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Hiroshima (filme de 1953)

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Hiroshima
ひろしま
Hiroshima (filme de 1953)
A atriz Yumeji Tsukioka cercada por crianças vítimas da bomba atômica, em cena do filme
 Japão
1953 •  p&b •  109[1] min 
Direção Hideo Sekigawa
Produção Takeo Ito[1]
Roteiro Yasutaro Yagi[1]
Baseado em Children Of The A Bomb: Testament Of The Boys And Girls Of Hiroshima por Arata Osada
Elenco
Música Akira Ifukube[1]
Cinematografia Yoshio Miyajima[1]
Edição Akikazu Kono
Companhia(s) produtora(s) Sindicato dos Professores do Japão[1]
Distribuição Hokusei[1]
Lançamento
  • 7 de outubro de 1953 (1953-10-07) (Japão)[1][2]

Hiroshima (ひろしま) é um filme japonês do gênero docudrama de 1953 dirigido por Hideo Sekigawa sobre o bombardeio atômico de Hiroshima e seu impacto na cidade.[3] Conta a história de um grupo de professores, seus alunos e suas famílias nos anos subsequentes a bomba.[4] Numa sequência de flashbacks, dezenas de milhares de figurantes de Hiroshima, muitos deles sobreviventes reais do desastre, ajudaram a recriar a “paisagem infernal” após a imediata queda da bomba.[5]

O filme foi baseado nos relatos de crianças sobreviventes da catástrofe compilados pelo Dr. Arata Osada[6] em seu livro best-seller de 1951, Children Of The A Bomb: Testament Of The Boys And Girls Of Hiroshima (Genbaku no Ko), que foi impresso pela editora Iwanami Shoten. Durante as décadas de 1930 e 1940, esta editora, criada por Shigeo Iwanami, teve problemas legais no Japão devido à sua posição crítica em relação ao belicismo nacional.[4][7][3] Produzido com o apoio do Sindicato dos Professores do Japão, a postura "antiamericana" e o conteúdo gráfico do filme impediram que ele fosse amplamente divulgado. Caiu no esquecimento, mas ressurgiu no final de 2010.[5] Muitos atores e a equipe técnica do filme desempenharam papéis importantes no cinema japonês do pós-guerra.[8]

Hiroshima se inicia numa sala de aula onde alunos e um professor ouvem uma transmissão de rádio detalhando a detonação de uma bomba nuclear, Enola Gay, na cidade em 6 de agosto de 1945. Uma garota grita: "Basta! Chega!" e seu nariz começa a sangrar. É revelado que ela e um terço da turma sofrem de leucemia, também conhecida na região como a "doença da bomba atômica".[3]

O filme mostra como grupos de pessoas lidam com o sofrimento causado pela explosão. As crianças estão no centro da narrativa.[3] Muitos se tornaram "necrófagos rebeldes" vendendo lembrancinhas aos turistas. Outra criança, que abandonou a escola, lida com o trauma brincando.[5] Há uma ênfase na discriminação contra as vítimas da explosão, conhecidos como hibakusha.[3]

Flashbacks, em sequência, mostram a cidade anterior a explosão, no momento da detonação e as consequências futuras na região. Logo depois, "combinando imagens documentais e encenações, Sekigawa apresenta um panorama de confusão, angústia e miséria avassaladora". A cidade se torna uma "paisagem infernal [que] está repleta de corpos devastados e edifícios em ruínas, formando imagens abstratas de estruturas e membros despedaçados, um retrato fragmentário de chamas, destruição, roupas esfarrapadas e derramamento de sangue. As vítimas chamam seus entes queridos, colegas de trabalho e colegas de classe, qualquer um que sobreviveu".[3]

O filme critica duramente a burocracia militar imperial japonesa, descrevendo-a como "tolamente unidimensional, míope e desprovida de bússola moral". Um exemplo exibido no filme, são os militares continuando a exigir a máxima lealdade ao Imperador mesmo após a explosão, enquanto estão cercados por escombros em chamas.[5]

Além dos japoneses, os militares dos Estado Unidos também estão envolvidos na catástrofe. A própria presença de soldados americanos, exibida no Memorial da Paz de Hiroshima no filme, contrariava os esforços dos censores japoneses para remover qualquer menção à ocupação americana após a guerra e alegar que os japoneses estavam “assumindo o controle do seu novo destino democrático sem a influência das potências aliadas”.[5]

A atriz Isuzu Yamada em cena do filme
Cidadãos vítimas de exposição à radiação
Yumeji Tsukioka saindo de destroços

Um antes de produzirem Hiroshima, o Sindicato dos Professores do Japão (JTU) contratou o diretor Kaneto Shindō, natural de Hiroshima, para fazer uma adaptação cinematográfica do livro Children Of The A Bomb, com o objetivo de retratar o bombardeio e seus efeitos negativos nas redondezas. Tendo sido motivada, em parte, pela culpa coletiva que os professores tem ao promoverem o dogma imperialista japonês ao encorajar os estudantes a morrerem e jurarem honra ao seu país, a JTU estava ansiosa por apresentar e transferir o tema a um filme. Shindō dirigiu Genbaku no Ko (1952), que fez um sucesso considerável no Japão e estreou internacionalmente no Festival de Cinema de Cannes de 1953. A JTU, porém, não gostou do filme. Eles alegaram que Shindō havia "transformado [a história] em um filme lacrimoso e destruído sua orientação política", pois não mencionou a causa da guerra nem condenou aqueles que a motivaram. Assim, financiaram imediatamente outra adaptação de Children Of The A Bomb, desta vez recorrendo ao cineasta Hideo Sekigawa, que era conhecido pelas suas tendências comunistas.[5] Em 1950, Sekigawa havia filmado o filme Gunkan sudeni kemuri nasi, longa esse que se passa no Myanmar durante a Guerra do Pacífico e foi inspirada em uma coleção de cartas de estudantes japoneses que morreram em batalha.[5]

O filme contou com a colaboração dos moradores locais de Hiroshima.[5] Sobreviventes do bombardeio, sindicalistas e outros moradores da cidade participaram no grande número de figurantes utilizados no filme, que chegou a cerca de 90 mil pessoas nos sets.[10][5] A presença deles ajudou a recriar a sensação de confusão em massa nas cenas após o detonamento da bomba. Alguns até emprestaram suas tigelas e outros pertences da explosão como adereços para o filme; a própria equipe também “trabalhou incansavelmente para coletar entulhos e trapos para a produção do filme”.[10] As autoridades municipais e as empresas locais também apoiaram muito na elaboração do projeto.[5]

Yumeji Tsukioka, atriz nascida e criada em Hiroshima, que já havia estrelado Nagasaki no kane (1950), outro filme sobre o lançamento de uma bomba atômica, mas dessa vez em Nagasaki,[10][11] e Banshun (1949) de Yasujiro Ozu, recorreu à produtora com a qual tinha contrato na época, a Shochiku, para que a deixasse atuar no filme sem nenhum pagamento.[5] Ela disse que queria "contribuir para a sociedade e ajudar a prevenir 'guerras em grande escala'".[3]

A trilha sonora "sombria e convincente" do filme foi composta por Akira Ifukube, que mais tarde também comporia para Godzilla, com uma "temática nuclear", de 1954.[3]

O filme foi muito bem recebido pela crítica em seu lançamento, mas teve estreia em poucos cinemas pelo Japão.[3][10] Ele permaneceu no esquecimento por décadas, mas teve um renascimento e maior número de interessados na obra no final da década de 2010.

Seus produtores e distribuidores divergiram sobre a possibilidade de cortar cenas, e o filme não teve um lançamento mais amplo.[10] Os patrocinadores do filme primeiro procuraram distribuição nos grandes estúdios nacionais. A Shochiku, supostamente, exigiu cortes, julgando o filme muito "antiamericano" e "cruel", e interrompeu o processo de lançamento. Todos os cinco grandes estúdios se recusaram a lançar o filme depois disso. A JTU acabou autodistribuindo o filme, mas o lançamento foi limitado.[5] Eles realizaram exibições em escolas e centros comunitários, embora o Ministério da Educação, Ciência, Esportes e Cultura considerasse que era muito “antiamericano” para mostrar aos estudantes.[5][8]​ O filme foi um sucesso comercial.[8]​ As posições comunistas de Sekigawa e sua subsequente incursão no cinema menos "intelectual" contribuíram para o anonimato do filme nas décadas seguintes.[3]

Em 1955, Hiroshima foi lançado nos Estados Unidos, em versão editada. Foi a primeira vez que muitos americanos puderam ver imagens dos efeitos da bomba.[5] Em 1984, a JTU contratou uma empresa com sede em Tóquio, para distribuir o filme, e lançou um DVD em 2005.[12]

Ippei Kobayashi, filho do assistente de direção do filme, Taihei Kobayashi, tentou reexibir o filme em público, mas não teve sucesso.[10] No entanto, ele começou a exibi-lo de forma independente em 2008 e recrutou estudantes voluntários da Universidade Ritsumeikan para traduzir os diálogos originais para o inglês.[10][12] Kai Kobayashi, seu filho e também produtor de cinema, continuou o projeto de relançá-lo no final de 2010. Ele digitalizou o filme em 2017, e o exibiu nas cidades de Kyoto e Hiroshima em 2019.[10] O filme foi transmitido no FilmStruck em 2018 e foi lançado em Blu-ray pela Arrow Films em 2020.[4][5]

O crítico francês de cinema, Enrique Seknadje, destaca a dimensão didática do filme: “quer informar o espectador sobre os efeitos da bomba no curto e no longo prazo, quer dar voz e nome aos Hibakuchas - pessoas afetadas pela bomba -, quebrar a laje de chumbo levantada pelos vencedores e pressionar os japoneses a não esconderem mais vergonhosamente a parte da população que foi afetada pela tragédia, a acabar com a indiferença demonstrada por aqueles que não foram diretamente irradiados. Números, são fornecidos dados médicos. A introdução de material de arquivo serve tanto para dar peso a esta dimensão pedagógico-documental do filme como para dar mais credibilidade à representação do percurso dos protagonistas que a câmara acompanha."[13]

Isuzu Yamada mais tarde desempenhou um papel inspirado em Lady Macbeth na adaptação de Akira Kurosawa, Kumonosu-jō (1957),[3] e em outros filmes do diretor.[8] O compositor do filme, Akira Ifukube, compôs o "temática nuclear" para Godzilla (1954) e em uma série de filmes da franquia.[3] Em seguida, o cinegrafista Yoshio Miyajima filmaria os filmes de Masaki Kobayashi, Harakiri e Kwaidan.[8]

O filme francês Hiroshima, Meu Amor (1959) de Alain Resnais, contou com o ator principal deste filme, Eiji Okada, e incorporou algumas cenas de Hiroshima.[5] Okada mais tarde apareceu no filme new wave japonês Suna no Onna (1964).[3]

Referências

  1. a b c d e f g h i j k l m n «ひろしま». Kinenote (em japonês). Consultado em 15 de agosto de 2023 
  2. «ひろしま». Japanese Movie Database (em japonês). Consultado em 15 de agosto de 2023 
  3. a b c d e f g h i j k l m n o Jeremy Carr (23 de outubro de 2020). «The Inferno and its Impact: Hideo Sekigawa's Hiroshima» [El infierno y su impacto: Hiroshima de Hideo Sekigawa]. FilmInt.nu (em inglês). Consultado em 17 de novembro de 2022 
  4. a b c d «Hiroshima Blu-ray | Arrow Films». arrowfilms.com (em inglês). Consultado em 17 de novembro de 2022 
  5. a b c d e f g h i j k l m n o p q Kazu Watanabe. «A Tale of Two Hiroshimas». The Criterion Collection (em inglês). Consultado em 17 de novembro de 2022 
  6. Enrique Seknadje. «Hideo Sekigawa – « Hiroshima » (1953) – DVD + Blu-Ray» (em francês). Consultado em 17 de novembro de 2022. Arata Osada fue profesor en la Universidad de Letras y Ciencias de Hiroshima y luego, tras su destrucción, trabajó en su reconstrucción y enseñó allí hasta su jubilación. Se ocupó de la educación y la protección de los niños en el Japón de la posguerra. 
  7. Enrique Seknadje. «Hideo Sekigawa – « Hiroshima » (1953) – DVD + Blu-Ray» (em francês). Consultado em 17 de novembro de 2022 
  8. a b c d e Kotzathanasis, Panos (25 de setembro de 2018). «Film Review: Hiroshima (1953) by Hideo Sekigawa». Asian Movie Pulse (em inglês). Consultado em 17 de novembro de 2022 
  9. a b «HIROSHIMA (1953)». BFI (em inglês). Consultado em 24 de outubro de 2020. Arquivado do original em 8 de junho de 2020 
  10. a b c d e f g h «1953 Hiroshima film with some 90,000 extras back in theaters with English subtitles». Mainichi Daily News (em inglês). 5 de agosto de 2019. Consultado em 17 de novembro de 2022 
  11. Matt Cooper (25 de julho de 2021). «Hiroshima (1953) by Hideo Sekigawa». Consultado em 17 de novembro de 2022 
  12. a b «Hiroshima: 70 Years After the A-bombing: A-bomb films, manga stories reach beyond national borders». Hiroshima Peace Media Center (em inglês). Consultado em 24 de outubro de 2020 
  13. Enrique Seknadje. «Hideo Sekigawa – « Hiroshima » (1953) – DVD + Blu-Ray» (em francês). Consultado em 17 de novembro de 2022 

Ligações externas

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