Ermanno Stradelli

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Ermanno Stradelli
Ermanno Stradelli
Stradelli
Nascimento 8 de dezembro de 1852
Borgo Val di Taro, Parma
Morte 21 de março de 1926 (73 anos)
Manaus, AM
Nacionalidade italiano
brasileiro
Principais trabalhos Dicionário de Nheengatu

Ermanno Stradelli (Borgo Val di Taro, 8 de dezembro de 1852Manaus, 21 de março de 1926) foi um conde, folclorista, explorador, fotógrafo e etnógrafo ítalo-brasileiro.[1]

Stradelli realizou expedições à Amazônia, recolhendo relatos de mitos dos povos indígenas, dentre os quais os uananas.[2] Estes relatos foram publicados em 1890 em boletim da Società Geographica Italiana.[1]

Sua vida foi publicada em livro por Luís da Câmara Cascudo, intitulado Em Memória de Stradelli,[1] onde o autor principia se queixando da falta de dados então encontrada: "Quase nada se sabia dele. Morrera em 1926 e seu nome se diluíra na sombra, como uma inutilidade. Raras citações. Raríssimos informadores. Percentagem altíssima em erros, enganos, omissões”; o livro foi publicado em 1936.[3]

Juventude[editar | editar código-fonte]

Era o primogênito de uma família nobre originária da Região da Lombardia e passou a infância na residência senhorial da família, o castelo de Borgotaro.[3] Estudou direito na Universidade de Pisa, e parecia destinado a uma respeitável carreira de advogado. Porém, apaixonado pela poesia e pelas viagens, decidiu, logo depois da morte do pai, e apesar da resistência da família, tornar-se explorador.[4]

Seduzido pelos mistérios da floresta amazônica, aos 27 anos de idade decidiu viajar para o Brasil, depois de ter conseguido o patrocínio moral da Società Geografica Italiana. Começou a estudar, como autodidata, geografia, topografia, geologia, botânica, farmácia (com uma predileção pela homeopatia) e as técnicas da fotografia.[4]

As expedições na bacia amazônica[editar | editar código-fonte]

Chegou a Manaus em 1879, e passou alguns meses junto aos missionários franciscanos para aperfeiçoar o português.[4]

Em 1880 viajou pelo rio Purus e seus afluentes; depois, subiu o rio Amazonas até Fonte Boa e Loreto. Nesta expedição encontrou o conde Alessandro Sabatini, que lhe transmitiu a paixão pela língua nheengatu. No rio Juruá assistiu à extração do látex e estudou de perto o trabalho dos seringueiros. Acometido pela malária, voltou a Manaus para se restabelecer.[4]

Em 1881 navegou no rio Uaupés, e conheceu os estudiosos João Barbosa Rodrigues, Antônio Brandão de Amorim e Maximiano José Roberto, que faziam pesquisa etnográfica na região. Interessado pela cultura dos índios tarianas e tucanos, Stradelli começou a estudar os idiomas e a tradição oral destas tribos.[4]

Índios e caboclos às margens do Jauaperi, em foto de Stradelli

Em 1882 participou da comissão brasileira para as fronteiras com a Venezuela e percorreu o rio Padauiri. Logo depois voltou a navegar no rio Uaupés, subindo-o até a cachoeira de Iauaretê. Percorreu o rio Apapóris, até que nova crise de malária o obrigou a parar.[4]

Em 1883 passou uma temporada em Itacoatiara, onde começou a organizar seus registros de viagem e as muitas definições das palavras em nheengatu que tinha coletado, com o objetivo de realizar um dicionário. Colaborou com João Barbosa Rodrigues na fundação do Museu Botânico de Manaus.[4] Apesar de suas precárias condições físicas, em 1884 aceitou o convite para participar da expedição de pacificação dos índios waimiris-atroaris do rio Jauaperi, comandada por Rodrigues.

Volta à Itália[editar | editar código-fonte]

Em 1884 voltou à Itália para terminar os estudos universitários e começou a advogar em Gênova. Em 1885 publicou pela Vincenzo Porta Libraio-Editore, os livros Eiara: Leggenda Tupi-Guarani e La Confederazione dei Tamoi. Poema épico, a tradução da obra de Gonçalves de Magalhães.[5] Em 1886 participou do VI Congresso Internacional de Americanistas em Turim.[4]

Retorno e últimos anos[editar | editar código-fonte]

Canoas retratadas pelo Conde
Índias, na lente de Stradelli

Stradelli tinha o forte desejo de voltar para a Amazônia, e junto com um amigo decidiu ir em busca da nascente do rio Orinoco. Em 1887 chegou à Venezuela para tentar localizar a nascente do rio, sem obter êxito.[6]

Em 4 de março de 1889 escreveu à Sociedade Geográfica de seu país: "Sou fotógrafo e minha primeira obrigação é para com o público pagante. Assim é o mundo" e, completou: "Como, por enquanto, sou fotógrafo, ao invés de relatórios, envio-lhes fotografias".[3]

Em 1890 e 1891 voltou pela terceira e última vez a viajar pelo rio Uaupés, deixando detalhadas descrições da natureza, dos homens e dos costumes da região.[4]

Em 1893 naturalizou-se brasileiro e entrou na magistratura. Foi nomeado promotor público e prestou serviço primeiro em Manaus e depois em Lábrea, no rio Purus. Neste período organizou as anotações recolhidas durante suas viagens e revisou os inúmeros verbetes do vocabulário nheengatu, sua obra mais trabalhosa e ambiciosa, que veio a se tornar sua maior contribuição científica.[4][6]

Em 1897, para combater o monopólio anglo-americano na extração do látex e no comércio da borracha, retornou à Itália para propor negócio ao industrial Giovanni Battista Pirelli, que não aceitou.[4]

Em 1901 fez uma última viagem à Itália, proferindo uma conferência para a Sociedade Geográfica Italiana. Em 1912 foi transferido para Tefé. Em 1923 foi exonerado do cargo na promotoria devido a ter adquirido hanseníase;[6] ele ainda tentou retornar para seu país natal, mas a única empresa de navegação que fazia o trajeto recusou-se a embarcá-lo, por conta da doença.[3] Internou-se voluntariamente[3] no leprosário de Umirizal, em Manaus.[7] Morreu numa pequena cabana, "generoso com seus companheiros de infortúnio e cercado de mapas, manuscritos e lembranças".[8] Ali conhecera uma filha de ex-escravos, Nininha, que lhe ensinara as palavras nheengatu, a língua manauara original - o que lhe permitiu escrever seu dicionário.[3]

Legado[editar | editar código-fonte]

Reprodução feita por Stradelli de inscrições rupestres no rio Uaupés

Além das fotografias que registram momentos históricos do norte brasileiro e suas gentes, os escritos dispersos de Stradelli deixaram um legado que vai desde um poema sobre Ajuricaba (líder guerreiro da tribo dos Manaós), um vocabulário tucano, um dicionário nheengatu, mapas do Amazonas e o registro de muitos dos mitos indígenas; entre eles, uma imagem da figura mítica Jurupari como herói que levava a civilização aos nativos - criador de normas e usos que eram transmitidos oralmente - e afastando a ideia de que era o diabo que os missionários católicos tinham criado.[3]

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

Artigos publicados de autoria de Stradelli:

  • 1876, Una gita a Rocca d'Olgisio, Tipografia V. Porta, Piacenza
  • 1877, Tempo sciupato, Tipografia Marchesotti
  • 1885, La confederazione dei Tamoi (tradução para o italiano da obra de Magalhães), Tipografia V. Porta, Piacenza
  • 1890, Il Vaupes e gli Vaupes. Boletim da Società Geografica Italiana, 3a. serie, vol. 3, 425-453. (Download)
  • 1898, Ajuricaba, poema publicado no jornal brasileiro "O Correio do Purus"
  • 1900, Due legende amazzoniche, Tipografia V. Porta, Piacenza
  • 1900, Pitiapo, editora desconhecida
  • 1910, Vocabulários de Línguas Faladas no Rio Branco, in Relatório Geral do Congresso Cientifico Latino-americano. Vol. VI, Rio de Janeiro
  • 1928, Vocabulário Nheengatu-Português e Português-Nheengatu, Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro

Homenagens e lembranças[editar | editar código-fonte]

Além do livro Em memória de Stradelli de Câmara Cascudo, publicado pelo governo do estado do Amazonas, sua vida rendeu em 2013 um filme de 50 minutos pelo cineasta italiano Andreas Palladino, intitulado “Ermanno Stradelli: O Filho da Cobra Grande” - sobre a figura ainda lembrada pelos velhos xamãs da floresta que chamavam de o filho da Cobra-Grande.[3] O filme se baseia nos diários do italiano, e tem por narradora a companheira de leprosário Nininha.[3]

A 11 de abril daquele ano, no Memorial da América Latina situado em São Paulo, foi realizada uma jornada de estudos sobre o conde, contando com a presença do cônsul-geral italiano Mauro Marsili, de Attilio De Gasperis diretor do Istituto Italiano di Cultura e de Franco Salvatori, que presidia a Società Geografica Italiana, além de especialistas italianos e brasileiros como Sérgio Medeiros, Nadia Fusco, Ettore Finazzi Agró, Aniello Angelo Avella, Selda Vale da Costa e José Ribamar Bessa Freire.[3] Além disso, haveria a primeira exibição do filme e uma mostra de suas fotografias, intitulada A Amazônia de Ermanno Stradelli. Rio, Povos e Lendas sob o Olhar de um Explorador Italiano.[9]

Em 6 de outubro de 2016 Stradelli foi novamente homenageado com o lançamento da obra A Única Vida Possível: Itinerários de Ermanno Stradelli na Amazônia de Livia Raponi (org) pela Edunesp, em memória dos 90 anos de seu falecimento; a obra teve patrocínio da Società Geografica Italiana e colaboração da Casa Mario de Andrade e da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo.[10]

Referências bibliográficas[editar | editar código-fonte]

  • BERNARDINI, Aurora Fornoni. Introdução. In STRADELLI, Ermanno. Lendas e notas de viagem – A Amazônia de Ermanno Stradelli. São Paulo: Martins, 2009
  • FONTANA, Riccardo. A Amazônia de Ermanno Stradelli. Brasília, 2006
  • MELGUEIRO, Edilson Martins. O Nheengatu de Stradelli aos dias atuais: uma contribuição aos estudos lexicais de línguas Tupí-Guaraní em perspectiva diacrônica. 2022. 984 f., il. Tese (Doutorado em Linguística) — Universidade de Brasília, Brasília, 2022.
  • NAVARRO, Eduardo de Almeida. O Conde Italiano Ermanno Stradelli: um mestre do nheengatu no século XX
  • STRADELLI, Ermanno. Lendas e notas de viagem – A Amazônia de Ermanno Stradelli. São Paulo: Martins, 2009
  • TACCA, Fernando de. O índio na fotografia brasileira: incursões sobre a imagem e o meio. História, ciências, saúde – Manguinhos – Vol. 18, nº 1, p. 191-223. Rio de Janeiro, 2011

Referências

  1. a b c Aurora Fornoni Bernardini (2004). «Relato de um projeto de pesquisa: da Lenda de Jurupari aos Boletins Italianos do Conde Ermanno Stradelli». Revista de italianística, IX 
  2. Oswaldo M. Ravagnani (1993). «Lenda dos Taria (tradução)». Perspectivas: Revista de Ciências. Consultado em 26 de março de 2016 
  3. a b c d e f g h i j José Ribamar Bessa Freire (7 de abril de 2013). «Stradelli: as vozes da floresta». Diário do Amazonas (transcrição pelo autor). Consultado em 28 de março de 2016 
  4. a b c d e f g h i j k s/a (5 de abril de 2013). «Ermanno Stradelli (1852-1926)». Fundação Memorial da América Latina. Consultado em 28 de março de 2016. Arquivado do original em 9 de abril de 2016 
  5. Vera Lucia Bianco (1995). «Imaginários Coloniais entre Brasil e Itália. Entre 1860 e 1890» (PDF). Universidade Federal de Santa Catarina. Consultado em 29 de março de 2016 
  6. a b c s/a (s/d). «Ermanno Stradelli - Um conde italiano transformado em mito». O Índio na Fotografia Brasileira. Consultado em 29 de março de 2016 
  7. «Umirizal, Manaus, Amazonas». Fiocruz 
  8. MANERA, 1999 apud BERNADINI, 2009, p. 42
  9. Institucional (1 de abril de 2013). «Mostra traz Stradelli, um conde italiano na Amazônia». Site oficial do Memorial. Consultado em 28 de março de 2016 
  10. Institucional (6 de outubro de 2016). «Omaggio a Ermanno Stradelli Presentazione del libro "A única vida possível. Itinerários de Ermanno Stradelli na Amazônia", Livia Raponi (org) – Ed. Unesp, 2016». Istituto Italiano di Cultura. Consultado em 10 de outubro de 2016  (em italiano)

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

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