Herdade de Vila Formosa

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Herdade de Vila Formosa
Herdade de Vila Formosa
Tipo Propriedade agrícola
Construção Calcolítico e Idade do Bronze (sítios arqueológicos)
Geografia
País Portugal Portugal
Região Alentejo
Coordenadas 37° 43' 10.4" N 8° 46' 34.6" O
Mapa
Localização em mapa dinâmico

A Herdade de Vila Formosa é uma área na freguesia de Longueira / Almograve, no concelho de Odemira, na região do Alentejo, em Portugal. Nesta área foram feitas importantes descobertas arqueológicas,[1][2][3] e esteve igualmente no centro de uma polémica sobre a construção de um grande empreendimento turístico, devido à sua localização no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina.[4]

Estuário do Rio Mira, em 2009. Do lado esquerdo situa-se Vila Nova de Milfontes, enquanto que na outra margem encontra-se a Herdade de Vila Formosa.

Descrição[editar | editar código-fonte]

A Herdade de Vila Formosa é uma área de grandes dimensões, com cerca de 646 Ha,[5] situada numa região de planície litoral perto da foz do Rio Mira, junto à localidade de Vila Nova de Milfontes.[6] É uma zona utilizada tradicionalmente com fins agrícolas, com solos formados por argila e areia, possuindo também uma duna marítima.[5] A propriedade é atravessada pela Estrada Nacional 393, que liga a Vila Nova de Milfontes através de uma ponte.[5] Está totalmente inserida no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, e na área da Costa Sudoeste, que é considerada como Zona de Protecção Especial para as Aves e Sítio de Importância Comunitária, no âmbito da Rede Natura 2000.[4]

Em termos arqueológicos, foram principalmente investigados três locais na zona da Herdade de Vila Formosa. O primeiro situa-se nas imediações do Monte Velho de Vila Formosa, a cerca de 100 m a Sudoeste do palacete de Vila Formosa, e a 700 m do novo Monte de Vila Formosa, tendo sido ali descobertas escórias e pingos de fundição, e fragmentos de cerâmica comum e de construção, sem ter sido identificada uma cronologia precisa.[1] O local foi danificado por diversas obras, incluindo a construção de um restaurante nos princípios da década de 1980, e trabalhos de terras posteriores.[1]

O segundo corresponde a uma necrópole da Idade do Bronze, e localiza-se num esporão na baía do Corgo da Cadaveira,[5] na margem do Rio Mira, a cerca de 300 m do PK 1,5 da Estrada Nacional 393, no sentido poente e a um quilómetro de distância do novo Monte de Vila Formosa.[2] O monumento implanta-se precisamente no ponto mais estreito do esporão, num local muito destacado na paisagem.[5] Enquadra-se na topologia de tholos, ou seja, estruturas funerárias datadas do terceiro milénio a.C., compostas normalmente por uma câmara funerária circular e um corredor de acesso, sendo ambos cobertos por uma mamoa, um monte artificial em pedra e terra batida.[6] Esta era composta principalmente por argila em tons alaranjados, sobressaindo do terreno arenoso envolvente.[5] Nas escavações foi identificado o lanço final do corredor, que já se encontrava quase totalmente destruído, devido em parte a vandalismo durante o século XX.[6] Com efeito, a estrutura foi por diversas vezes danificada por escavações ilegais de caçadores de tesouros, além da passagem nas proximidades de veículos pesados.[5] Ainda assim, conseguiu-se constatar que o corredor era muito curto e orientado para Leste, e que estava anexado a um átrio, em plano rebaixado na rocha, com lajes no solo.[6] No local foram encontradas algumas peças de interesse, como taças fechadas, vasos esféricos, globulares, e lâminas, denticulados, e um furador em pedra lascada, que permitem identificar uma cronologia de ocupação nos princípios ou já em pleno no calcolítico, correspondente à primeira metade do terceiro milénio a.C..[6] o a presença de fragmentos de peças de cerâmica com elementos decorativos incisos e de tipologia campaniforme indica uma reocupação posterior das estruturas funerárias, provavelmente no período de transição do Calcolítico para a Idade do Bronze.[6] Destacam-se os dois fragmentos de peça de cerâmica com motivos decorativos campaniformes, que poderiam fazer parte de uma taça do tipo de Palmela.[5] Nas escavações de 2013 foram recolhidas catorze lâminas de sílex e outras peças líticas e cerâmicas, sendo de especial interesse dois vasos ainda inteiros, embora em mau estado, e vários fragmentos de outros vasos.[5]

O terceiro foi provavelmente um povoado durante a época do neo-Calcolítico, e encontra-se a 600 m do PK 2 da Estrada Nacional 393, no sentido Norte-Nordeste, tendo grande parte dos vestígios sido destruídos.[3] Este assentamento seria de grandes dimensões, e estava situado num local que permitia um bom controlo visual sobre a região em redor, principalmente o Rio Mira.[6] Está separado em dois núcleos, encontrando-se o primeiro numa pequena colina a Norte da estrada para o Monte de Montalvo, onde foram recolhidos pequenos fragmentos de cerâmica pré-histórica, lascas de quartzito, quartzo hialino, um fragmento de um pico mirense, uma raspadeira, restos de talhe de quartzito e quartzo, e parte de um dormente de uma mó.[5] Também foram descobertas várias lajes de xisto azul, que poderiam ter sido partes de muros.[5] O segundo núcleo encontra-se a Sul da estrada para o monte, e é composto pelo mesmo tipo de vestígios arqueológicos, embora de pior qualidade.[5] Nas imediações do Monte do Montalvo também foram encontrados alguns fragmentos de cerâmica muito rolados, que poderiam ter pertencido à Idade Média.[5]

Além destes três locais, também foram investigados outros pontos nas proximidades que poderiam ter potencialidades do ponto de vista arqueológico, destacando-se os achados junto ao esteiro do Corgo d'el Rei, onde foram descobertas as ruínas de estruturas de cronologia romana.[5] Este local situa-se na base da encosta, junto a um restaurante, tendo sido muito atingido por obras naquele estabelecimento e no caminho de acesso.[7] Durante as escavações foram descobertos fragmentos de vários materiais de construção, como tégulas, tijolos, estuques e argamassas, além de alguns fragmentos de cerâmica comum romana, peças metálicas, vestígios de faunas mamalógicas e malacológicas, sendo de especial interesse um peso de rede fabricado através de entalhes num seixo, que pode ser um testemunho da forma como aquele núcleo estava ligado à pesca.[5] Um outro sítio de grande interesse arqueológico a Sul da foz do Rio Mira é o Brejo da Moita, onde foi descoberto um rico espólio e vestígios de edifícios, cronologicamente integrados entre o Mesolítico e o Neolítico antigo.[5]

Margem esquerda do Rio Mira, vista a partir da ponte, em 2016. No centro estão edifícios agrícolas abandonados, enquanto que à esquerda encontra-se o palacete, em ruínas.

História[editar | editar código-fonte]

De acordo com os achados arqueológicos, a área de Vila Formosa foi ocupada desde a pré-história, sendo os vestígios mais antigos, correspondentes ao monumento funerário, integrados no período calcolítico, na primeira metade do terceiro milénio a.C..[6] No local foram encontrados igualmente indícios de uma possível continuidade de ocupação até à Idade do Bronze.[6] Por seu turno, o povoado poderá ter sido habitado na época do neo-Calcolítico.[3] A ocupação de Vila Formosa prosseguiu ao longo da época romana, como pode ser constatado pelo material cerâmico recolhido nas escavações de Corgo d'el Rei enquadra-se em duas cronologias distintas durante aquele período, inicialmente entre os finais do século I a.C. e os finais do século I d.C., e depois entre os séculos II e IV d.C..[5]

O Monte Velho de Vila Formosa existe pelo menos desde o século XVII, surgindo em documentos cartográficos daquela centúria, e nas Memórias Paroquiais de 1758.[1] A Herdade de Vila Formosa estava listada no documento Relaçaõ dos bens e rendas pertencentes ao Condado de Odemira, sendo foreira em quinze alqueires de trigo, produzindo igualmente milho e centeio.[8]

Os primeiros estudos arqueológicos no local poderão ter sido feitos por Abel da Silva Ribeiro, que escavou uma necrópole junto a Vila Nova de Milfontes, e que poderá corresponder ao segundo sítio arqueológico.[5] Entre 1995 e 2000 a zona da Herdade de Vila Formosa foi alvo de trabalhos arqueológicos, como parte de um programa de investigação sobre a ocupação pré-histórica no concelho de Odemira, tendo os estudos de 1998 a 2000 sido feitos no contexto do programa Proto-História do Médio e Baixo Vale Mira - A arqueologia do rio, organizado pela Associação Degebe com apoio do Instituto Português de Arqueologia e da Câmara Municipal de Odemira.[5] Em 1996 foi investigado o primeiro sítio arqueológico, como parte do programa de Levantamento Arqueológico do Concelho de Odemira, e em 1999 foram feitos novos estudos, igualmente como parte do levantamento arqueológico do concelho, desta vez abrangendo os três sítios.[1][2][3] Com efeito, foi em Abril desse ano que foi identificado o terceiro sítio.[5] Segundo uma notícia publicada no jornal Público em 10 de Dezembro de 2008, o administrador do grupo Bernardino Gomes, Celestino Morgado, tinha anunciado à revista Vida Imobiliária que aquela empresa estava interessada em construir um empreendimento turístico de luxo na margem Sul do Rio Mira, que ficaria conhecido como Real Vila Formosa.[9] Celestino Morgado revelou igualmente que a construção do resort custaria cerca de duzentos milhões de Euros, e que as poderiam arrancar em 2011.[9] Iria ocupar uma área de 708 Ha, e contaria como «várias unidades de alojamento, entre as quais um hotel de cinco estrelas com cerca de 200 quartos, um hotelrural com 50 quartos, moradias e apartamentos turísticos,» além de «vários equipamentos de lazer, incluindo um campo de golfe de 18 buracos com mais nove rápidos».[9] Como parte do Estudo de Impacte Ambiental para o empreendimento de Vila Formosa, em 2008 e 2009 os três sítios voltaram a ser estudados, tendo sido descobertos alguns vestígios arqueológicos.[1][2][3] Os segundo e terceiro sítios foram novamente investigados em 2013, tendo sido identificado um monumento funerário megalítico e um possível povoado.[1]

Em 30 de Novembro de 2012, o governo aprovou a instalação do Projecto de Desenvolvimento Turístico e Ambiental de Vila Formosa, que previa a construção de um empreendimento com cerca de 55 ha de área urbanizada, que teria um hotel, dois aldeamentos turísticos e um edifício para desporto e eventos temáticos.[4] Iria ocupar não só a Herdade de Vila Formosa, mas também uma outra propriedade de menores dimensões, conhecida como Herdade de Montalvo.[5] Esta decisão foi duramente criticada pela organização ambiental Quercus, que a considerou como parte de «um estratagema do anterior Governo para beneficiar claramente os promotores que tentam, há muitos anos, urbanizar o que ainda resta da Costa Alentejana e Vicentina».[4] A organização apontou que na autorização do governo não se fazem quaisquer referências à proibição legal de se construírem novos edifícios no interior da área costeira, até dois quilómetros da orla marítima, e violaria a legislação de Avaliação de Impacte Ambiental, e o Plano de Ordenamento do Parque Natural, o Plano Regional de Ordenamento do Território do Alentejo e o Plano Director Municipal de Odemira.[4] Além disso, também teria efeitos muito negativos sobre a fauna e flora, incluindo as espécies protegidas do Rato-de-cabrera e Ononis hackelii, e iria utilizar terrenos de potencialidade agrícola, dentro da Área de Intervenção Específica do Perímetro de Rega do Mira.[4] Assim, a Quercus anunciou que iria fazer uma queixa à Comissão Europeia por violação das Directivas de Habitats e Aves, e ponderou a abertura de um processo judicial.[4] O Estudo de Impacte Ambiental também foi criticado pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, argumentando que este tinha várias «deficiências» em violação da legislação nacional e comunitária, principalmente as directivas Aves e Habitats, e tinha exigido que a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo declarasse «a desconformidade ambiental» do empreendimento.[10] Em 2015, aquele órgão emitiu uma Declaração de Impacte Ambiental Favorável Condicionada ao resort de Vila Formosa, documento que foi rejeitado pela organização Quercus, que considerou que a obra «não está em conformidade e não é compatível com os instrumentos de gestão territorial aplicáveis», como o Plano Regional de Ordenamento do Território do Alentejo, o Plano de Ordenamento do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina e o Plano Director Municipal de Odemira, tendo argumentado igualmente que o impacto que este empreendimento teria na paisagem circundante e no estuário do rio Mira foram «subavaliados», e que não foram analisadas as alternativas possíveis, como ditava a legislação.[10]

Em Fevereiro de 2018, estava em fase de licenciamento na Câmara Municipal de Odemira o plano para a instalação de um complexo turístico de cinco estrelas com 1600 camas em Vila Formosa.[11]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. a b c d e f g «Vila Formosa 1». Portal do Arqueólogo. Direcção-Geral do Património Cultural. Consultado em 7 de Junho de 2022 
  2. a b c d «Vila Formosa 2». Portal do Arqueólogo. Direcção-Geral do Património Cultural. Consultado em 7 de Junho de 2022 
  3. a b c d e «Vila Formosa 3». Portal do Arqueólogo. Direcção-Geral do Património Cultural. Consultado em 7 de Junho de 2022 
  4. a b c d e f g «Governo cede aos interesses imobiliários e autoriza mais um empreendimento no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina». Quercus. 12 de Dezembro de 2012. Consultado em 7 de Junho de 2022 
  5. a b c d e f g h i j k l m n o p q r s t u SERRA, Miguel; PORFÍRIO, Eduardo; RAMOS, Ana Cristina; FIGUEIREDO, Margarida; VILHENA, Jorge (Julho de 2017). «Intervenção Arqueológica em Vila Formosa (Odemira): dados preliminares». Al-Madan. Série II (21). Almada: Centro de Arqueologia de Almada. p. 31-40. Consultado em 9 de Junho de 2022 – via Academia 
  6. a b c d e f g h i VILHENA, Jorge. «Pré-história Recente em Odemira». Atlas do Sudoeste Português. Comunidade Intermunicipal do Alentejo Litoral. Consultado em 9 de Junho de 2022 
  7. «Corgo d' El-Rei». Portal do Arqueólogo. Direcção-Geral do Património Cultural. Consultado em 4 de Janeiro de 2023 
  8. QUARESMA, 2009:44
  9. a b c FARINHA, Pedro (10 de Dezembro de 2008). «Construção do Real Vila Formosa poderá arrancar em 2011» (PDF). Público. Consultado em 7 de Junho de 2022 – via Mynetpress 
  10. a b Lusa (9 de Abril de 2015). «Quercus contra construção de empreendimento turístico em Milfontes». Público. Consultado em 7 de Junho de 2022 
  11. ANTUNES, Conceição (17 de Fevereiro de 2018). «Hotel rural de €5,5 milhões vai abrir em Odemira». Expresso. Consultado em 7 de Junho de 2022 

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • QUARESMA, António Martins (2009). Cerealicultura e Farinação no Concelho de Odemira: da Baixa Idade Média à época contemporânea. Odemira: Câmara Municipal de Odemira. 124 páginas. ISBN 978-989-8263-02-5 

Ligações externas[editar | editar código-fonte]


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