Usuário(a):Os Confrares/Testes

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

«Confraria». Michaelis On-Line. Consultado em 23 de maio de 2019 

Confraria[editar | editar código-fonte]

A palavra Confraria vem da junção dos termos em latim "com", que quer dizer “junto”, mais “frater”, que quer dizer “irmão”.[1] Por fim, o termo pode ser definido como Irmandade, uma associação de pessoas ligadas por um interesse ou característica comum[2] [3], podendo, inclusive, ser uma associação de indivíduos que exercem a mesma profissão.

Imagem da estrutura de uma confraria portuguesa.
Igreja onde a Confraria Nossa Senhora Da Nazaré se reunia, em Portugal

No âmbito religioso, as confrarias são associações laicas fundamentadas em princípios religiosos que, geralmente, realizavam obras de caridade e formavam uma espécie de rede de apoio aos irmãos associados.

Os mosteiros foram as primeiras associações com fins religiosos separados da igreja, visto que os monges possuíam suas próprias práticas e maneiras de culto. Tais associações precederam as conhecidas Ordens Mendicantes, que surgiram na Itália por volta do século XIII, sendo mais conhecidas as de franciscanos e de dominicanos[4]. Essas ordens trouxeram a pobreza como uma prioridade não só para os frades, mas também para os conventos, pregando contra o pecado da avareza, característico da sociedade gananciosa em que viviam. Junto com a mendicância, a atividade pastoral e a ação missionária foram introduzidas ao modo de vida religiosa. Além disso, é a partir dessas ordens que surgem as confrarias, sendo divididas em ordens terceiras e irmandades. Tais organizações tornam-se muito presentes na Europa, especialmente em Portugal, onde foi fundada a primeira misericórdia, seguida de muitas outras associações[5].

Diferenciação entre Irmandades e Ordens Terceiras[editar | editar código-fonte]

Ambas eram compostas, em sua maioria, por leigos. O que as diferenciava era o seu vínculo com as primeiras e segundas ordens (franciscanos, dominicanos, carmelitas, etc.).

As ordens terceiras eram vinculadas às ordens de leigos que desejavam seguir as regras de alguma das ordens, mas sem a obrigação de realizarem os votos de pobreza, castidade e clausura. Elas eram assim chamadas porque as ordens primeiras eram os frades, as ordens segundas eram as freiras e, portanto, as terceiras seriam dos leigos.

As irmandades, entretanto, não eram vinculadas a nenhuma ordem religiosa, embora tivessem também um caráter religioso, possuindo inclusive um santo padroeiro. Também compostas por leigos, essa associação possuía um aspecto mais devocional, de culto aos anjos, aos santos e às almas do purgatório. Além do caráter religioso, que abrangia inclusive para doutrinação, tanto as ordens terceiras quanto as irmandades possuíam uma função assistencial, oferecendo suporte aos irmãos a ela associados[6].

Origem[editar | editar código-fonte]

As confrarias surgiram essencialmente na Idade média, sobretudo em Portugal, mas só foram ser estimuladas pela Igreja a partir do século XVI, com a fundação das irmandades e ordens religiosas. Algumas foram criadas ou recriadas no século XVII, em geral por iniciativa do clero e, em todo caso, sob seu controle[7] .

Elas foram associadas a um processo modernizador de reforma espiritual e se adaptaram aos territórios que foram conquistados ou evangelizados na época moderna. Na colônia, por exemplo, as confrarias encontraram uma enorme disposição de leigos, favorecendo um espaço para a manifestação da fé[8].

Características Gerais[editar | editar código-fonte]

As características amplas e gerais das Irmandades Religiosas, assim como das Ordens Terceiras, eram fornecer apoio aos necessitados, no que diz respeito às necessidades fundamentais do homem[9],como: socorro em caso de doença, viuvez ou desgraça pessoal; preparação e execução de cortejos fúnebres e enterros solenes; rezar um determinado número de missas para garantir a salvação das almas dos irmãos falecidos. Entretanto, nem sempre o dever de acompanhamento dos membros falecidos ou de celebração de missas era cumprido pelas irmandades, o que deu origem a constantes intervenções das autoridades eclesiásticas para fazerem-se respeitar e cumprir estas obrigações. Por sua vez, os irmãos agremiados deveriam cumprir uma série de deveres: pagar a taxa de matrícula estipulada pela confraria, quitar as anuidades estabelecidas em compromisso, acompanhar os funerais dos irmãos falecidos e rezar por suas almas, participar das festas e celebrações realizadas em louvor do padroeiro da associação religiosas[10].

Em Portugal, de maneira geral, as ações assistencialistas das irmandades eram restritas quando comparadas com as ordens terceiras e as misericórdias: limitavam-se a ajudar os indivíduos no âmbito restrito das irmandades, os únicos indivíduos externos que receberiam assistência eram mendigos e forasteiros que morriam na paróquia. A multiplicidade das funções das misericórdias e sua importância no nível local tornaram-nas as confrarias mais importantes do império português[11]. Junto com as câmaras municipais, as misericórdias podem ser descritas como os pilares gêmeos da colonização[12].

As misericórdias se diferenciam das confrarias eclesiásticas por fazerem trabalhos para além de seus membros, como vestir e alimentar presos, cuidar de órfãos, levar ao funeral cadáveres de adultos e crianças e administrar hospitais[13].

Em geral as irmandades garantiam aos seus filiados uma proteção corporativa que implicava na assistência espiritual e material e apresentavam um aspecto leigo dentro do culto do catolicismo[14], ou seja, tinham como base princípios católicos (religiosos), porém eram laicas.

Elas também despojavam do prestígio de confiança, servindo como uma instituição de pagamento de heranças, além de possuírem atribuições financeiras e disporem de padrões altamente surpreendentes de eficiência e honestidade.

Outra característica marcante das confrarias era na sua organização interna, que conservou a separação medieval de seus membros em plebeus e nobres, contando com um número de membros variando entre 100 e 600 até o século XIX, sendo a metade composta por nobres e a outra metade por plebeus. Os membros deveriam apresentar características gerais como: boa reputação, pureza de sangue, idade adulta conveniente, honestidade, ser patrão ou proprietário, saber ler e escrever e ser confiável[15]. No que diz respeito à composição social, poderia variar indo desde confrarias compostas predominantemente por brancos, até outras que eram compostas predominantemente por negros.

Esse aspecto da organização interna das Confrarias foi significativa nos momentos das grandes cerimônias e festas públicas em que os irmãos desfilavam com os atributos dos seus poderes diante da comunidade. A questão da integração social assumiu importância especial no caso dos homens negros e dos cristãos-novos, dado que estes se serviam do ingresso nas confrarias (onde podiam ou conseguiam entrar) para obterem melhores níveis de aceitação social. Não é ainda de desprezar, como motivação para a entrada de novos membros, o fato das irmandades possibilitarem um aumento da capacidade de exercício do poder dos indivíduos e a multiplicação dos tempos de sociabilidade. Essas festas confraternais proporcionavam momentos excepcionais de convívio e de evasão ao cotidiano.

O envolvimento de grupos sociais menos privilegiados nas confrarias pode ser entendido como uma forma destes conseguirem aumentar os seus níveis de protagonismo social. A porcentagem de mulheres em muitas confrarias paroquiais era reduzida, não ultrapassando os 5% do conjunto de irmãos, como ocorria em Setúbal.

Existiam também casos como o da Irmandade do Sagrado Coração de Jesus, sediada no Mosteiro de Santa Maria de Semide, onde eram compostas, em sua grande maioria, por religiosas e mulheres seculares de elevado e médio estatuto social.

A maior parte dos ingressos nas confrarias aconteciam nos dias de festa ou de algumas das celebrações que promoviam. Na Confraria da Senhora do Rosário dos Pretos de São Francisco do Porto, na década de 1760, ocorreu o número mais elevado de ingressos anuais de escravos, ao mesmo tempo que se assistiu ao decréscimo das entradas dos homens livres. Na mesma data, no caso da Irmandade do Sagrado Coração de Jesus de Semide, assinalou uma quebra substancial de adesão, recuperada apenas no século seguinte.

No conselho do Porto, entre os séculos XVII e XVIII, existiram mais de duzentas confrarias, e muitos dos seus membros pertenceram em simultâneo a mais de uma delas, demonstrando assim o interesse social por este tipo de instituições.

As instituições mais influentes desse período são: Irmandades das Almas do Purgatório, Confraria de Nossa Senhora do Rosário de Castro Verde, Irmandade das Almas da Junceira, e a Irmandade do Sagrado Coração de Jesus.

Imagem do livro da confraria dos Escravos de Nossa Senhora do Monte, datado 1750.
Livro da confraria dos Escravos de Nossa Senhora do Monte - 1750

Os grupos sócios profissionais que tinham maior predisposição por pertencer a confrarias, na população paroquial setubalense, eram sobretudo os artesãos, os mercadores e os marítimos, enquanto no Porto era possível estender ainda este quadro aos oficiais/licenciados e aos indivíduos que viviam de rendimentos próprios.

Em meados do século XVIII, as confrarias se expandiram por todo o país, atingindo alguns dos números mais elevados da sua existência agrupando à sua volta milhares de indivíduos. Um dos principais fatores motivacionais do ingresso dos indivíduos nas irmandades estava ligado à garantia da salvação das suas almas após a morte e proteção divina na sua vida cotidiana.

Pode-se afirmar à primeira vista que as confrarias permitiam maior acesso aos sacramentos da Igreja, a uma manutenção mais cuidadosa dos locais de culto, aumento da devoção aos Santos e à Virgem, ou ainda aumento nas peregrinações.

É notório que muitas destas confrarias foram produto da intervenção eclesiástica. Em alguns bispados, como no Porto e em Miranda, as Constituições Sinodais incluíam referências à obrigatoriedade dos padres de criarem uma Confraria do Santíssimo Sacramento nas suas paróquias. Nas visitações, os bispos ou os seus representantes instruíam os sacerdotes no sentido de criarem determinados tipos de devoções confraternais, como as da Senhora do Rosário, e quase obrigavam os paroquianos a integrá-las. Percebemos uma estratégia eclesiástica que apostava na promoção de indulgências e na criação da sua necessidade para desenvolver o culto do Rosário e aumentar a avidez pela criação destas associações. O Clero secular teve um papel relevante no incremento do movimento confraternal, à semelhança do que aconteceu com os representantes das Ordens Regulares.

Diferenciação entre Confrarias Paroquias e Extraterritoriais[editar | editar código-fonte]

As confrarias do período medieval e do início da idade moderna podem ser divididas em duas categorias, baseadas principalmente em sua abrangência territorial:

1. Confrarias paroquiais[editar | editar código-fonte]

Eram confrarias fortemente ligados às freguesias onde eram sediadas. Apesar de não terem sido um uso comum em todas as confrarias, algumas delas obrigavam que todos os fregueses (habitantes das freguesias) se subscrevessem a elas[16]. Suas atribuições eram cuidar e pagar as obras na igreja, procissões religiosas, altares,etc., além de auxiliar seus membros em caso de morte e doenças, bem como aos viajantes e mendigos que falecessem ou se encontrassem doentes no território da freguesia.

2. Confrarias extraterritoriais[editar | editar código-fonte]

Ainda no âmbito das confrarias, existem aquelas que ultrapassam os limites territoriais (evidentes nas confrarias paroquiais).

Estas constituíam de membros que não necessariamente compartilhavam da mesma freguesia, mas possuíam laços como ocupações e nacionalidade, característicos de sociedades corporativistas, como a medieval.

Suas funções consistiam, geralmente, na manutenção de hospitais para os membros, o auxílio das viúvas e filhas solteiras (contribuição para o dote) e o empréstimo de dinheiro.

Em Portugal, no século XVI, existiam, por exemplo, confraria dos clérigos, a confraria de S. Bartolomeu dos Alemães e a de Nossa Senhora do Loreto dos Italianos[17].

No âmbito destas, inserem-se as confrarias da Misericórdia, que englobavam as elites locais da região e, ao contrário das outras, prestavam serviços a não membros. Elas se dedicavam principalmente ao assistencialismo dos mais pobres, presos, doentes e falecidos. Por isso, fundaram hospitais gerais por todo o Império Português e também possuíam atribuições financeiras que extrapolavam o limite das outras, pois financiavam o erário régio e chegaram a administrar a loteria de Lisboa em fins do século XVIII[18].

Expansão e impacto na população[editar | editar código-fonte]

De acordo com os estudos de Pedro Penteado[19], dentro do modelo eclesial da época, as confrarias constituíram uma das principais expressões orgânicas e sociológicas aceitas pela Igreja para moldar a vida religiosa dos leigos. Atuando principalmente na assistência espiritual e material às populações, as confrarias contribuíram para o fortalecimento da experiência do catolicismo, através da orientação doutrinal dos fiéis e de suas buscas sacramental, do culto dos mortos, da prática da caridade e de diversas atividades devocionais e piedosas.

As confrarias tiveram um papel relevante na construção da identidade de diversos grupos sociais – apesar de legitimarem e condensarem as diferenças existentes na sociedade –, reforçaram os processos de integração e de coesão comunitária e multiplicaram os tempos, os espaços e as formas de sociabilidade, centradas em torno das festas e cerimônias religiosas. Além disso, permitirem maiores oportunidades de exercício do poder ao nível local, foram palco de solidariedades e de conflitualidades com poderes e organismos concorrentes e tiveram importância no crédito às atividades econômicas, através do empréstimo de dinheiro a juros. Apesar disso, essas características do movimento confraternal cresceram de formas diferentes em relação ao espaço e tempo a cada tipo de confrarias.

Irmandades no Brasil[editar | editar código-fonte]

No Brasil, as irmandades foram trazidas no século XVI com a colonização portuguesa. Assim como em outros lugares, elas possuíam um estatuto que devia ser aprovado pela Igreja e pela monarquia, conhecido como compromisso[20], que uma vez aceito, a mesa diretora da irmandade tornava-se responsável por registrar todos os acontecimentos e decisões, despesas e manutenções que sustentavam a irmandade, além dos bens e valores que possuía e irmãos que faziam parte dela.

Além disso, o compromisso também expressava os objetivos da irmandade, a forma de aceitação (critérios para ser membro) de irmãos e os deveres deste. Para participar, era necessário estar dentro das normas de aceitação, se comprometer com as obrigações e deveres, venerar o santo padroeiro da irmandade e participar ativamente dos cultos, reuniões e festividades[20] . Elas representavam não somente cerimônias religiosas, mas eram formas de convívio social e sociabilidade.

As irmandades estiveram – e ainda estão – presentes em todo o país e destacam-se no território da atual Minas Gerais. As irmandades foram um importante lugar de ensino, não somente religioso, mas de regimento do caminho do cristão. As irmandades não eram entidades de brancos ou negros, mas cada uma era formada por um grupo social e racial específico; as irmandades formadas por brancos e seus membros representavam a elite da sociedade: “Embora vivendo no seculum, os terceiros se vinculam a uma ordem religiosa, da qual extraem e adaptam regras para o exercício da vivência cristã no mundo. [...] via de regra, as ordens terceiras se caracterizavam por ser associações compostas pelas camadas mais elevadas da sociedade da Capitania”[21]; também haviam as irmandades dos negros escravos ou forros; os índios também faziam-se presentes em irmandades. Contudo, não era limitada apenas à um grupo; muitas vezes, haviam irmãos brancos nas irmandades majoritariamente negras (geralmente, estas irmandades, com a Mesa formada por negros, não permitia que a pessoa branca participasse da Mesa, a participação dela seria apenas como irmão).

A visão das irmandades como um espaço de vida social é mais acentuada quando se analisa as associações formadas pelos negros.

Imagem de uma celebração de Corpus Christi promovida pela Irmandade do Santíssimo da Matriz de Pirenópolis em 1930.
Procissão de Corpus Christi promovida pela Irmandade do Santíssimo da Matriz de Pirenópolis em 1930.

Sabe-se que na virada para o século XIX, cerca de 20% dos escravos da América Portuguesa se encontrava em Minas. As irmandades eram, para eles, o único espaço social no qual lhes era permitido formar um espaço de referências às tradições africanas. Isso, contudo, não significa que os negros aceitaram e se converteram ao cristianismo. Muito menos, que incorporaram a si a cultura branca, mas que tiveram de adaptar suas crenças e tradições nativas da África à religião e à cultura branca. Portanto, esses momentos de reunião, de comemoração e devoção estavam envoltos na miscigenação de religiões diferentes. Para que essas irmandades fossem autorizadas, era necessário a imagem da religião católica, mas, por trás, seus irmãos, nos casos de negros, introduziam suas crenças tradicionais.[21]

As festas e reuniões realizadas pelas Irmandades permitiam ao negro um espaço para expressar-se culturalmente em uma sociedade tão fechada. O que se sabe é que em irmandades regidas por membros negros, eram aceitos membros pardos ou brancos, desde que não participassem como membros da mesa, como nos mostra um documento datado de 1866, da Irmandade do Rosário dos homens pretos, situada na atual João Pessoa, Paraíba:

"Art. 2º - Também poderão fazer parte da Irmandade as pessoas brancas, as quais nunca exercerão cargo algum, que não seja por mera devoção;

Art. 4º - Dentre os irmãos e irmãs brancos serão escolhidos pela meza por simples aclamação um juiz, uma juíza por devoção como protetores da festa de Nossa Senhora do Rosário; (Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário da Povoação da Taquara – 1866. Arquivo da Diocese do Estado da Paraíba, João Pessoa)."[22]

Já para a coroa e a Igreja, a situação das irmandades e a visão sob elas eram outras.

O medo de que esses espaços dessem abertura para formação de pensamentos inapropriados para o controle social era grande. Como o controle era, de certa forma, descentralizado, pois mesmo com a imagem suprema da Igreja e da Monarquia Portuguesa, os grandes líderes destas (Papa e Monarca) estavam muito longe dos territórios brasileiros, e, portanto, suas autoridades eram exercidas por instituições menores – e manter controle sob o que acontecia em todo o território demandava um grande esforço.

“Para os detentores do poder, as autoridades civis e eclesiásticas, as irmandades eram concebidas como fontes de perigo. Assegurando-se enquanto grupo organizado, as confrarias religiosas procuravam fugir das intervenções destas autoridades, reivindicando a independência da associação. A construção de um templo religioso próprio era tida como um dos principais meios para alcançar essa independência, permitindo aliar maior status à maior liberdade de ação”[22].

Essas organizações estavam além das questões religiosas e, como acontecia em todo o mundo católico, eram vistas pela bondade e devoção ao outro, ao necessitado: “Essas associações, além das atividades religiosas que se manifestavam na organização de procissões, festas, coroação de reis e rainhas, também exerciam atribuições de caráter social como: ajuda aos necessitados, assistência aos doentes, visita aos prisioneiros, concessão de dotes, proteção contra os maus-tratos de seus senhores e ajuda para comprar ou negociar a carta de alforria. No entanto, uma das atribuições mais lembradas nos capítulos dos estatutos ou compromissos das irmandades refere-se à garantia de um enterro para os escravos, frequentemente abandonados por seus senhores nas portas das igrejas ou nas praias para que fossem levados pela maré da tarde”[22].

Além de um convívio social, muitas vezes um momento de distração e alegria diante do cotidiano, ser membro de uma irmandade era algo extremamente necessário no Brasil colonial: “Para quem quer que fosse, tornava-se incontornável a adesão a uma ou mais dessas associações. Por uma questão de vida e de morte, literalmente. De vida, pois não só era no interior delas que o confrade encontrava segurança e consolo espirituais, como também ali desenvolvia suas relações e convívios sociais, ainda a elas se ocorrendo quando havia necessidade de submeter-se a eventuais cuidados médicos, ou mesmo para a obtenção de empréstimos pecuniários. De morte, porquanto, não pertencer aos quadros sociais dessas agremiações, significava, como referido, não ter local para sepultamento de seu corpo e ficar na incerteza da celebração de missas votivas pela salvação da alma”[23].

Como em todo o território brasileiro, as cidades desenvolveram-se ao redor da religião, ou seja, ao redor das pequenas capelas ou matrizes. Em um primeiro momento, quando as grandes matrizes ainda não haviam sido instauradas, as capelas foram o centro da vida social e religiosa local, além de ponto de prática comercial. As irmandades era um tipo de associação predominantemente urbana e foram, além da questão social, como promotoras de festas e atividades culturais, responsáveis por desenvolver um importante papel na organização e manutenção da sociedade.

Em muitos lugares, como em Minas Gerais, as irmandades estiveram presentes na “manutenção do mercado de trabalho de natureza artístico-cultural”[23] como arquitetura (principalmente no que tange a arquitetura religiosa, responsável por erguer capelas, igrejas...), pintura, artesanato, esculturas... Para os negros, que se não fossem escravos, haviam sido em algum momento de suas vidas, “a construção de prédios bem equipados e ornamentados revela a importância das igrejas para os negros, enquanto símbolo de prestígio e espaço de vivência religiosa e social. As festas religiosas, os pomposos funerais, o socorro aos irmãos mais necessitados também eram indicativos da habilidade das irmandades para gerenciar os seus bens”[22].

Festa da Irmandade Boa Morte - 2017, Cachoeira, Bahia.

No que tange o espaço que as irmandades mais desenvolveram-se, essas organizações surgiram com o descobrimento do ouro no que mais tarde tornou-se Minas Gerais, fez com que os moradores daqueles territórios se sentissem inseguros. Diante da impossibilidade de recorrer ao Estado, essa população encontrou refúgio na religião. Diferentemente do que aconteceu em outras partes do Brasil durantes os dois primeiros séculos da presença portuguesa, Minas Gerais não foi palco da sistemática missionação e a Igreja Católica não se fez ali presente de forma institucional (em um primeiro momento). Contudo, a Igreja instaurou-se ali pela grande presença de eclesiásticos na região, que de “[...]maneira expressiva e constante que, cumpridos pouco mais de dez anos do aparecimento das primeiras pepitas de ouro, a Coroa decidiu promulgar textos cerceadores e proibitivos quanto à fixação de religiosos e à construção de estabelecimentos que viessem a abrigar congregações religiosas”[23]. A vida religiosa em Minas foi implementada por entidades leigas; as irmandades contratavam os sacerdotes para as práticas religiosas e celebrações de ofícios.

As irmandades precederam a Igreja e a monarquia na região mineira. Quando o Estado ali chegou, em 1711 com Antônio de Albuquerque, as irmandades já possuíam forte presença. Ao longo do tempo, essas pequenas igrejas deram espaço às matrizes.“[...] a sociedade, por intermédio das irmandades, incumbiu-se dos gastos substanciais com a vida religiosa das Minas Gerais Setecentistas, desonerando a monarquia de fazê-los. Este, por seu turno, cuidou de estimular a formação e a multiplicação de tais organizações, ao mesmo tempo em que trazia sob severa fiscalização as suas contas e o acúmulo de patrimônio que elas iam levando a efeito”[23].

Não é possível afirmar com exatidão as datas das primeiras irmandades na região mineira, contudo, imagina-se que elas tenham surgido junto com as primeiras capelas ali construídas. Essas capelas foram o centro da vida social e religiosa local, além de ponto de prática comercial, como ocorreu em muitas partes do Brasil.

Em outras regiões do país, como o nordeste, a “[...] religião e festas constituíam assunto fundamental na vida destes negros(as), principalmente quando passavam a fazer parte das irmandades. A rotina diária era interrompida muitas vezes ao longo do ano, pela organização ou a participação em diversas festas, que assinalam a quebra periódica desta rotina. Para os que as organizavam, as festas representam propriamente momentos de lazer, de trabalho intenso e prazeroso, no seu preparo e na sua realização[22]”. No sul, especialmente no Rio Grande do Sul, as irmandades mostram-se presentes nos processos de urbanização, uma vez que as cidades foram formando-se ao redor das capelas, pois com a presença das irmandades, havia a presença de freguesia, facilitando a concentração e expansão populacional[24]. A presença das irmandades nesta região foi de grande feito, pois “Se, por um lado, era precário o estado eclesiástico, devido à inexpressiva presença de párocos, no Rio Grande do Sul, especialmente em Porto Alegre, em função das distâncias, principalmente da sede do Bispado, que até meados do século XIX ficava no Rio de Janeiro, por outro, as irmandades estiveram presentes, desde cedo, na vida da população para suprir suas necessidades religiosas. Foi no decorre do século XIX, com a fundação do Bispado local, acrescentado ao aumento populacional, à modernização e à urbanização, que os porto-alegrenses passariam a contar com novas possibilidades de ratificação de seu sentimento religioso”[24]

Confrarias hoje[editar | editar código-fonte]

Essas instituições religiosas perduram até os dias atuais, constituindo polos de união e solidariedade, conforme dito pelo sumo pontífice para os confrades de Nossa Senhora da Cinta: "Vocês estão presentes em diferentes realidades eclesiais em suas dioceses, e dessa maneira colaboram para que a Igreja seja primeiramente casa, família, lugar de acolhimento e amor, em que todos, especialmente os pobres e marginalizados, possam sentir-se parte e nunca serem excluídos ou rechaçados."[25]

Entretanto, as confrarias também demonstram importância econômica no que tange o turismo histórico-cultural[26], segundo o sociólogo Reinaldo Dias: “O turismo religioso apresenta características que coincidem com o Turismo cultural, devido à vista que ocorre num entorno considerado como patrimônio cultural, os eventos religiosos constituem-se em expressões culturais de determinados grupos sociais ou expressam uma realidade histórico-cultural expressiva e representativa de determinada região.”[27]

Observa-se tal evento,por exemplo, na cidade de Limeira, em que os integrantes da irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, em ação conjunta da Prefeitura Municipal almejavam preservar a memória das festividades locais e recriá-las como espaço de sociabilidade.




  1. «confraria | Palavras | Origem Da Palavra». origemdapalavra.com.br. Consultado em 23 de maio de 2019 
  2. S.A, Priberam Informática. «Consulte o significado / definição de confraria no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, o dicionário online de português contemporâneo.». dicionario.priberam.org. Consultado em 23 de maio de 2019 
  3. «Confraria». Michaelis On-Line. Consultado em 23 de maio de 2019 
  4. Godechot, Jacques (28 de dezembro de 1969). «As grandes correntes da historiografia da Revolução Francesa, de 1789 aos nossos dias». Revista de História. 39 (80). 423 páginas. ISSN 2316-9141. doi:10.11606/issn.2316-9141.rh.1969.128913 
  5. Sá, Isabel dos Guimarães; Lopes, Maria Antónia (2008). «História breve das misericórdias portuguesas: 1498-2000». doi:10.14195/978-989-26-0420-6 
  6. Tragante, Christiane A. (31 de dezembro de 2009). «LAGROU, Els. 2009. Arte Indígena no Brasil: agência, alteridade e relação. Belo Horizonte: C/ Arte. 127p.». CAMPOS - Revista de Antropologia Social. 10 (2). ISSN 1519-5538. doi:10.5380/cam.v10i2.20263 
  7. Graça, Tereza Cristina Cerqueira da (6 de abril de 2006). «SOUZA, Laura de Mello e.(org) História da Vida Privada no Brasil: Cotidiano e vida privada na América Portuguesa. São Paulo: Companhias das Letras, 1997». Revista TOMO. ISSN 2318-9010. doi:10.21669/tomo.v0i0.4918 
  8. Silveira, Emerson José Sena da (2016). «UMA METODOLOGIA PARA AS CIÊNCIAS DA RELIGIÃO? IMPASSES METODOLÓGICOS E NOVAS POSSIBILIDADES HERMENÊUTICAS». PARALELLUS Revista de Estudos de Religião - UNICAP. 7 (14): 073–098. ISSN 2178-8162. doi:10.20426/p.2178-8162.2016v7n14p073 
  9. Livermore, H.; Boxer, C. R.; Boxer, Charles (1971). «Four Centuries of Portuguese Expansion, 1415-1825.». Pacific Affairs. 44 (2). 259 páginas. ISSN 0030-851X. doi:10.2307/2755382 
  10. Campos, Adalgisa Arantes (2011). O mecenato dos leigos: cultura artística e religiosa. Belo Horizonte: C/Arte. pp. 95–111 
  11. Sá, Isabel dos Guimarães; Lopes, Maria Antónia (2008). «História breve das misericórdias portuguesas: 1498-2000». doi:10.14195/978-989-26-0420-6 
  12. Livermore, H.; Boxer, C. R.; Boxer, Charles (1971). «Four Centuries of Portuguese Expansion, 1415-1825.». Pacific Affairs. 44 (2). 259 páginas. ISSN 0030-851X. doi:10.2307/2755382 
  13. Sá, Isabel dos Guimarães; Lopes, Maria Antónia (2008). «História breve das misericórdias portuguesas: 1498-2000». doi:10.14195/978-989-26-0420-6 
  14. Gomes, Angela de Castro. «Primeira República no Brasil: uma história da historiografia». Imprensa da Universidade de Coimbra: 55–93. ISBN 9789892608624 
  15. Livermore, H.; Boxer, C. R.; Boxer, Charles (1971). «Four Centuries of Portuguese Expansion, 1415-1825.». Pacific Affairs. 44 (2). 259 páginas. ISSN 0030-851X. doi:10.2307/2755382 
  16. Sá, Isabel dos Guimarães; Lopes, Maria Antónia (2008). «História breve das misericórdias portuguesas: 1498-2000». doi:10.14195/978-989-26-0420-6 
  17. Sá, Isabel dos Guimarães; Lopes, Maria Antónia (2008). «História breve das misericórdias portuguesas: 1498-2000». doi:10.14195/978-989-26-0420-6 
  18. Sá, Isabel dos Guimarães; Lopes, Maria Antónia (2008). «História breve das misericórdias portuguesas: 1498-2000». doi:10.14195/978-989-26-0420-6 
  19. PENTEADO, Pedro. Confrarias. In: AZEVEDO, Carlos Moreira (dir.). Dicionário de História Religiosa de Portugal. Lisboa: Centro de Estudos Religiosos, p.15-52.
  20. a b CRUZ, Teresa Cristina de C. (2007). As irmandades religiosas de africanos e afrodescendentes. [S.l.]: PerCursos 
  21. a b «BOSCHI, Caio César. Irmandades, religiosidade e sociabilidade». Scribd. Consultado em 6 de junho de 2019 
  22. a b c d e JUNIOR, José (2009). «Irmandades Religiosas: espaços de devoção e disputas políticas na Paraíba oitocentista» (PDF). ANPUH. Consultado em 3 de junho de 2019 
  23. a b c d BOSCHI, Caio C. (2007). «História de Minas Gerais: as Minas setecentistas». Autêntica. Consultado em 3 de junho de 2019 
  24. a b TAVARES, Mauro Dillmann (2007). «Irmandades religiosas, Devoção e ultramontanismo em Porto Alegre no Bispado de Dom Sebastião Dias Laranjeira (1861 –1888). Dissertação (mestrado)» (PDF). Universidade do Valo do Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em História. Consultado em 3 de junho de 2019 
  25. «No seu quarto centenário, Confraria de Tortosa é recebida pelo Papa». Consultado em 26 de maio de 2019 
  26. Augusti; Boschiero; Ruy, V. M.; Daniela; D. P. (2005). A festa e a Igreja Nossa Senhora da Boa Morte e Assunção: patrimônios a serem reservados. Limeira: Artigo – ISCA Faculdades 
  27. DIAS; SILVEIRA, Reinaldo; Emerson J. S. (2003). Turismo religioso: ensaios e reflexões. Campinas: Alínea. 149 páginas