Dicionário de Bolso (Oswald de Andrade)

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Dicionário de Bolso é uma reunião de verbetes escritos por Oswald de Andrade e organizados por Maria Eugênia Boaventura, especialista na obra do autor modernista. Em realidade, o livro nunca foi acabado pelo autor, que não lhe deu sequer um título; a organizadora cotejou seis manuscritos originais do escritor com essas definições de dicionário[1] e propôs um título para o conjunto, inspirado numa outra obra de Oswald: Serafim Ponte Grande.[2] O Dicionário foi recentemente reeditado pela Editora Globo.

O gênero e as influências[editar | editar código-fonte]

O Dicionário de Bolso pode ser visto como uma versão satírica de obras "meio-dicionário", "meio-enciclopédia", como o Dicionário filosófico, de Voltaire. Maria Eugênia Boaventura diz, em sua introdução:

A concepção deste Dicionário teve evidentemente vários modelos dentro da tradição ocidental. Voltaire, Bierce, Strindberg etc. Oswald definiu alguns nomes encontrados no Dicionário filosófico do pensador francês: José, Moisés, Pedro, Salomão. No Ambroise Bierce, do Dicionário do diabo (cujo título original é The Cynic's Word Book) deparou-se com a crítica aos costumes contemporâneos feitos através de uma forma especial de humor negro e de definições aforísticas e epigramáticas. Como o Pequeno catecismo para o uso da classe inferior, de Augusto Strindberg, montado em cima da troça, da paródia e permeado de afirmações veementes, o texto aqui apresentado surpreende a imaginação do leitor pelos argumentos fortes, ao invés de convencer pela articulação de uma lógica irrefutável[3].

Os Verbetes[editar | editar código-fonte]

Como o dicionário do romance Serafim Ponte Grande, a maior parte dos verbetes (com exceção de três: Gigante de Pedra, Bandeirante e Proletário) são de personalidades reais ou fictícias, escritos com a típica verve satírica do autor, com grande economia de palavras, como por exemplo, o relativo a Cabral: "Cabral - o culpado de tudo"[4] ou a Inácio de Loyola: "Loyola - má companhia de Jesus"[5]. Muitos personagens são da ficção ou da história mundial, mas muitos também da história brasileira recente[6]. Escrito numa época em que o autor estava ligado ao comunismo, os verbetes refletem, muitas vezes, a simpatia do autor pelos líderes do movimento e seu repúdio à burguesia e à religião[7]. Ainda que em muitos momentos o autor assuma um tom panfletário, que pode comprometer, às vezes, o humor da obra, a maior parte dos verbetes ainda continua interessante e representativo da escrita de Oswald de Andrade[8].

Referências

  1. Ver a introdução da organizadora: BOAVENTURA, Maria Eugênia. Um dicionarista antropófago. In ANDRADE, Oswald de. Dicionário de bolso. 2a. Edição. São Paulo: Editora Globo, 2007.
  2. Neste romance, o protagonista tem um secretário que anda com uma agenda na qual anota o nome das pessoas que conhece, seguida de uma definição, a fim de não confundir ninguém. ANDRADE, Oswald de. Serafim Ponte Grande. São Paulo: Editora Globo, 1984.
  3. Op. cit., p. 12
  4. ANDRADE, Oswald de. Dicionário de bolso. 2a. Edição. São Paulo: Editora Globo, 2007. p. 52
  5. Idem, p. 53
  6. Incluindo personalidades que eram próximas ao autor, como Menotti del Picchia e Guilherme de Almeida Para os verbetes destes, ver: Op. cit, p. 74-75
  7. Sintomática é a definição de Stálin: "O camarada Stálin - ponte de aço conduzindo a humanidade ao futuro." Idem, p.66
  8. "E muito embora o sopro lúdico da galhofa entre muitas vezes em pane, sacrificado pela luta ideológica, a chispa do chiste sempre reluz na forma sucinta deste texto [...]" - Benedito Nunes, na resenha da capa da mencionada edição; Op. cit..

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • BOAVENTURA, Maria Eugênia. A vanguarda antropofágica. São Paulo: Ática, 1983.
  • BRITO, Mário da Silva. Ângulo e Horizonte. De Oswald de Andrade à ficção científica. São Paulo, Martins, 1969.
  • BRITO, Mário da Silva. As metamorfoses de Oswald de Andrade. São Paulo: Conselho Estadual de Cultura, 1972.
  • CAMPOS, Haroldo de (ed. e intr.). Oswald de Andrade. Trechos escolhidos. Rio de Janeiro: Agir, 1967. Nossos Clássicos 90.
  • ELEUTÉRIO, Maria de Lourdes. Oswald. Itinerário literário de um homem sem profissão. Campinas: Editora da Unicamp, 1989.
  • SCHWARTZ, Jorge (ed.). Oswald de Andrade. São Paulo: Abril Educação, 1982. Literatura comentada.
  • TELLES, Gilberto Mendonça et al. Oswald Plural. Rio de Janeiro: Editora da UERJ, 1995.