Estado mafioso

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Um Estado mafioso ou Estado-máfia é um sistema de estado onde o governo está vinculado com o crime organizado, inclusive quando autoridades governamentais, policiais e/ou militares participam de negócios ilícitos.[1] O termo máfia é uma referência para todos os grupos do crime organizado fortemente relacionados com as autoridades.

De acordo com os críticos do conceito de estado mafioso, o termo "foi agora tão usado e abusado nas descrições popularizadas de atividade criminosa organizada que perdeu muito do seu valor analítico".[2]

Aplicações particulares do conceito[editar | editar código-fonte]

Repúblicas e territórios da antiga Iugoslávia[editar | editar código-fonte]

A província separatista da Sérvia, o Kosovo, tem sido chamado de "Estado mafioso" pelo deputado italiano Pino Arlacchi em 2011,[3] e também por Moisés Naím em seu ensaio de 2012 “Mafia States” em Foreign Affairs. Naím destacou que o primeiro-ministro do Kosovo, Hashim Thaçi, está supostamente ligado ao tráfico de heroína. Muitas outras alegações de crimes foram feitas, e investigadas por vários países, contra Thaçi.

Moisés Naím também rotulou Montenegro como "Estado mafioso", no mesmo ensaio,[4] descrevendo-o como um centro para o contrabando de cigarros.[2]

Transnístria[editar | editar código-fonte]

O território separatista não reconhecido da Moldávia, a Transnístria, tem sido descrito por jornalistas, pesquisadores, políticos e diplomatas como um quase-Estado cuja economia é dependente de contrabando[5] e tráfico de armas[6][7][8] - de forma semelhante ao Kosovo.

Por exemplo, em 2002 o presidente da Moldávia, Vladimir Voronin chamou a Transnístria uma "residência da máfia internacional", "baluarte do contrabando" e "base de apoio de combatentes islâmicos". As alegações foram seguidas por tentativas de bloqueio aduaneiro. Reagindo às acusações, a estatal russa RTR exibiu um programa investigativo revelando que as empresas da Transnístria conduziam fabricação em nível industrial de armas pequenas propositadamente para o tráfico ilegal posterior via porto ucraniano de Odessa. De acordo com o programa, o comércio era controlado e beneficiava o fundador da Transnístria e o então governante, Igor Smirnov.[9]

Itália e Japão[editar | editar código-fonte]

Historicamente, a Itália foi o berço da máfia, uma das formas mais lendárias do crime organizado. Em uma análise crítica do ensaio de Moisés Naím em Foreign Affairs, Peter Andreas apontou para a longa existência da máfia italiana e Yakuza japonesa, citando as relações estreitas entre as organizações ilícitas e os respectivos governos.[2] De acordo com Andreas, estes exemplos falam contra a incidência de estados mafiosos como uma nova ameaça histórica.[2]

Rússia[editar | editar código-fonte]

O termo tem sido usado por alguns meios de comunicação ocidentais para descrever o sistema político da Rússia sob o governo de Vladimir Putin.[10][11][12] Esta caracterização ganhou destaque após os vazamentos de telegramas diplomáticos dos Estados Unidos, que revelaram que os diplomatas estadunidenses viam a Rússia como "uma cleptocracia, corrupta, autocrática, centrada na liderança de Vladimir Putin, em que oficiais, oligarcas e o crime organizado estão unidos para criar um "estado mafioso virtual.'"[13][14] O jornalista e autor Luke Harding afirma que Putin "criou um estado povoado por ex-oficiais da KGB e do FSB, como ele próprio, [que estão] empenhados em ganhar dinheiro acima de tudo".[15] Na opinião de diplomatas estadunidenses "o governo [da Rússia] efetivamente [é] a máfia".[16][17][18]

De acordo com o New Statesman, "o termo entrou no léxico de discussões de especialistas" vários anos antes dos vazamentos de telegramas, "e não como uma metáfora frívola. Aqueles mais familiarizados com o país chegaram a vê-lo como uma cleptocracia com Vladimir Putin no papel de capo di tutti capi, dividindo os despojos e prevenindo guerras territoriais entre clãs rivais de uma elite essencialmente criminosa".[19] Em 2008, Stephen Blank observou que a Rússia sob Putin é "um estado que oficiais europeus chamam privadamente de um estado máfia "que" naturalmente gravita em direção a um comportamento mafioso".[20]

Nikolay Petrov, um analista do Centro Carnegie de Moscou, disse que "é muito difícil de prejudicar a imagem da Rússia no mundo, porque ela já não é muito boa".[21]

O prefeito de Londres, Boris Johnson, escrevendo em 2013 para The Telegraph, apontou para "uma farsa, uma conspiração criminosa gigantesca pela qual a polícia russa e agentes fiscais são coniventes com o poder judiciário e a máfia para roubar milhões do Estado russo", referindo-se ao assassinato e julgamento posterior de um informante russo Sergei Magnitsky.[22]

Brasil[editar | editar código-fonte]

Enquanto os meios de comunicação e trabalhos acadêmicos têm utilizado a noção de Estado miliciano para descrever a presença crescente de "grupos armados sob patrocínio estatal"[23] em estados brasileiros, a exemplo do Rio de Janeiro, a ascensão de Jair Bolsonaro à Presidência da República em 2019 direcionou a atenção pública para os vínculos pessoais e profissionais entre o Presidente e seus filhos com pessoas associadas a milícias[24], assim como para o aumento expressivo da participação de militares em cargos de natureza civil no Executivo Federal[25].

O conceito de Estado miliciano diz respeito ao controle político exercido através da ameaça e uso constantes das armas[26], e seu emprego para o caso brasileiro se apoia na ampliação exponencial do uso da violência como instrumento político, da ordem de 335% entre 2019 e 2022[27].

O assassinato da então vereadora pelo PSOL Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes no Rio de Janeiro em 14 de março de 2018 é emblemático nesse sentido, à medida que as investigações buscam definir se houve participação dos ex-policiais militares Élcio de Queiroz e Ronnie Lessa no crime[28]. Enquanto o primeiro suspeito frequentava o condomínio Vivendas da Barra[29], no qual residia Jair Bolsonaro, o segundo afirmou ter recebido ajuda ocasional do Presidente[30].

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências[editar | editar código-fonte]

  1. Mafia States: Organized Crime Takes Office by Moisés Naím.
  2. a b c d Andreas, Peter (1 de julho de 2012). «Measuring the Mafia-State Menace: Are Government-Backed Gangs a Grave New Threat?». Foreignaffairs.com 
  3. «Kosovo is "mafia state", says Italian MEP». B92.net. Arquivado do original em 29 de novembro de 2014 
  4. Andreas, Peter (1 de julho de 2012). «Measuring the Mafia-State Menace». Foreignaffairs.com 
  5. «An illegal business that's smoking». Business New Europe. 18 de abril de 2012. Arquivado do original em 29 de março de 2014 
  6. «Ющенко: Украина недополучает из-за контрабанды из Приднестровья». Korrespondent. 23 de março de 2006 
  7. «Hotbed of weapons deals». The Washington Times. 18 de janeiro de 2004 
  8. СВИРИДЕНКО, АЛЕКСАНДР; НЕПРЯХИНА, НАТАЛИЯ (10 de março de 2006). «Приднестровье самоизолировалось». Kommersant-Ukraine 
  9. Bulavchenko, Aliona (8 de fevereiro de 2002). «ДНЕСТРОВСКИЕ ПОРОГИ». Zerkalo Nedeli (em (em russo)) 
  10. Putin's Russia 'now a mafia state', BBC
  11. Wikileaks: Russia branded 'mafia state' in cables, BBC
  12. British MPs paint scary picture of Putin's Russia, EUObserver
  13. WikiLeaks cables condemn Russia as 'mafia state', The Guardian
  14. 'Mafia state' leader Putin knew of poison plot that killed former KGB spy in London, Daily Mail
  15. Expelled Moscow correspondent claims Russia is mafia state, abc.net.au
  16. Below Surface, U.S. Has Dim View of Putin and Russia, The New York Times
  17. Russia - Mafia State: It's important to tell the truth about Putin's Russia, CNN
  18. Stephen Holmes, Fragments of a Defunct State, London Review of Books
  19. Review: Mafia State, New Statesman
  20. Stephen Blank (2008): What Comes After the Russo–Georgian War? What's at Stake in the CIS, American Foreign Policy Interests, 30:6, 379-391
  21. Russia’s “mafia state” image no disaster, euronews
  22. Johnson, Boris (11 de março de 2013). «Justice is put to the sword by Moscow's greed and corruption». The Telegraph 
  23. «O poder paralelo | José Casado». VEJA. Consultado em 8 de outubro de 2022 
  24. «Estado miliciano: a consolidação da ideologia - Le Monde Diplomatique». diplomatique.org.br. Consultado em 8 de outubro de 2022 
  25. «Presença de militares em cargos civis dispara sob Bolsonaro, revela estudo». VEJA. Consultado em 8 de outubro de 2022 
  26. Gasda, Élio (15 de janeiro de 2020). «Os mortos não são números: Gerenciamento político da morte em tempos de pandemia. Annales Faje, v. 5, n. 4, p. 40-49, 2020.». Annales FAJE. 5 (4): 44 
  27. «Com 214 casos em 2022, violência política cresceu 335% no Brasil em três anos». G1. Consultado em 8 de outubro de 2022 
  28. «Assassinato de Marielle Franco completa quatro anos sem que se conheça mandante do crime». Valor Econômico. Consultado em 8 de outubro de 2022 
  29. «Caso Marielle: Élcio de Queiroz visitou condomínio de Bolsonaro 12 vezes». Poder360. Consultado em 8 de outubro de 2022 
  30. Dia, O. (4 de março de 2022). «Ronnie Lessa diz em entrevista que recebeu ajuda do presidente Bolsonaro em 2009 | Rio de Janeiro». O Dia. Consultado em 8 de outubro de 2022 

Bibliografia[editar | editar código-fonte]