Movimento de Proteção Constitucional

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O Movimento de Proteção Constitucional (em chinês: 护法 运动) foi uma série de movimentos políticos, liderados pelo revolucionário chinês Sun Yat-sen para se opor ao Governo de Beiyang entre 1917 a 1922. Neste momento, Sun estabeleceu outro governo rival de Pequim em Cantão, não reconhecido internacionalmente. O movimento é conhecido no jargão do Kuomintang como a "Terceira Revolução". A Constituição que se pretendia proteger foi a Constituição Provisória da República da China de 1912.

Origem[editar | editar código-fonte]

Após a Revolução de Xinhai de 1911, a recém-criada República da China realizou eleições parlamentares em fevereiro de 1913 de acordo com a Constituição provisória de 1912 e, em seguida, convocou a primeira reunião da Assembleia Nacional da República da China no dia 8 de abril. O Kuomintang tinha obtido a maioria das cadeiras e assim Song Jiaoren foi nomeado para o gabinete. Este foi assassinado pelo Presidente Yuan Shikai, logo depois, o que levou o Kuomintang a desencadear a Segunda Revolução, que fracassou. Yuan Shikai suprimiu a revolta, forçando os líderes do Kuomintang, incluindo a Sun Yat-sen, a fugir para o Japão.

Yuan Shikai dissolveu o parlamento e suspendeu a Constituição provisória, tratando mais tarde em tornar-se imperador, sem sucesso. Em dezembro de 1915, Cai E, e outros lançaram a Guerra de Proteção Nacional contra Yuan Shikai, conseguindo por fim a tentativa de restauração monárquica de Yuan. Ele foi forçado a abdicar e morreu logo após em 6 de junho de 1916.

Após a morte de Yuan Shikai, Li Yuanhong, antigo vice-presidente, o sucedeu como presidente. Duan Qirui voltou a liderar o governo e o parlamento foi convocado. No entanto, Li e Duan tiveram logo após uma grande discordância sobre se a China deveria ou não entrar na Primeira Guerra Mundial e declar guerra à Alemanha. Duan insistia em entrar na guerra, enquanto Li e o parlamento tinham reservas a respeito. Li Yuanhong destituiu Duan do cargo e solicitou apoio militar.[1] O General monarquista Zhang Xun aproveitou a oportunidade e entrou em Pequim com suas forças. Em seguida, dissolveu o Parlamento e tentou restaurar Pu Yi, último imperador da dinastia Qing em 1 de Julho, no que é conhecido como a Restauração Manchu.[1] A restauração foi esmagada por Duan Qirui cinco dias depois e, Li renunciou a presidência sendo sucedido por Feng Guozhang. Duan voltou a formar um novo governo e organizou um novo Senado, juntamente com Liang Qichao, porém sem convocar os antigos deputados.[1] Duan pensava substitui-lo provisoriamente por um Conselho Nacional Provisório (que existiu depois da revolução de 1911) que mais tarde, deu lugar a um novo parlamento controlado pelos seus partidários.[2]

O primeiro movimento de Proteção da Constituição[editar | editar código-fonte]

Sun Yatsen, principal dirigente do Movimento, se instalou em Guangzhou para tratar de restabelecer o governo parlamentar e a constituição provisória, suspendida em Pequim. Dependente de apoios militares externos ao Movimento, sua sorte no Sul estava mudando.

A criação do movimento[editar | editar código-fonte]

Em julho de 1917, Sun Yat-sen, chegou a Guangzhou de Xangai e convocou pelo telégrafo os membros originais do Parlamento em Pequim para que se transferissem a Guangzhou e constituissem um novo governo. O Ministro da Marinha Cheng Biguang liderou nove navios para apoiar Sun Yat-sen em Guangzhou e chegou em 22 de julho. Os antigos parlamentares opusseram-se aos planos dos senhores da guerra do norte para substituí-los.[2]

Em 25 de agosto, cerca de 100 membros originais do parlamento convocaram uma conferência em Guangzhou e aprovaram uma resolução sobre o estabelecimento de um governo militar em Guangzhou para proteger a Constituição provisória. Este governo negou a legitimidade do novo governo de Pequim, de qualquer novo parlamento e qualquer presidente que pudesse escolher.[2] O governo militar foi formado por um generalíssimo e três marechais de campo, que deviam dirigir a administração da República da China. Os senhores da guerra das cinco províncias meridionais (Guangdong, Guangxi, Yunnan, Guizhou e Sichuan) apoiaram.[2]

Em 1 de setembro, 91 parlamentares exerceram o seu direito de voto e 84 deles optaram por Sun Yat-sen como generalíssimo do novo governo militar. Em seguida, escolheram os chefes militares que deveriam dirigir a Guerra de Proteção Nacional: Tang Jiyao, da camarilha de Yunnan, e Lu Rongting da antiga camarilha de Guangxi, como marechais; Wu Tingfang foi nomeado Ministro das Relações Exteriores, Tang Shaoyi como Ministro das Finanças, Cheng Biguang como Ministro da Marinha e Hu Hanmin como Ministro das Comunicações. Sun Yat-sen, tomou posse em 10 de setembro e nomeou Li Liej chefe do Estado Maior, Li Fulin Comandante da Guarda, Xu Chongzhi oficial do Estado Maior e Chen Jiongming comandante do Primeiro Exército.

Facções e forças do Movimento[editar | editar código-fonte]

Apoiaram o novo governo do sul várias facções, em instável coalizão contra o Norte:[3]

  • O antigo parlamento, embora sem quórum e reunindo-se em "sessões extraordinárias" não aceitando as mudanças em Pequim e reivindicando representar a lei e defender a Constituição.[4] O maior grupo de deputados pertencia ao antigo Kuomintang, então dividido em 3 facções, uma fiel a Sun Yat-sen.[5]
  • A Marinha, com parceria de longa data com Sun.[5]
  • A camarilha de Guangxi, chefiada por Lu Rongting, que se sentia ameaçada pela crescente influência de Duan Qirui em Hunan, província vizinha a seus territórios.[5]
  • A camarilha do Yunnan, liderada por Tang Jiyao, com as melhores tropas da região, à altura das melhores do norte e militarmente a facção mais poderosa do movimento.[5]
  • O governador de Guizhou, província atrasada e militarmente débil, que seguia as orientações das províncias vizinhas, mais poderosas.[3]

Os objetivos de Sun e do parlamento, por um lado, não coincidem com os dos senhores da guerra do sul: enquanto estes estavam interessados ​​em garantir seus territórios e expandi-los, mesmo em troca de sacrificar o parlamento e aceitar a dominação do norte, Sun e os membros do parlamento pretendiam recuperar o controle do governo central ou formar um novo governo que derrotasse os chefes militares do norte para recuperá-lo.[3]

Além da Marinha, da Guarda do Generalíssimo e vinte batalhões do Exército de Guangdong, Sun Yatsen não tinha excelente apoio militar no governo militar de Guangzhou e, por vezes, suas ordens não tinham efeito.

Reorganização do Governo Militar[editar | editar código-fonte]

Sun contemplou a revolta com a esperança de se livrar da influência de Guangxi, e chegou a ordenar a Marinha a bombardear a sede da Guangxi em uma ocasião. No final de 1917, Lu Rongting, Tang Jiyao, Mo Rongxin e outros, juntamente com Tang Shaoyi convocaram uma conferência que exigia o reconhecimento da presidência de Feng Guozhang e a formação de um governo conjunto com o Norte.

Em 1918, Cheng Biguang voltou-se contra a camarilha de Guangxi e foi assassinado. O Parlamento foi controlado pela camarilha de Guangxi em abril de 1918 e reformou o governo, substituindo o Generalíssimo por um conselho de sete membros: Sun, Tang Shaoyi, Wu Tingfang e Tang Jiyao por um lado, e Lu Rongting, Cen Chunxuan e Lin Baoyi por outro.[3] Sentindo-se marginalizado, Sun Yat-sen, renunciou ao cargo de generalíssimo e retirou-se para Xangai. O Governo Militar de Guangzhou foi deixado para Cen Chunxuan, um dos principais membros do conselho.[3] A eleição de Wu Tingfang como governador de Guangdong foi anulada por Lu Rongting.

Guerra de Proteção da Constituição[editar | editar código-fonte]

Após o estabelecimento do governo militar em Guangzhou, a China foi dividida em duas áreas em confronto, o norte e o sul. Com o apoio de Lu Rongting e do Exército de Guangxi, o exército de Sun conseguiu parar o ataque de Duan Qirui em novembro de 1917. Duan renunciou ao cargo de primeiro-ministro do governo de Pequim como resultado deste revés, deixando o cargo para Feng Guozhang. O norte e o sul, em seguida, entraram em um período de calma, detendo os enfrentamentos.

Pressionado pelas camarilhas, a camarilha de Zhili e a de Anhui, Feng Guozhang ordenou a Cao Kun (ambos pertencentes à primeira) atacar novamente Hunan em janeiro de 1918, conseguindo derrotar o Exército de Proteção da Constituição, em abril. No entanto, após a captura de Hunan, o comandante de Zhili, Wu Peifu, interrompeu o ataque às províncias de Guangdong e Guangxi e chegou a um acordo com o sul em julho. Xu Shichang também defendia o estabelecimento de negociações de paz com os rebeldes do sul, quando tomou posse como primeiro-ministro em Pequim, em outubro, o que pôs fim a guerra temporariamente (armistício em 16 de novembro de 1918).[6] Em 30 de novembro de 1918, o governo do sul mostrou a sua disponibilidade para dialogar com o governo do norte, Xu passa a tentar obter o apoio dos senhores da guerra do norte que se opõem a negociações com o sul.[6] De fevereiro a agosto de 1919, foram realizadas discussões entre o norte e o sul [7] em Xangai, mas as negociações estagnaram pela sabotagem de Duan.

As eleições de 1918 para eleger um novo parlamento em Pequim, no entanto, não foram reconhecidas pelos deputados do sul.[8] Todos os membros que não frequentam a "sessão extraordinária" do parlamento do sul perderam seus assentos e foram substituídos. O presidente do Parlamento, Lin Sen, interrompeu a sessão em 24 de janeiro de 1920 quando um grupo de parlamentares boicotaram a reunião, privando-a de um quorum. Cen também retirou os salários dos deputados. Com o governo do sul nas mãos da antiga camarilha de Guangxi, o primeiro Movimento de Proteção Constituicional foi concluído.

O segundo movimento de Proteção da Constituição[editar | editar código-fonte]

Chen Jiongming, líder federalista dentro do Movimento, facilitou o retorno de Sun Yatsen a Cantão com sua vitoriosa campanha contra os militares rebeldes, mas rebelou-se contra ele após a sua tomada de poder e sua decisão de conquistar o norte da China pela força na Expedição do Norte.

Em Xangai, Sun reorganizou o Kuomintang a fim de arrebatar a junta de Guangxi do governo do sul. O governador militar de Guangdong, Chen Jiongming recrutou para isto vinte batalhões de Fujian. Em 1920, Duan e o parlamento do norte perderam o poder nas mãos da camarilha de Zhili na Guerra Zhili-Anhui. Lu e Cen utilizaram disso como pretexto para tentar a unificação com a camarilha de Zhili. O KMT denunciou estas negociações secretas e o parlamento do sul foi movido para Yunnan em agosto e para Sichuan em finais de setembro. As tensões entre a camarilha de Yunnan e de Guangxi permitiram Chen invadir seus territórios em 11 de agosto, na chamada Guerra de Guangdong-Guangxi. Chen Jiongming expulsou a camarilha de Guangxi de Guangzhou, permitindo que Sun retornasse lá no final de novembro.[7]

O Parlamento voltou a reunir-se em Guangzhou em janeiro de 1921. Dos quatro membros remanescentes do diretório militar, Tang Jiyao teve que permanecer em Yunnan para proteger sua província, Wu Tingfang estava enfermo e Tang Shaoyi foi perdendo o interesse no movimento. Em abril de 1921, a Assembleia Nacional dissolveu o governo militar e elegeu Sun Yat-sen "presidente da China".[7] Mas o novo governo de Guangzhou, sem qualquer reconhecimento externo, estava no meio de uma crise de legitimidade já que foi formado sem seguir a constituição que havia se incumbido de proteger. Para Chen Jiongming, a eleição inconstitucional de Sun era uma tomada de poder ilegítima. As relações entre eles se deterioraram ainda mais quando Chen convidou inclusive anarquistas, comunistas e federalistas para se juntarem ao movimento. Chen pensava que iria aumentar a sua força, mas a Sun acreditava que diluiria a sua mensagem.

A traição de Chen Jiongming[editar | editar código-fonte]

Imediatamente após assumir o cargo em maio, Sun ordenou o início da Expedição do Norte (4 de maio de 1922) para conseguir a unificação da China pela força.[9] No verão de 1922, Sun Yat-sen estabeleceu o quatel-general da expedição em Shaoguan antes de iniciar a marcha para o norte. Uma vez que isto consistia em coordenar tropas de vários exércitos, iriam participar da mesma: Guangdong, Yunnan, Jiangxi e Hunan. A Expedição do Norte foi o que desencadeou o conflito entre Sun e Chen Jiongming. Este defendia a suspensão dos combates com o norte e a consolidação como província autônoma de Guangdong.

Enquanto isso, a camarilha de Zhili havia iniciado um movimento nacional para reunir os governos do norte e do sul, propondo a retirada simultânea dos dois presidentes rivais em favor de Li Yuanhong, a convocação do antigo parlamento e a restauração da Constituição de 1912.[7] Em junho, o primeiro-ministro do norte, Xu Shichang, renunciou [9] e a Assembleia Nacional original se reuniu novamente em Pequim. Para Chen Jiongming, com isto, alcançava-se o propósito do Movimento,[9] mas para Sun o novo governo era apenas uma “cortina de fumaça” para esconder o poder de Cao Kun. Em 16 de junho, o palácio presidencial de Cantão foi bombardeado por forças de Chen.[9] Sun Yat-sen, Chiang Kai-shek, Chen Ce e suas lealdades mudaram-se para Xangai em um barco [10] deixando a cidade nas mãos dos rebeldes. Até então (9 de agosto de 1922), o parlamento anterior tinha se reunido novamente em Pequim e Li Yuanhong havia retomado a presidência.[10][11]

Influências[editar | editar código-fonte]

Soldados do Exército Nacional Revolucionário Chinês, nova força do novo partido (KMT), que deveria acabar com a dependência de Sun Yat-sen dos caudilhos militares do Sul.

Tendo percebido a sua excessiva dependência da força militar externa ao Movimento, Sun decidiu estabelecer sua própria milícia. Com a ajuda da União Soviética e a aliança com o Partido Comunista da China, Sun voltou a assumir o governo de Guangzhou pela terceira vez em 1923. No entanto, seu objetivo não era mais a proteção do governo provisório, mas a formação de uma forte base militar em torno da Academia Militar de Whampoa, que permitiria a criação de um Estado de partido único após a derrota dos senhores da guerra. Esta estratégia foi a base do êxito da Expedição do Norte que levou à teórica unificação da China.

Os historiadores culpam as errôneas táticas legalistas pelo fracasso do Movimento. A "sessão extraordinária da Assembleia Nacional" (Parlamento do Sul) não tinha quórum. Praticamente desde o início, o governo militar não se baseou em direito constitucional e era desprovido de reconhecimento externo. Mal conseguia manter a unidade interna entre as facções que o formavam e seu controle territorial foi escasso. Sua fundação danificou a integridade da República.

Referências

  1. a b c Nathan (1998), p. 91
  2. a b c d Nathan (1998), p. 92
  3. a b c d e Nathan (1998), p. 132
  4. Nathan (1998), p. 130
  5. a b c d Nathan (1998), p. 131
  6. a b Nathan (1998), p. 139
  7. a b c d Nathan (1998), p. 177
  8. Nathan (1998), p. 101
  9. a b c d Nathan (1998), p. 181
  10. a b Nathan (1998), p. 182
  11. Nathan (1998), p. 185

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Este artigo foi inicialmente traduzido, total ou parcialmente, do artigo da Wikipédia em inglês cujo título é «Constitutional Protection Movement», especificamente desta versão.
  • Nathan, Andrew (1998). Peking Politics 1918-1923: Factionalism and the Failure of Constitutionalism (em inglês). [S.l.]: Center for Chinese Studies. 320 páginas. ISBN 9780892641314 
  • Wou, Odorik Y. K. (1978). Militarism in modern China. The career of Wu P’ei-Fu, 1916-1939 (em inglês). [S.l.]: Australian National University Press. 349 páginas. ISBN 0708108326 

Ver também[editar | editar código-fonte]