Russian Politics (em inglês). 8: 247–263. ISBN 9781137392138. doi:10.1007/978-1-137-39215-2_15 
  14. «Большинство тех, кто голосовал против ПЖиВ, не читали Навального, не ужасались происшествию на Ленинском проспекте. У каждого из них случился какой-то свой персональный Ленинский проспект». Новая газета (em russo). 10 de junho de 2011. Consultado em 21 de janeiro de 2023 
  15. Osborn, Andrew (10 de dezembro de 2011). "Bloggers who are changing the face of Russia as the Snow Revolution takes hold". The Telegraph (em inglês). Consultado em 21 de janeiro de 2023.
  16. Bennetts, Marc (4 de abril de 2016). «Vladimir Putin, Patriarch Kirill alliance puts atheists at risk in Russia». The Washington Times (em inglês). Consultado em 21 de janeiro de 2023 
  17. Mendras, Marie (1 de novembro de 2017). «The future is history: how totalitarianism reclaimed Russia». International Affairs (em inglês). 93 (6): 1489–1491. ISSN 0020-5850. doi:10.1093/ia/iix209