Crime do desembargador Pontes Visgueiro

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Crime do desembargador Pontes Visgueiro
Local do crime São Luís (Maranhão)
Data 14 de agosto de 1873
Tipo de crime Homicídio (feminicídio).
Arma(s) punhal
Vítimas Maria da Conceição
Réu(s) José Candido de Campos Visgueiro
Advogado de defesa Franklin Dória
Promotor Francisco Baltasar da Silveira
Juiz Joaquim Marcelino de Brito
Local do julgamento Rio de Janeiro
Situação Réu condenado a prisão perpétua com trabalhos forçados pelo Supremo Tribunal de Justiça em 13 de maio de 1874. Faleceu durante o cumprimento da pena em 24 de março de 1875.

O Crime do desembargador Pontes Visgueiro foi pelo qual ficou conhecido o assassinato cometido em 14 de agosto de 1873 em São Luís pelo desembargador Pontes Visgueiro contra a jovem Maria da Conceição, com a qual supostamente mantinha um caso amoroso. O crime, cometido por um membro do poder judiciário escandalizou a sociedade ludovicense por conta da classe social e diferença de idade dos envolvidos (Visgueiro possuía sessenta e um anos quando conheceu Maria, de dezesseis).[1][2][3][4]

História[editar | editar código-fonte]

Vítima[editar | editar código-fonte]

Maria da Conceição (c. 1858-1873) era uma jovem pobre que vivia a pedir esmolas e acabou forçada pela mãe a se prostituir nas ruas de São Luís até ser encontrada em junho de 1872 pelo desembargador Pontes Visgueiro (1811-1875), que passou a nutrir uma paixão obsessiva pela jovem. Em pouco tempo, instalou-a em sua casa e passou a corteja-la, ofertando lhe roupas e outros confortos financeiros embora a jovem não lhe nutrisse nada além de compaixão e certa indiferença. Segundo uma testemunha do processo, ainda assim Maria e Visgueiro mantinham um caso amoroso.[3][5]

Assassino[editar | editar código-fonte]

José Cândido de Campos Visgueiro nasceu em Maceió em 13 de outubro de 1811. Nos primeiros anos de vida foi acometido de enfermidade que lhe afetou a fala e a audição. Após tratamento médico, recobrou esses sentidos e em idade adulta ingressou na Academia de Direito de Olinda. Em meio ao segundo ano de bacharelado foi transferido por sua família para a Academia de Direito de São Paulo, onde formou-se em 1834. Entre 1834 e 1848 foi juiz de direito em Maceió além de deputado provincial por Alagoas por dois mandatos (1838-1844). Em 1848 foi transferido pelo poder judiciário para o Piauí, onde permaneceu por nove anos até ser transferido para o Maranhão, onde foi nomeado desembargador, cargo que exerceu até o momento do crime. Por volta dos quarenta anos, sua surdez voltou a manifestar-se, obrigando o desembargador a utilizar um aparelho de audição.[6][3]

Antecedentes[editar | editar código-fonte]

O desembargador Visgueiro possuía fortes sentimentos de ciúme sobre Maria, causando vários episódios violentos dos quais se destacam[3]:

  • Em outubro de 1872 em meio aos festejos de Nossa Senhora dos Remédios, o desembargador tentou agredir um oficial do Exército Imperial que conversava animadamente com Maria. Posteriormente desculpou-se com o oficial;
  • Em 10 de agosto de 1873 Maria encontrava-se com o jovem estudante Joaquim Pinheiro da Costa quando foram surpreendidos pelo desembargador Visgueiro, que agrediu o jovem. Em meio a uma discussão com Maria, o jovem Costa fugiu.

Após o episódio com o jovem Costa, Maria deixou a casa do desembargador por medo e fugiu de São Luís temendo ser agredida.

O crime[editar | editar código-fonte]

Visgueiro conseguiu atrair Maria para São Luís, pedindo-lhe perdão pelo evento anterior com o jovem Costa. Maria, temendo algum intento de Visgueiro, só aceitou encontrar-se com o desembargador em companhia de uma amiga. O encontro foi marcado para às 13h de 14 de agosto de 1873. Durante o encontro, o desembargador Visgueiro apresentou-se calmo e amável enquanto servia doces para Maria. Posteriormente a amiga de Maria foi dispensada. Visgueiro convidou Maria para o quarto. Ao adentrar o quarto do desembargador, ela foi agarrada por Guilhermino (empregado de Visgueiro) e foi amordaçada enquanto Visgueiro lhe dopava com clorofórmio. Visgueiro dispensou Guilhermino e colocou Maria desacordada em sua cama. Após certificar-se de que se encontrava à sós com Maria, apunhalou seu corpo dezenas de vezes, cortou-lhe o pescoço e mordeu seu corpo em várias partes. Posteriormente o corpo foi colocado em um caixão de zinco (encomendado por Visgueiro ao ourives Amâncio José da Paixão Cearense). Como o caixão era pequeno para o corpo, Visgueiro decepou a cabeça e esquartejou parcialmente o corpo, cobrindo o com cal. [3][6][7]

Prisão, julgamento e condenação[editar | editar código-fonte]

O desaparecimento de Maria foi notado por sua mãe. Ela foi várias vezes até a casa do desembargador, que deu várias versões até informar que Maria havia partido em um navio para o Pará. Após consultar as listas de passageiros e não encontrar o nome de Maria como passageira em nenhum navio, a mãe de Maria procurou a polícia em 16 de agosto para acusar o desembargador Visgueiro de ter feito algo contra sua filha. A polícia procurou o desembargador e pediu para vistoriar sua residência. Visgueiro permitiu enquanto anunciou que faria um passeio até o bairro do Cutim. Enquanto Visgueiro partiu para o Cutim, a polícia vasculhou a casa do desembargador durante o dia 16 quando descobriu uma porção de terra recém recoberta no quintal. Ao escavarem, os policiais encontraram o caixão de zinco, do qual escorria pelas frestas um líquido mais tarde identificado como sangue. O caixão foi levado para a Santa Casa onde, aberto, foi encontrado o corpo mutilado de Maria. Enquanto isso a polícia encontrou o desembargador Visgueiro voltando a sua casa, onde foi convidado a prestar esclarecimentos no gabinete de polícia. A notícia da prisão do desembargador e os detalhes do crime chegaram ao povo de São Luís que dirigiu-se até a casa de Visgueiro. A casa foi apedrejada e a polícia teve de dispersar a multidão que desejava lincha-lo.[8]

A prisão do desembargador não pôde ser realizada de imediato, por conta de sua posição. Assim, as autoridades tiveram de pedir autorização ao Supremo Tribunal de Justiça para a prisão ser efetuada. Ainda assim, a polícia prendeu o ourives Amâncio José da Paixão Cearense e o empregado Guilhermino de Souza Borges como cúmplices do crime. Em 30 de dezembro de 1873 Cearense e Borges foram condenados por cumplicidade com o desembargador Visgueiro e receberam penas de oito anos com trabalhos forçados.[9][10]

O desembargador Pontes Visgueiro foi preso e transportado no vapor Paraná para julgamento no Rio de Janeiro. Visgueiro foi defendido pelo advogado Franklin Dória enquanto a acusação coube ao procurador da Coroa Francisco Baltasar da Silveira. A estratégia da defesa foi alegar insanidade mental.[11]

Em 13 de maio de 1874 o juiz declarou Visgueiro culpado do homicídio de Maria da Conceição, com base no artigo 193 do código penal vigente, sendo condenado a prisão perpétua com trabalhos forçados na Casa de Correção da Corte, no Rio de Janeiro.[12]

Durante uma visita do Ministro da Justiça Manuel Antônio Duarte de Azevedo a Casa de Correção da Corte, o ex-desembargador apresentou uma demanda para o ministro, exigindo ser atendido. Após ouvir a recusa do ministro, Visgueiro exclamou: “Os magistrados são vitalícios e eu sou desembargador!” O ministro lhe respondeu apenas: "foi".[13] O ex-desembargador faleceu na Casa de Correção em 24 de março de 1875. Algum tempo depois surgiram relatos nunca comprovados de que ele havia fugido para a Europa.[14]

Na cultura popular[editar | editar código-fonte]

Literatura[editar | editar código-fonte]

  • Um erro judiciário: o caso Pontes Visgueiro, de Evaristo de Morais (1934)
  • Crimes e criminosos célebres, de Raimundo de Menezes (1962)
  • Casos Criminais Célebres, de René Ariel Dotti (1998)
  • Por trás da toga: crime, violência e corrupção do desembargador Pontes Visgueiro, de Eulálio de Oliveira Leandro (2000)
  • A paixão no banco dos réus, de Luiza Nagib Eluf (2002)
  • O crime do desembargador Pontes Visgueiro, de José Eulálio Figueiredo de Almeida (2018)[15]
  • Justiça infame: crime, escravidão e poder no Brasil imperial, de Yuri Costa (2019)

Referências

  1. Nila Michele Bastos Santos (10 de novembro de 2020). «Quando o passado e o presente se confundem, de novo! Que resultados esperamos? Não Existe Estupro Culposo!». O Pedreirense. Consultado em 27 de novembro de 2022 
  2. Juliana Lopes (3 de junho de 2022). «Paixão Condenada:Os sete casos mais antigos». Istoé Gente, edição 154/recuperado pelo Internet Archive. Consultado em 27 de novembro de 2022 
  3. a b c d e MENEZES, Raimundo de (1962). Crimes e criminosos célebres. [S.l.]: São Paulo (SP): Martins Fontes. pp. 48–55 
  4. Repórter Maranhão (21 de novembro de 2018). «Crime bárbaro do século XIX é tema de livro lançado em São Luís». EBC. Consultado em 18 de dezembro de 2022 
  5. ELUF, Luiza Nagib (2002). A paixão no banco dos réus. [S.l.]: Saraiva. p. 23. ISBN 9788502226135 
  6. a b Reginaldo Miranda (11 de março de 2020). «O Caso Pontes Visgueiro». Entretextos. Consultado em 27 de novembro de 2022 
  7. COSTA, Yuri (2019). Justiça infame: crime, escravidão e poder no Brasil imperial. [S.l.]: São Paulo:Alameda. 541 páginas. ISBN 9788579396236 
  8. Interior (27 de agosto de 1873). «Crime Horroroso». Diário de Pernambuco, ano XLIX, edição 196, página 1/republicado pela Biblioteca Nacional-Hemeroteca Digital Brasileira. Consultado em 27 de novembro de 2022 
  9. Ministério Público do Estado do Maranhão (2019). «O Caso Pontes Visgueiro: Atuação Eficiente do Promotor Martiniano Pereira» (PDF). Ministério Público do Estado do Maranhão: Fontes Para Sua História- Volume 2 Correspondência Ativa Dos Promotores Públicos Do Império/ Tomo 17 Introdução ao Ciclo 1872-1892 Ofícios de 1872 a 1875, páginas 20-24. Consultado em 24 de julho de 2022 
  10. «Processo Pontes Visgueiro». Diário do Maranhão, ano V, edição 127, página 1/republicado pela Biblioteca Nacional-Hemeroteca Digital Brasileira. 3 de janeiro de 1874. Consultado em 24 de dezembro de 2022 
  11. ELUF, Luiza Nagib (2002). A paixão no banco dos réus. [S.l.]: Saraiva. p. 26. ISBN 9788502226135 
  12. «Processo Pontes Visgueiro». Diário do Rio de Janeiro, ano 57, edição 135, página 2/republicado pela Biblioteca Nacional-Hemeroteca Digital Brasileira. 17 de maio de 1874. Consultado em 24 de dezembro de 2022 
  13. Franklin Dória. «O Caso Pontes Visgueiro». OAB-SP. Consultado em 27 de novembro de 2022 
  14. ELUF, Luiza Nagib (2002). A paixão no banco dos réus. [S.l.]: Saraiva. p. 31. ISBN 9788502226135 
  15. Samartony Martins (25 de Novembro de 2018). «Caso de feminicídio que abalou São Luís no século XIX vira livro». O Imparcial. Consultado em 18 de dezembro de 2022