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Hôpital général de Paris

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O Hospital Geral de Paris (em francês: Hôpital général de Paris) foi uma instituição do Antigo Regime, destinada a ser um local de confinamento dos pobres.[1] Criado por um decreto real durante o reinado de Luís XIV, em 1656, tinha como objetivo resolver o problema recorrente da mendicância e da Cour des Miracles, bem como abrigar inválidos.[2][3] A autoridade do Hospital Geral se estendeu além de suas instalações para incluir todos os pobres de Paris.[4]

O hospital serviu como foco principal de análise na obra do filósofo francês Michel Foucault, Loucura e Civilização.

Como outros países da Europa Ocidental, a França teve que lidar com um aumento da mendicância a partir do século XVI.[5] Esse aumento alimentou a ansiedade sobre a manutenção da estabilidade social, e motivou a criação de punições mais severas à mendigagem, como marcação a ferro, chicotadas e trabalhos forçados.[6] Nos anos anteriores ao estabelecimento do Hospital Geral, a devastação das guerras de Frondas resultou em um afluxo particularmente grande de mendigos para Paris.[7] A crescente população de mendigos chegou à aproximadamente 40.000 pessoas, muitas das quais eram refugiados empobrecidos durante as guerras.[7] Este montante teria constituído cerca de 10% da população parisiense.[8]

Para aliviar a miséria, em 1652, a Companhia do Santíssimo Sacramento, uma ativa instituição católica francesa, iniciou esforços de socorro centrados no desenvolvimento de um armazém de caridade.[7] No entanto, após o fim das guerras, a instituição passou a defender uma política de confinamento como solução, de longo prazo, para a pobreza e a mendicância na cidade.[7] A instituição já defendia confinar os pobres parisienses desde 1633, baseada num suposto sucesso do primeiro Hospital Geral em Lyon.[9] No entanto, esta solução proposta já tinha precedentes dentro da própria cidade. Por exemplo, de 1612 a 1618, o Hôpital des Pauvres Enfermés - uma das primeiras tentativas de construir um hospital geral parisiense - confinou mendigos locais e os submeteu a um sistema de trabalho forçado.[10] No entanto, esse esforço durou pouco devido as dificuldades financeiras, conflitos políticos e o aumento acentuado da população refugiada.[10] Mais tarde, em 1632, o Parlamento de Paris voltou a prender mendigos, desta vez usando-os como trabalhadores forçados para construção e manutenção da rede de esgotos da cidade.[11]

Desta forma, a ideia de confinamento já havia sido introduzida quando Christophe du Plessis-Montbard, um devoto membro da Companhia do Santíssimo Sacramento, começou a trabalhar com o Parlamento, em 1653, no desenvolvimento do projeto para um novo hospital geral parisiense.[7] Também contribuiu para moldar esses planos a Les Dames de la Charité, uma instituição de mulheres seculares ricas, lideradas na época por Marie Madeleine d'Aiguillon.[12] O Hospital Geral de Paris foi criado três anos depois, em 1656, por um decreto real de Luís XIV.[13] O hospital foi munido de autoridade não somente em suas instalações, mas também de jurisdição sobre todos os moradores pobres da cidade.[4]

Michel Foucault identificou a fundação do Hospital Geral de Paris como um momento-chave na tendência continental de confinamento dos pobres.[14] Hospitais semelhantes foram criados durante o mesmo período na atual Suíça, Reino Unido, Polônia, Alemanha, Rússia e Irlanda.[15]

Funcionamento

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Instalações

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O Hospital Geral de Paris foi criado a partir da consolidação de uma série de instituições já existentes, com objetivos e gestão compartilhadas.[16] Esses estabelecimentos incluíam, inicialmente, a Maison de Saint-Louis de Salpêtrière, Maison de Saint-Jean de Bicêtre, Notre Dame de La Pitié, La Savonnerie e Scipion.[4] Posteriormente, a Maison du Saint-Esprit e os Enfants-Trouvés foram adicionados, e a La Savonnerie deixou de participar.[17] Em 1670, um decreto real acrescentou também o Hospital Foundling como abrigo para crianças abandonadas.[18] Em 1680, o Hospital Geral havia se expandido, incorporando um total de nove instituições diferentes.[3] Muitas das instituições que constituíam o hospital já haviam servido como instituições de caridade para diferentes grupos de indigentes.[16]

Embora o Hospital Geral não fosse uma instalação médica, um médico residente foi contratado para fazer visitas regulares às várias instituições que o constituíam.[1] Por fim, a partir de 1780, o médico Jean Colombier começou a introduzir uma expansão substancial dos equipamentos médicos do hospital, dado sua função de inspetor de hospitais e prisões nomeado pelo rei. Ele criou instalações com pessoal médico no Salpêtrière e no Bicêtre.[19] Já antes disso, o Hospital Geral buscou contribuir para a pesquisa médica, por meio de um acordo confidencial pelo qual prisioneiros mortos do Salpêtrière poderiam ser usados por pesquisadores do Jardim Real das Plantas Medicinais para estudo nos cadáveres (francês: Jardin royal des plantes médicinales).[20]

Administração

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Mesmo que o projeto do Hospital Geral tivesse sido desenvolvido pelo Parlamento, na prática o hospital estava muito mais ligado ao poder real.[21] A Companhia do Santíssimo Sacramento também foi determinante para o funcionamento do Hospital Geral: doze dos vinte e seis diretores vitalícios, nomeados por decreto real em 4 de maio de 1656, eram membros da instituição.[16] O conselho administrativo era compartilhado com o Hôtel-Dieu, outro grande hospital de Paris.[22] Os integrantes do conselho administrativo eram figuras governamentais importantes, desde o presidente do Parlamento e o arcebispo de Paris até o tenente-general da polícia.[22] Abaixo dessa diretoria havia outra comissão (especificamente para o Hospital Geral) composta por leigos.[22] A supervisão diária do hospital, entretanto, era realizada pela Les Dames de la Charité, por meio de uma irmandade secular chefiada por Marie Bonneau de Rubelle, Mme de Miramion.[23]

Após o início da Revolução Francesa, um decreto da Assembleia Nacional Constituinte de dezembro de 1789 delegou aos departamentos governamentais a supervisão dos hospitais de Paris, casas de caridade, prisões, entre outras instituições relacionadas, centralizando suas administrações sob uma única autoridade.[24] Em abril de 1791, os hospitais de Paris (incluindo o Hospital Geral) foram colocados sob a administração de um comitê de cinco membros, abolindo suas administrações individuais.[24]

Financiamento

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Inicialmente, foi decidido que o hospital seria financiado em grande parte por doações.[16] Este planejamento orçamentário causou problemas financeiros durante os séculos XVII e XVIII, pois o aumento da população de internos do hospital gerava despesas crescentes.[25] A dependência de doações também significava que as políticas do hospital às vezes eram influenciadas pela vontade de seus doadores, especialmente em questões religiosas.[26][27] Por exemplo, durante a fundação da instituição, as Les Dames de la Charité ameaçaram retirar suas doações se integrantes das Filhas da Caridade (francês: Filles de la Charité) não tivessem vagas garantidas no hospital.[26] Embora a comissão fundadora se opusesse a envolver ordens religiosas na administração do hospital, no final as Filhas da Caridade receberam seus cargos.[26]

Uma fonte relevante de financiamento foram as multas e impostos, muitos dos quais estabelecidos como fontes de receita desde a fundação do hospital.[16] Por exemplo, até a Revolução, um imposto octroi incidia sobre vinhos e licores, gerando receitas substanciais para o Hospital Geral e o Hospital Foundling (cujas finanças eram mantidas separadas[18]).[28] As receitas obtidas com multas por violação das regras da bolsa de comércio parisiense também contribuíram para o financiamento do hospital.[29]

Outro desafio de financiamento vinha do fato que - ao contrário dos outros hospitais gerais franceses - o Hospital Geral de Paris confinava muitos internos não parisienses.[30] Por exemplo, após a crise de falta de alimentos em 1662, o hospital foi obrigado a dobrar sua dívida para acomodar as despesas associadas ao aumento de internos.[31] Para economizar dinheiro, as vilas e cidades próximas estavam enviando seus moradores indigentes para capital.[31] Para ajudar a reduzir a tensão em Paris, um decreto real foi emitido instruindo todas as cidades e vilas francesas a criar seus próprios hospitais gerais.[31][32]

A reestruturação administrativa feita após a Revolução Francesa eliminou algumas das maiores fontes de receita do hospital, iniciando um período de declínio financeiro.[24][33]

O encarceramento se iniciou na segunda-feira, 14 de maio de 1657, quando a milícia - popularmente chamada de "arqueiros dos pobres" - começou a prender mendigos e entregá-los ao Hospital Geral.[34] Em seu primeiro ano, a instituição abrigava 6.000 pobres,[35] o que representava cerca de um por cento da população de Paris.[36] A maioria de seus internos eram voluntários, como crianças órfãs, idosos ou doentes.[35] Mesmo os reclusos voluntários estavam sujeitos a um nível de coerção.[35] Em relação aos internos involuntários, o hospital só tinha espaço para confinar algumas centenas de mendigos.[35] Isso se tornaria uma tendência duradoura na demografia do hospital: embora um dos objetivos principais do hospital fosse aprisionar pobres - pessoas imorais ou mendicantes, mas capazes de trabalhar - a maior parte de seu espaço seria usada para abrigar pobres inválidos - aqueles velhos demais, jovens ou doentes que não tinha recursos para se sustentar.[37] A maioria dos pobres foi alojada no Salpêtrière e no Bicêtre,[37] embora as vagas para criminosos tenham sido eliminadas nestas instituições: em 1795 na primeira, e em 1836 na segunda.[38] Havia também um pequeno número de presos políticos detidos no hospital.[39]

No começo do século XVIII, a população do Hospital Geral estava entre 8.000 e 9.000 pessoas.[37] Na segunda metade daquele século, a população havia crescido substancialmente: em 1786, as instituições que abrigavam o hospital tinham 12.000 indivíduos sob seus cuidados, e supervisionavam outros 15.000 enjeitados não alojados dentro de seus muros.[40]

O Salpêtrière, quatro anos após sua fundação, abrigava 1.460 mulheres e crianças.[41] Com o tempo, a população aumentou exponencialmente, com um censo de maio de 1713 registrando uma população de 4.079 internos.[37] Essa número representava cerca de 80% dos pobre inválidos, como crianças, mulheres com diagnóstico de demência, casais idosos, mães, e mulheres grávidas e doentes. Cerca de 20% dos ocupantes eram pobres, como mendigos ou vagabundos.[37] Antes da Revolução, a população de Salpêtrière havia crescido para 10.000, sendo dividida em quinze prédios separados, incluindo prisões para criminosos e prostitutas, um hospício, um reformatório para meninas e um asilo.[8]

O Bicêtre tinha 1.313 internos na época do censo de maio de 1713.[37] A divisão dos encarcerados era semelhante à do Salpêtrière: 74% dos internos eram pobres inválidos, como deficientes físicos ou mentais, mendigos cegos e portadores de sífilis; 26% eram mendigos, criminosos e vagabundos.[37]

As crianças eram uma parcela significativa dos internos do hospital. Em 1786, quatro das instituições do hospital eram ocupadas inteiramente por órfãos e enjeitados.[32] Um dos motivos era que, a partir de 1680, crianças desobedientes ou indisciplinadas eram mandadas por seus pais para viver nos reformatórios de Salpêtrière e Bicêtre.[3]

Dado que o Hospital Geral tinha autoridade sobre todos os pobres de Paris, seus diretores concentravam poderes punitivos paralelos aos tribunais: de acordo com o decreto de fundação, os diretores tinham o poder de utilizar “estacas, ferros, prisões e masmorras no dito Hospital Geral, e os locais para isso eram concedidos tanto quanto se julgassem necessários, não cabendo recurso às normas estabelecidas dentro do referido hospital.”[42]

Na parte interna do Hospital Geral a rotina dos internos era meticulosamente regulada. Havia um código de vestimenta de túnicas e gorros cinzas, que eram distribuídos pela administração, e suas rotinas diárias de trabalho, oração e refeições eram rigorosamente programadas.[43] No século XVIII, o Hospital Geral empregava uma equipe permanente de cerca de quinhentas pessoas.[37] Embora a vida cotidiana fosse organizada, as condições de vida podiam ser insalubres. Um comitê da Assembleia Nacional Constituinte, em 1790, considerou Salpêtrière e Pitié superlotados e malcheirosos, com muitos presos sofrendo de doenças como micose e coceira.[44]

O trabalho era um componente-chave da vida no Hospital Geral, por razões punitivas ou reformadoras. Os presos eram forçados a trabalhar em oficinas, participando de tarefas como tricô, fiação e tecelagem.[43] Se recusar a trabalhar era punido com exercícios físicos intensivos em Bicêtre.[43] Este sistema não trazia benefícios econômicos para a instituição; ao contrário, era uma grande despesa realizada em prol da instrução moral e da reeducação.[43] No entanto, a administração do Hospital Geral tentou, muitas vezes, sem sucesso, rentabilizar a produção, transformando prédios como Pitié e Bicêtre em fábricas para tarefas como rendado e polimento de espelhos.[45]

Jovens enjeitados que viviam fora dos muros do hospital também trabalhavam, muitos deles morando em fazendas na zona rural.[32] Quando ficavam mais velhos, continuavam com o trabalho agrícola ou voltavam para o hospital até a idade adulta.[32] Se eles voltassem, as meninas aprenderiam tarefas domésticas e os meninos seriam aprendizes nas guildas e empresas de Paris, um acordo que datava da fundação do hospital.[32] No século XVIII, no entanto, as oficinas estavam em declínio.[46]

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