Guitar (movimento musical)

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O Guitar foi um movimento musical do rock independente brasileiro, com início no final dos anos 80, que consistia em utilizar guitarras com distorção, microfonia, letras em inglês e voz nivelada com o restante dos instrumentos. As bandas deste movimento eram chamadas de guitar bands e são consideradas as precursoras do indie rock brasileiro. O movimento nunca foi tratado como um gênero musical, pelo fato de englobar derivações de diferentes estilos como o grunge, punk rock, funk rock, post-punk, shoegaze, power pop e outras variações do rock alternativo.

História[editar | editar código-fonte]

O Início[editar | editar código-fonte]

A banda do jornalista e escritor Fernando Naporano, Maria Angélica Não Mora Mais Aqui, foi a primeira guitar band a gravar um disco no país[1]. Outsider foi lançado em 1988 e gravado em 6 horas nos estúdios da gravadora Continental[2] em São Paulo. Em 1989 a banda lança Stroboscopic Cherries pelo selo Polytheme Pam.

Neste mesmo ano, dois ícones do movimento guitar surgiriam. Em um show de lançamento da revista Monga - A Mulher Gorila, no Madame Satã, o Pin Ups de Santo André (SP)[3]. Neste primeiro show, a banda era formada por Luiz Gustavo, Zé Antonio Algodoal, Alexandre Kail e André Benevides e já tocaria metade das músicas do seu primeiro álbum que seria lançado em dois anos. Enquanto isso, no Rio de Janeiro, um dos principais nomes do movimento, o Second Come, nasce após a dissolução da banda Eterno Grito e lança a demo "Violent Kiss".

A Ascensão[editar | editar código-fonte]

Pin Ups

Apesar de o Maria Angélica lançar o seu último trabalho no ano de 1990, o mini-LP Full Moon Depression, é a partir desde momento que começa o grande boom da cena guitar. Neste ano, o Pin Ups lança o seu primeiro disco "Time Will Burn", pela gravadora Stiletto, já com o baterista Marco Butcher. Antes do show de lançamento, se une à banda a baixista Alexandra Briganti. Ainda em 1990, esperando na fila do Projeto SP para o show da banda escocesa The Jesus and Mary Chain, o Pin Ups conhecem os rapazes da cultuada banda piracicabana Killing Chainsaw quando eles passam pela fila distribuindo fitas demo.

Second Come

Em 1992, o Pin Ups e o Killing Chainsaw lançam, respectivamente, os álbuns "Gash" e "Killing Chainsaw"[4] pelo selo Zoyd Discos. E os shows de lançamento acontecem no lendário Espaço Retrô na Santa Cecília, em São Paulo. No Rio de Janeiro, os músicos André X e Dado Villa-Lobos criam o selo Rock It! e convidam a banda carioca Second Come para gravar o seu primeiro disco[5], depois de lançarem três fitas demo de sucesso: "Violent Kiss", "Wade's Bed" e "I Ain't".

Bandas começam a aparecer em todo o território nacional, brincando de deus em Salvador (BA), Low Dream em Brasília (DF), PELVs, The Cigarettes e Beach Lizards no Rio de Janeiro (RJ), Dead Poets e Velouria em Fortaleza (CE), Mickey Junkies em Osasco (SP), Garage Fuzz em Santos (SP), Sonic Disruptor em Guarulhos (SP) todas gravando em estúdios onde os técnicos de som não estavam preparados para tal sonoridade. Por mais que muitas bandas independentes tivessem seu primeiro acesso aos selos e gravadoras, a grande maioria da produção destas bandas era escoada através de fitas demo com divulgação feita em fanzines como o Midsummer Madness do Rio de Janeiro (RJ) e o Noise & Flores de Santos (SP).

A mídia especializada, diferentemente como ocorria com as bandas independentes nos anos 80, decidiu criticar ferozmente o movimento afirmando que as bandas não sabiam compôr em inglês. Ainda assim, havia jornalistas que apoiavam o movimento, como Alex Antunes, André Barcinski, André Forastieri, Humberto Finatti, Kid Vinil e Marcel Plasse. Alex Antunes custeou as horas de estúdio da gravação do primeiro álbum do Killing Chainsaw, Kid Vinil produziu o álbum "Poppers" da banda Sonic Disruptor[6] e Marcel Plasse foi o idealizador da coletânea "No Major Babes"[7] que uniu grande parte das guitar bands juntamente com outras bandas do cenário independente do momento.

O Auge[editar | editar código-fonte]

O ápice do movimento guitar ocorreu entre 1993 e 1994, estrelando os festivais independentes Juntatribo [8](Campinas/SP), Festival BIG (Curitiba/PR) e o Belo Horizonte Rock Independente Festival - BHRIF[9] (Belo Horizonte/MG). Os seguintes álbuns foram gravados neste período:

Low Dream
  • Better When You Love (Me) - brincando de deus;
  • Between My Dreams And The Real Things[10] - Low Dream;
  • Brand New Dialog - Beach Lizards;
  • Peter Greenaway's Surf - PELVs;
  • Relax in Your Favorite Chair - Garage Fuzz;
  • Scrabby? - Pin Ups;
  • Slim Fast Formula - Killing Chainsaw;
  • Superkids, Superdrugs, Supergod & Strangers - Second Come.

A segunda edição do Juntatribo marca o início do fim do movimento[11]. Durante uma entrevista para a MTV, o vocalista e guitarrista do Second Come, Fábio Leopoldino, informa que a banda acabou. O festival apresentou ao público as bandas que tomariam o lugar das guitar bands: Planet Hemp e Raimundos.

Do Guitar ao Indie[editar | editar código-fonte]

Após anos de busca, os jornalistas encontram a sonoridade que eles podem chancelar[12]. A onda do momento era mesclar rock com ritmos brasileiros. Surge o Manguebeat com Chico Science & Nação Zumbi, Mundo Livre S/A., Mestre Ambrósio, Jorge Cabeleira[13]; o forrocore com os Raimundos e outras tentativas de crossover com identidade brasileira.

Até o final dos anos 90, bandas como Low Dream, Killing Chainsaw, brincando de deus, Mickey Junkies, Sonic Disruptor e Beach Lizards entram em hiato e as bandas que seguem têm menos espaços para apresentações. Casas como Retrô, Armageddon, Urbania, Der Tempel, Aeroanta, já haviam fechado as portas.

No início dos anos 2000 as bandas remanescentes do movimento abandonam o rótulo e passam a ser identificadas como indie rock.

Livros e documentários[editar | editar código-fonte]

O movimento guitar e suas bandas são relembrados em obras sobre o tema:

Guitar Days
  • "Cheguei bem a tempo de ver o palco desabar" mostra a visão do jornalista Ricardo Alexandre no momento do auge das bandas independentes nos anos 90[14];
  • "RCKNRLL - Outsiders viciados em música procurando confusão"[15] é um livro de Yuri Hermuche que descreve as brigas e confusões de bandas independentes, dentre elas os Pin Ups[16]. O livro foi lançado em 2015;
  • "Time Will Burn" é um documentário dirigido por Marko Panayotis e Otávio Sousa, lançado em 2016. [17]O documentário retrata a cena guitar entre 1990 e 1993 e conta com depoimentos das bandas Pin Ups, Second Come, Killing Chainsaw e Mickey Junkies, além de jornalistas como Gastão Moreira e Paulo Marchetti[18];
  • "Guitar Days - An Unlikely Story of Brazilian Music" é um documentário de Caio Augusto Braga, lançado em 2019[19] e premiado no Festival Premio Latino del Cine y la Música de Marbella, Espanha como melhor documentário e melhor direção de documentário, e no Indie Nuts Film Festival da Alemanha como melhor documentário. A obra enfoca o movimento guitar desde o Maria Angélica até a sua transformação ao indie, com a cena atual[20]. Além de depoimentos das principais bandas do movimento[21], o documentário traz entrevistas de músicos estrangeiros que influenciaram a cena, como Thurston Moore (Sonic Youth), Mark Gardener (Ride) e Stephen Lawrie (The Telescopes), e do jornalista da NME e Melody Maker e descobridor do grunge Everett True.

Referências

  1. «VideoHistória – Maria Angélica Não Mora Mais Aqui». Rock 80 Brasil. 26 de julho de 2013 
  2. SA, Trip Editora e Propaganda. Trip. [S.l.]: Trip Editora e Propaganda SA. Consultado em 10 de agosto de 2018 
  3. Albuquerque, Filipe (9 de agosto de 2018). «ROCK, BOTAS E GAROTAS. A HISTÓRIA DO PRIMEIRO DISCO DO PIN UPS». Medium. Consultado em 10 de setembro de 2018 
  4. Aiex, Tony (9 de fevereiro de 2012). «Por onde anda? - Killing Chainsaw - TMDQA!». Tenho Mais Discos Que Amigos! 
  5. «Second Come: a segunda vinda». Fanz. 25 de abril de 2015 
  6. Abonico. «Mondo Bacana :: ESPECIAL - Monokini». www.mondobacana.com. Consultado em 10 de setembro de 2018 
  7. «Folha de S.Paulo - Coletâneas mostram o melhor do rock alternativo brasileiro - 22/7/1995». www1.folha.uol.com.br. Consultado em 10 de setembro de 2018 
  8. «Folha de S.Paulo - Juntatribo reúne 27 bandas em Campinas - 7/9/1994». www1.folha.uol.com.br. Consultado em 10 de setembro de 2018 
  9. «Folha de S.Paulo - Festival leva 26 bandas a Belo Horizonte dias 12 a 15 de agosto - 11/7/1994». www1.folha.uol.com.br. Consultado em 10 de setembro de 2018 
  10. «Exclusivo: Banda que Renato Russo citou como a predileta, Low Dream ganha relançamento digital». RollingStone. 12 de maio de 2017 
  11. «Folha de S.Paulo - "Juntatribo" acaba na segunda edição - 21/9/1994». www1.folha.uol.com.br. Consultado em 10 de setembro de 2018 
  12. Alexandre, Ricardo (12 de agosto de 2016). Cheguei bem a tempo de ver o palco desabar: 50 causos e memórias do rock brasileiro. [S.l.]: Arquipelago Editorial Ltda. ISBN 9788560171811 
  13. «O que foi o Movimento Manguebeat? - História do Mundo». História do mundo. Consultado em 10 de setembro de 2018 
  14. «Rolling Stone Brasil: Música, Cinema, Política, Moda, Entrevistas, Notícias, Fotos, Vídeos, Críticas e Mais» 
  15. «Lançamento do livro RCKNRLL: Outsiders Viciados em Música Procurando Confusão». Hits Perdidos (em inglês). 14 de dezembro de 2015 
  16. «livro | o volume morto». volumemorto.com.br (em inglês). Consultado em 10 de setembro de 2018 
  17. www.zentense.com. «Time Will Burn». www.in-edit-brasil.com (em espanhol). Consultado em 10 de setembro de 2018 
  18. «"Time Will Burn": documentário relembra o rock underground nacional dos anos 90». A Gambiarra. 12 de julho de 2016 
  19. Ellin, Gabriela (17 de junho de 2019). «Guitar Days: filme sobre origens do Indie Rock brasileiro é exibido no país». Tenho Mais Discos Que Amigos!. Consultado em 8 de janeiro de 2020 
  20. Line, A TARDE On. «Diretor fala concepção de documentário 'Guitar Days'». Portal A TARDE 
  21. Alta Fidelidade | Documentário Guitar Days (em inglês), consultado em 10 de setembro de 2018