Usuário:DAR7/Testes/História do Brasil/Companhia de Jesus no Brasil

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Companhia de Jesus
 
Societas Iesu
Brasão Companhia de Jesus
AD MAIOREM DEI GLORIAM
Para a maior glória de Deus
sigla
S.J.
Tipo: Ordem religiosa católica
Fundador (a): Santo Inácio de Loyola
Local e data da fundação: Paris, 15 de agosto de 1534
Aprovação: 27 de setembro de 1540, por Papa Paulo III
Superior geral: Superior = Pe. Arturo Sosa
Membros: 18.516 (2009)
Atividades: missionário e educacional
Sede: Borgo Santo Spirito 4, CP 6139, ItáliaRoma
Site oficial: http://www.sjweb.info/
Portal Catolicismo · uso desta caixa

A história da Companhia de Jesus no Brasil teve início com a chegada dos jesuítas em 1549 à Bahia. Então fundaram um colégio e iniciaram a catequese dos índios. Posteriormente, já na segunda metade do século XVIII, seriam expulsos de Portugal e de suas colônias pelo Marquês de Pombal. Atualmente, possuem vários colégios e universidades dispersos pelo país, além de paróquias e atuação no apostolado social, bem como na formação do clero, religiosos e leigos católicos.

Eram simples ou ricos? Liberais ou escravocratas? Foram libertários ou libertinos? Santos ou do pau oco? Depois de quase quatrocentos anos, a função que os jesuítas desempenharam no Brasil colonial continua especulativa. Entre 1549, quando do seu desembarque na Bahia, e 1759, durante a sua expulsão de Portugal e de suas colônias pelo Marquês de Pombal, os jesuítas se mostraram uma das forças que mais atuavam para colonizar e conquistar o Brasil. Não fossem eles, a companhia colonial haveria tido demais caminhos e objetivos — quais, não é fácil imaginar. Avaliar o grupo do trabalho dos jesuítas, de acordo com o critério de significados que existem hoje, é cair em um equívoco que chama muito a atenção assim como o dos mesmos padres do século XVI. Os religiosos pretendiam julgar o pensamento e os hábitos dos índios segundo a fé e as regras religiosas europeias do final daquela época — um tempo assinalado pela intolerância religiosa, pela superioridade racial e, sobretudo, pela Contrarreforma.[1] A partir do começo, a especulação se encontrava no centro da obra dos jesuítas, porque, apesar do seu antagonismo em tese, colonialismo e catequese continuaram andando de mãos dadas. A luta dos jesuítas foi contrária à escravidão dos índios, no entanto, o plano catequizador posto em prática — e o resultante acúmulo dos nativos em aldeamentos ou “missões” — não somente terminou em tragédia, devido aos sérios aparecimentos de doenças infecciosas, como tornou fácil o trabalho dos escravagistas. Os mesmos jesuítas, liderados pelo padre Nóbrega, possuíam escravos e criam na doutrina aristotélica da verdadeira escravidão de populações consideradas “inferiores”. Para proteger os aborígenes, incentivaram o comércio de africanos. Entretanto, no momento do rompimento do acordo de paz com os tamoios pelos portugueses, nada foi feito pelos clérigos.[1]

Os jesuítas se interessaram em sujeitar os índios para a insuportável tarefa regrada, para rigidez das horas, para o latim e para um só casamento. Lutaram contra a alimentação de carne humana, os matrimônios multiplicados e as viagens de pessoas sem habitação fixa — e, dessa forma, desestruturaram culturalmente muitas aldeias que foram empurradas por essa desorganização cultural para serem extintas. Em contrapartida, foi por causa do serviço dos propagadores do evangelho que acabou se dando a preservação e o registro do idioma e de suas regras gramaticais.[1] Não há coisa melhor para refletir algo dúbio, pelo qual foi marcada a atividade jesuítica no Brasil, que a época em que São Paulo foi fundada, em 1554. Foi autorizado pelo padre Nóbrega, o qual estava pronto para a catequização dos guaranis paraguaios, que um posto avançado fosse estabelecido no planalto de Piratininga. Entretanto, São Paulo se transformou num polo de escravidão e, daquela altura, expulsaram-se os padres da Companhia de Jesus. Nóbrega nunca foi autorizado a mandar uma missão para o Paraguai, em que os jesuítas espanhóis concretizariam o trabalho catequizador — e, depois, os bandeirantes de São Paulo, os quais se instalaram na cidade fundada por Nóbrega e Anchieta, a destroçaram.[1]

De qualquer jeito, é provável que, afinal de contas, o desempenho da função pelos jesuítas no Brasil foi um tremendo conservadorismo. Fundada como uma espécie de “exército cristão”, a Companhia de Jesus se transformou na mais importante instituição contrarreformista, sendo a favor da Inquisição e das regras limitantes que o Concílio de Trento ditava, combatendo os progressos do humanismo renascentista, os pensamentos da filosofia e discussões culturais — e os livros. Apesar disso, sem as mensagens e relatórios metódicos desses padres — um passo não era dado, em prática, pelos jesuítas, sem ser registrado —, não se poderia realizar a reconstituição da história do Brasil colonial.[1]

A semente amarga da Contrarreforma e Santo Inácio de Loyola[editar | editar código-fonte]

Durante a colocação dos pés dos primeiros jesuítas na Bahia, tanto Portugal como Espanha — e, geralmente, a Europa católica — se encontravam ideológica e politicamente “fechados”. Certos historiógrafos portugueses têm denominado essa revolução “conservadora” de “grande viragem”. Ela foi constituída com base no processo de elaborar e implantar a Contrarreforma na Península Ibérica — e assinala, verdadeiramente, uma mudança nos caminhos da educação e da cultura não somente em Portugal e em Espanha, e também, no entanto, em suas colônias na América.[2]

Mais de 20 anos se passaram a partir da pregação das 95 teses na porta da igreja de Wittenberg, em outubro de 1517. A Igreja Católica Apostólica Romana tinha sido abalada por três décadas perplexas e inquietas. A reação começou no inverno de 1545, depois que foi instalado o Concílio de Trento e recrudescida a Inquisição. Apenas a “ortodoxia” católica havia se acentuado e toda a tarefa cultural que procurasse novos ares e mais liberdades pessoais possivelmente ver-se-ia (e se confundiria de propósito) com a “heresia” — e seria proibida com dureza pelos tribunais do catolicismo romano à época.[2]

Alguns anos antes, entretanto, uma espécie de “primavera renascentista” havia sido vivenciada por Portugal. Verdadeiramente, de 1530 até 1536, eco na monarquia fora encontrada pela tolerância espiritual e intelectual que o pensador Erasmo de Roterdã propôs e havia sido sugerido por D. João III que era possível conduzir o mesmo Erasmo para dar aula na recém-criada Universidade de Coimbra. Desde 1545, no entanto, o verdadeiro contrário dessa liberdade filosófica passou a substituí-la: a Inquisição, dentre cujas funções se encontrava a proibição de desenvolvimentos e progressos do humanismo renascentista.[2]

Entre os diversos grupos causadores deste processo de “fechamento” cultural, estava a Companhia de Jesus, cuja influência passou a ser cada vez maior no futuro de Portugal. Devido à “grande viragem” e por serem banidas demais opções culturais, os jesuítas se tornariam, desde 1546, uma das forças “políticas” que mais atuavam na coroa.[2]

Possivelmente, após a delação para a Inquisição por quaisquer dos iluministas que tiveram ligação a Erasmo, as universidades de Portugal começaram a ser somente controladas pelos jesuítas, e também, no entanto, o monarca (de quem foram os que confessavam) autorizou que eles mesmos estabelecessem sua rede de escolas no reino. Entretanto, os denominados Colégios de Jesus se encontravam aprisionados a definições de pedagogia da Idade Média e eram adeptos da escolástica — uma doutrina atrasada e tradicionalista. Tinha um currículo severo com rigidez e, apesar de a escolástica ser de base aristotélica, grego e hebraico eram considerados “suspeitos” e os discentes eram quase dedicados com exclusividade para o latim.[2]

Dentro de pouco tempo, quaisquer das características “culturais” da empresa colonial portuguesa se entregaram para os jesuítas, que se encarregavam igualmente de converter os “gentios” na Índia (e na Ásia inteira) e no Brasil. As colônias — principalmente o Brasil — foram desenvolvidas com ausência de livros, universidades, mídia, discussões e preocupações intelectuais: num termo, com a força do humanismo renascentista. “A inteligência brasileira viria a se formar subordinada à direção exclusiva da Companhia de Jesus, sob a proteção da Contra-Reforma e do Concílio de Trento”, da forma como foi diagnosticado por Wilson Martins. “Essa vontade de continuar a ignorância (…) teria condicionado o futuro mental do Brasil por três séculos”, apesar da criação do lema Ordem e Progresso na atual bandeira nacional adotada em fins do século XIX.[2]

Nóbrega, Anchieta, o poema na areia e os apóstolos do Brasil[editar | editar código-fonte]

Menos de dez anos foi fundada a Companhia de Jesus, em Roma. Isso ocorreu na metade do século depois da mensagem de Pero Vaz de Caminha para o monarca D. Manuel. Nessa carta, era ressaltado pelo cronista que “salvar os indígenas” era o fruto mais favorável possível de ser retirado dessa terra. Meio século depois dessa correspondência, os seis primeiros jesuítas entraram no Brasil, ao lado do governador-geral Tomé de Souza e chefiados pelo padre Manuel de Nóbrega. Quase a partir do primeiro dia, 29 de março de 1549, padres se chocaram contra os colonos, como pastores que lutam por um rebanho arisco. Na opinião dos colonos, os indígenas foram mão-de-obra importante, acessível e escrava — verdadeiro gado humano. Segundo os jesuítas, foram uma manada arredia a qual tinha que ser levada para o meio do cristianismo. O cumprimento do mesmo trabalho era exigido dos índios tanto pelos jesuítas quanto pelos colonos: o plantio do terreno. Os colonizadores realizaram-no com brutalidade, imediatismo e escravismo. Os jesuítas, em permuta do catecismo, aguardavam serviço organizado e metódico em seus cultivos. A produção agrícola que ultrapassava o limite teria sido fornecida para os povoadores no regime de escambo, que os mesmos padres supervisionaram.[3]

De 1552 e 1561, na administração de Mem de Sá, 34 mil indígenas em onze aldeias em torno de Salvador foram agrupados pelos jesuítas. No entanto, em 1562, “uma guerra justa” foi decretada aos caetés — pelos quais, pouco antes, havia sido devorado D. Pero Fernandes Sardinha, o mais antigo bispo em atividade no Brasil — por Mem de Sá. Nessa época, os aldeamentos foram atacados e 15 mil nativos escravizados pelos colonizadores, porque os colonos queriam capturar caetés catequizados. O mais desagradável foi previsto: no final de 1562 começou uma epidemia de varíola pela qual 15 mil aldeados foram mortos. 4 mil indígenas, em sua grande quantidade, foram entregues com deliberação como escravos para os colonos para não morrerem famintos. No Brasil, as “missões” foram definitivamente fracassadas por causa de tudo isso. A experiência se repetiria, depois de anos, em terras paraguaias, no Tape, no Itatim, e no Guairá, atraindo resultados ainda mais horrorosos.[3]

Nóbrega não foi impedido pela tragédia na Bahia a continuar mantendo relações favoráveis com o desembargador Mem de Sá — e nem seu amigo de confiança, Anchieta, a dedicar uma comprida poesia épica para o governador. Apesar de sua autonomia prática, uma vez que necessitavam serem reportados somente a Roma, os jesuítas buscavam estar próximos do poder colonial — principalmente devido à sustentação da ordem com fundos que o monarca lusitano enviava ao Brasil.[3]

Quando foi descoberto pelos colonizadores que os impostos pagos financiaram os jesuítas — e que, além de ter escravos e terras extensamente vastas, a Companhia de Jesus ainda negociava no comércio açucareiro —, a rebelião contrária aos padres não demorou muito para explodir. De qualquer forma, novos territórios para colonizar foram abertos pelo trabalho dos jesuítas — seus colégios e missões. Ademais, se os padres — especialmente Nóbrega e Anchieta — não atuassem no episódio chamado de Confederação dos Tamoios, a civilização portuguesa duvidosamente seria varrida para sempre do sul do Brasil, facilitando a entrada de uma França Antártica.[3]

Esplendor, queda das missões e o barroco guarani[editar | editar código-fonte]

Foram mais de 60 povoações, alguns com cerca de cinco mil moradores, espalhados numa superfície de 450 mil km², rodeados de ervais abundantes e grandes manadas. Agredidos cruelmente por cerca duma década, entre 1628 e 1641, ressurgiram com força e robustez redobradas. Em torno de 1700, sobravam somente os Trinta Povos Guaranis, no entanto, ali moravam mais de 150 mil pessoas. No apogeu de poder urbano, financeiro e cultural, entretanto, as extraordinárias reduções tinham voltado a serem destruídas — e daquela época para eternamente.[4]

Passaram dois séculos e meio, e a assombração foi despertada e a especulação inflamada pela prática que, em 150 anos, foi realizada pelos religiosos da Companhia de Jesus com os guaranis, no Paraguai, Paraná, Mato Grosso do Sul, norte da Argentina e oeste do Rio Grande do Sul. Foi dessa forma a partir do começo: hipóteses foram dadas pelos filósofos denominados de Voltaire, Diderot, Montesquieu e Bacon a respeito do projeto missioneiro. Monarcas, pontífices e militares do mais alto escalão o debateram. Finalmente, dois impérios se juntaram para vencê-lo.[4]

Enfim, o que significaram as missões jesuíticas paraguaias? Eram realmente um projeto socialista ou capitalista? Sua fundação foi baseada em A utopia de Thomas Morus ou o molde literário, pelo qual os jesuítas foram inspirados, seria o livro chamado de A República, de Platão, ou A Cidade do Sol, de Campanella? Até quando o trabalho dos religiosos foi misericordioso? Não seria antes a escolha mais certa para o extermínio de índios guaranis?[4]

Escreveram-se milhões de páginas, no entanto, as missões continuam um mistério — a não ser histórico, no mínimo, ideológico. Com azulejos escarlates e muros resistentes, suas ruínas — apodrecidas pelo tempo e pelos cipós — ainda hoje visitadas por guaranis que sobreviveram, somente vem acentuando os vestígios do mistério.[4]

As mais antigas missões — São Loreto e São Inácio, ambas na beira do rio Paranapanema, no que é hoje o estado do Paraná — foram criadas em 1609. Representam o marco inicial da primeira etapa das reduções guaraníticas, que teria se estendido antes de 1641, na época em que os religiosos autorizaram os índios que os nativos enfrentassem os bandeirantes paulistas, os derrotando na batalha de M′bororé. Durante estas cinco primeiras décadas, cerca de cinquenta missões foram fundadas pelos jesuítas. Estas reduções ficavam no Guairá (do rio Paranapanema até o Iguaçu no Paraná), no Itatim (na beira leste do Paraguai, no hoje estado de Mato Grosso do Sul), no Tape (oeste do Rio Grande do Sul) e do Uruguai ao Paraná (no Rio Grande do Sul e na Argentina).[4]

Das missões fundadas no começo do século XVII não sobram resquícios — elas foram como a de San Francisco Xavier, descrita pelo clérigo alemão Pauke em 1650: “As cabanas de palha dos índios, de dois metros e meio de altura, são separadas por um trilho de lama fedorenta. A igreja e as habitações dos padres são de couro e parecem tendas de ciganos. A igreja tem teto de palha, o sino é preso num poste e o altar é de tijolos de barro cozidos ao sol”.[4]

Ambos os heróis épicos dessa etapa inicial foram encontrados na imagem dos religiosos denominados de Roque González e Ruiz de Montoya. González, que desbravou o Tape, “pajé branco”, camponês, arquiteto, polemista e discursador, morreu em uma revolta arquitetada pelo pajé deposto chamado de Nessu. Ruiz de Montoya, o verdadeiro apóstolo, trabalhador que não se cansava, articulou o grande êxodo de 1630, quando da sua condução de dez mil indígenas em 700 embarcações e balsas por 300 km. O apóstolo e os nativos desceram rio e floresta, para longe das cataratas do Iguaçu e para além dos “terríveis paulistas”.[4]

Dez mil nativos marcharam epicamente através das matas e cachoeiras silvestres dos rios Paraná e Iguaçu — pelos quais foram cobradas no mínimo duas mil vidas, ademais de quatro mil fugitivos que pretenderam se esconder na floresta que ficar naquela viagem de desespero. Isso não foi só o castigo que os religiosos da Companhia de Jesus precisavam sofrer por um século pacífico. Teria havido então um segundo custo, apesar desse vir a possuir o doce gosto da vingança. No dia 11 de março de 1641, no arroio M'bororé, um tributário da beira oeste do Uruguai (na atual Argentina, cujo curso de água, no entanto, jamais se identificou completamente), os guaranis se esbarraram com mais um grupo de bandeirantes paulistas. Desta feita, entretanto, ganharam o conflito, exterminando cerca de 200 mamelucos (ver Bandeirantes, Entradas e bandeiras). Este seria o mais recente ataque dos cruéis caçadores de humanos.[4]

Os jesuítas, que se reagruparam entre os rios Paraná e Uruguai, começaram a restabelecer as reduções. Em onze períodos decenais tranquilos, o auge do projeto foi atingido e grandes cidadelas feitas de basalto e madeira de lei, principalmente araucária, foram construídas na verde planície do sul. Em cada um dos denominados Trinta Povos Guaranis moravam entre 1 500 e doze mil indígenas. Existiam somente dois jesuítas em cada missão: o padre e seu clérigo: eles trabalhavam como “pajés” caucasianos.[4]

Mesmo ainda, o cotidiano era semelhante ao de um quartel, o sino batia até o primeiro raio do sol e a missa era rezada para todos. Após ser distribuída papa de milho, os menores de idade desde os sete anos se dirigiam à escola. Em volta do colégio eram erguidas as oficinas dos artesãos. As atividades se iniciaram em torno das sete horas — horário igual em que, tendo cantado e portado santos estandartes, os agricultores foram ao trabalho nos campos comunais, os Tupa′mbê (ou terras de Deus). Em torno das onze horas, descansavam para o almoço. As tardes, geralmente, se dedicavam para se cultivar na terra da família, para as lições de música e latim e, realmente, para a catequese. Ao crepúsculo, todos foram recolhidos.[4]

Este espaço de monastério e militância era refletindo com clareza pelo projeto de arquitetura: foram mais de duas centenas de alojamentos que se dispunham em um plano de geometria rígida em volta de uma igreja forte. No entanto, os alojamentos não tinham coletividade no interior deles, toda a família possuía sua cela pessoal, porque uma das mais importantes lutas dos religiosos era não ser a favor da poligamia. O quadro (“Quem viu uma, viu todas”) era completado, pelo campanário pelo cemitério e pelas matas. O projeto era reinventado arbitrariamente pela paisagem e pelo espaço. Na igual escolha da denominação, pela qual a empresa foi batizada, o plano jesuítico era esclarecido em latim e em espanhol, “redução” quer dizer reagrupamento do que está espalhado. A noção, pois, era a “missão ou reunião dos guaranis para o civismo e para religião”.[4]

A experiência não teve pioneirismo: além de um desastroso esforço de Nóbrega e Anchieta na Bahia, os Mojos e Chiquitos já haviam sido reduzidos pelos jesuítas espanhóis (na opinião de certos autores o “comunismo” agrícola foi baseado nos moldes do império inca). O problema, pelo qual os Trinta Povos Guaranis foram os mais diferenciados — tendo acentuado seus paradoxos e precipitado seu triste fim — foi a sua localização na fronteira entre ambos os impérios foram razoavelmente um estado tampão.[4]

No ano de 1750, na época em que as missões foram maximamente expandidas, um acordo que trocou a colônia de Sacramento pelos Sete Povos, localizados na beira oeste do Uruguai, foi assinado por Portugal e Espanha. Um ultimato foi recebido por religiosos e índios: o rio deveria ser atravessado e abandonadas as terras dos padres em seis meses uma vez que ocorreu resistência, havia estourado depois a Guerra Guaranítica no dia 2 de fevereiro de 1756. Os 1 511 guaranis com poucas armas na coxilha de Caiboaté (RS) foram massacrados pelas forças terrestres de Portugal (cujo comandante foi Freire de Andrada) e Espanha, que se uniram e com mais de três mil homens. Três dias anteriores morreu em uma armadilha, Sepé Tiaraju, chefe e mártir guarani.[4]

Os Sete Povos foram esquecidos, no entanto, não puderam ser feitos pelos imigrantes açorianos que tinham sido trazidos para sua ocupação, visto que de 1761 até 1777 ocorreram as guerras e novos tratados. Após a Guerra de 1801 as fronteiras se encontrariam perto das de hoje. Entretanto, os jesuítas já foram mandados embora das Américas e dos 30 povos somente sobravam ruínas queimadas.[4]

Vieira e o Poder dos Sermões[editar | editar código-fonte]

De todas as vozes erguidas não somente em nome dos indígenas brasileiros, no entanto, também não a favor da política colonial desatinada, não existia outra com mais fluência, majestosidade e exatidão que a do padre Antônio Vieira. Apesar de ter sido o homem que mais discursava em português e dedicava grande parte de sua vida para a obra missionária, Vieira ultrapassou muito a retórica e a verdadeira caridade. Era diplomata, político e pastor. Evangelizou no interior longínquo, catequizou nos salões requintados. Catolicizou no Vaticano, apostolou no deserto. Tinha sido afrontado pelos colonizadores do Maranhão, foi vitimado pelos juízes corruptos da Inquisição. Se escapou escrevendo uma autodefesa bem feita. Era missionário na Amazônia, ministro d'el-rei em França, Países Baixos e Itália. Foi responsável pela composição de um catecismo em idiomas nativos e sermões reais admiravelmente formosos. “Pregando a palavra divina, anunciando o futuro, aconselhando os negócios humanos, sendo missionário dos gentios bárbaros, consolando os negros escravizados, defendendo os judeus oprimidos”, louvou-se, desprezou-se, desdenhou-se e aplaudiu-se Vieira e o reino foi enchido pela voz e pelos conselhos desse religioso. Ele se transformou em uma das mais importantes celebridades da história política de Portugal, que contribuiu para a formulação e para a execução. Após o golpe palaciano, pelo qual seu protetor D. João IV, de quem foi o aconselhador, foi derrubado, Vieira perdeu a confiança, foi aprisionado pela Inquisição (1665–1668) e após seis anos em Roma, voltou ao Brasil, realmente em exílio. Foi na Bahia que passou os 16 anos até morrer e onde tinha dado o passo que lhe garantiria que ele fosse imortal: editou seus 207 sermões — uma das raridades do idioma português.[5]

Nasceu em Lisboa no ano de 1608 e chegou com a família ao Brasil na idade de seis anos em 1614. Com 15, ingressou na Companhia de Jesus. Estreou na vida pública em 1626, com 18 anos, escrevendo uma mensagem de ano em que fazia críticas abertas dizendo que os jesuítas eram prometida e comprometedoramente ingênuos porque a empresa colonial era voraz. Em 1641, já depois de se ordenar sacerdote, tinha viajado para Lisboa para que prestasse fidelidade para o monarca D. João IV. Começou então uma comprida e frutífera amizade. Depois Vieira se chocou contra os religiosos da ordem dos dominicanos, pelos quais a Inquisição foi dirigida, tendo atacado “a cegueira delirante e o desatino que não se podia tolerar” de seu Tribunal. Partiu em nome dos judeus, tendo proposto a atração dos que se encontravam espalhados pela Europa para o reino de Portugal. Era favorável à liberdade comercial e contrário ao protecionismo. Costumava louvar as qualidades trabalhistas e criticava o pecado da preguiça. Gostaria de ser o profeta do mercantilismo português e fundou uma Companhia das Índias Ocidentais, que se assentava em capitais judaicos e com o perfil igual ao de sua correspondente holandesa. No entanto, a população da Península Ibérica não se encontrava pronta para hegemonizar o pensamento da burguesia, e Vieira fazia um sermão em uma atmosfera de hostilidade e suspeita. Seus projetos políticos também não deram certo: uma aliança de guerra com a França não foi conseguida por ele. Vieira não tinha conseguido adquirir Pernambuco dos holandeses que invadiram a região, nem com um contrato com o dominador. Afinal, não conseguiu se encarregar do casamento da única descendente do monarca castelhano com um príncipe herdeiro da coroa portuguesa, um plano de ambição pelo qual ambas as Coroas seriam novamente unidas. O reino de Vieira não foi daquele mundo. No entanto, seus projetos malogrados caminharam para que ele florescesse como um homem letrado.[5]

A outras ordens e palavras em ação[editar | editar código-fonte]

Embora tivessem sido os missionários que mais agiram e influenciaram na história brasileira, os jesuítas não eram os primeiros sequer os únicos que atuaram na colônia. Na esquadra cabralina chegavam oito franciscanos, dentre os quais o frei D. Henrique pelo qual foi rezada a mais antiga missa no Brasil. No decorrer dos primeiros séculos, o trabalho dos franciscanos foi continuado no Brasil. No entanto, já que eternamente foram mantidos perto do poderio colonial, não estavam envolvidos em especulações da mesma forma que os jesuítas. Os franciscanos constituíram a ordem religiosa que mais se afinava com as ideias colonialistas, abençoando engenhos e senzalas, concedendo o perdão, explicando e até vindo a promover que os indígenas “hostilizados” fossem escravizados e atacados, oferecendo capelães que seguiam os bandeirantes para o interior.[6]

Não se diz a mesma coisa dos capuchinhos — a discórdia extremista dos franciscanos, pela qual a própria ordem deles foi estabelecida em 1584. Ambos os capuchinhos mais famosos na história do Brasil colônia eram os franceses Claude D'Abbeville e Yves Evreaux. Os dois vieram para o Brasil no ano de 1612, na picada construída pelo franciscano André Thevet, acompanhante de Villegaignon para o Brasil, em 1555, e que rezou a mais antiga missa no Rio de Janeiro. No Maranhão, meio século depois, o mesmo papel de Thevet foi desempenhado por Abbeville: este último, conta, em suas crônicas, uma coragem que fracassou, a criação de França Equinocial.[6]

Os carmelitas se fixaram de maneira oficial no Brasil em 1580, vieram seguindo a expedição de Frutuoso Barbosa, pelo qual a Paraíba foi conquistada. Os beneditinos chegaram um ano depois e criaram uma abadia na Bahia, em 1584. No entanto, a ordem nunca estava interessada pelo trabalho feito nas missões e, geralmente, seus componentes eram dedicados à vida que contemplavam, morando em ricos mosteiros. Foi mostrado por um levantamento realizado em 1871 que, além de vários edifícios nas cidades e grandes fazendas, os beneditinos tiveram também quatro mil escravos. Não foram os únicos: os mesmos jesuítas inauguraram a prática já em 1549.[6]

Isso não constitui surpresa alguma, por isso, que em 1883, em seu livro clássico O Abolicionismo, Joaquim Nabuco escreveu:[6]

Grande número de padres possuem escravos sem que o celibato clerical o proíba. Esse contágio, de escravidão deu à religião, entre nós, o caráter materialista que ela possui, destruiu-lhe a face ideal e tirou-lhe toda a possibilidade de desempenhar na vida social do país o papel de uma força consciente. Nenhum padre nunca tentou impedir um leilão de escravos nem condenou o regime religioso das senzalas”.

 O Abolicionismo

Marquês de Pombal e o inimigo dos jesuítas[editar | editar código-fonte]

Em 26 de fevereiro de 1759, um panfleto denominado Notícias interessantes, editado em Lisboa, noticiava:[7]

“Os jesuítas estão prestes a ser todos expulsos deste reino. As outras potências poderiam bem imitar Portugal. Esses senhores levaram muito longe sua ambição e seu espírito subversivo. Eles pretendiam dominar todas as consciências, e invadir o Império do Universo”.

 Notícias interessantes, de 26 de fevereiro de 1759

Seis meses depois, a “profecia” era realizada: 432 jesuítas eram exilados para Roma, onde o papa Clemente XIII os acolheu de maneira relutante.[7]

A antecipação da informação pelas Notícias interessantes não surpreendeu: era sabido pela sociedade que, apesar da sua redação por um abade pelo qual a batina era abandonada, os libelos eram trabalho de Sebastião José de Carvalho e Melo. Não era desconhecido por ninguém que, além de ser a personalidade mais importante do reino, o que viria a ser o Marquês de Pombal foi também o mais forte inimigo dos jesuítas. Descendente da pequena nobreza, Pombal ascendeu socialmente após o rapto e seu casamento com uma viúva endinheirada. Em 1750, depois de anos como diplomata em Londres, se tornou ministro do rei D. José I. Apesar de seu despotismo e crueldade, depois havia assumido o controle do país e, mesmo tendo empregado familiares e distribuído propinas, era um administrador laborioso e competente.[7]

Em Portugal, a agricultura e a viticultura foram incentivadas, a política fiscal foi endurecida, monopólios foram criados, os nobres foram combatidos, os comerciantes foram favorecidos e os tecnocratas “estrangeirados” foram postos no poder pelo Marquês de Pombal. Ele reergueu Lisboa depois do terremoto de 1755 — como o ouro do Brasil.[7]

No Brasil, o inimigo dos jesuítas tornou estabelecidos os limites, libertados os indígenas (para tê-los afastado do controle dos inacianos) e criadas companhias de comércio. Sobretudo, no entanto, mantinha um “propósito de obsessão”: tornar destruída a Companhia de Jesus. Ambos eram os motivos que Pombal encontrou para a concretização de suas vontades: em primeiro lugar, o suposto incentivo dos jesuítas aos guaranis que resistiram no episódio dos Sete Povos das Missões. Por último, um atentado contra o monarca D. José, em que foi vislumbrado por Pombal que os jesuítas eram influentes. Em 16 de setembro de 1759, os religiosos da Companhia de Jesus tinham sido expulsos de Portugal. Em 14 de março de 1760, dos 550 padres que se encontravam no Brasil, os primeiros 119 eram exilados. Uma vez em Lisboa, haviam sido jogados nos calabouços mais nocivos, se unindo aos ex-confessores da família do rei e aos clérigos que ocuparam cargos públicos — aprisionados sem serem julgados nem formalmente acusados.[7]

No ano de 1767 os jesuítas foram mandados embora também de França e de Espanha e, em julho de 1773, a Companhia de Jesus fora extinguida pelo papa Clemente XIV. Isso tornou Pombal definitivamente vitorioso. Entretanto, haveria tido só quatro anos para comemorar essa vitória definitiva: no ano de 1777, com D. José I morto, chegou ao trono a rainha D. Maria I de Portugal, a louca. Pombal perdeu a confiança. Morreu em 1782 e somente foi sepultado em Lisboa em 1836: seu corpo continuou cerca de meio século deixado em abandono na cripta da quinta em que foi exilado. Em 1814, a Companhia de Jesus ressurgiria.[7]

Perseguidores e perseguidos ou o Santo Ofício no Brasil[editar | editar código-fonte]

Para certas pessoas mais confiáveis, o demônio impregnava os trópicos de tal modo que “por trabalho do mesmo mal a voz bárbara de 'Brasil' substituiu a denominação de 'Santa Cruz'”. Apesar disso, a maior parte dos degredados e colonizadores partilhavam da crença de acordo com a qual “não existia pecado ao sul do Equador” — foi a doutrina “Ultra equinoxialem non peccatur”. Segundo a narração do padre Nóbrega, realizada após ter chegado à Bahia, “se contarem todas as casas desta terra, todas acharão cheias de pecados mortais, adultérios, fornicações, incestos e abominações (…) não há obediências, nem se guarda um só mandamento de Deus e muito menos os da Igreja”.[7]

Um duro golpe seria sofrido por esse estado de coisas um junho de 1591. Foi durante a chegada à Bahia do desembargador Heitor Furtado Mendonça, o primeiro a visitar o Santo Ofício.[7]

Uma das mais odiadas instituições da história, a Inquisição tivera se instalado em Portugal — porque o monarca lusitano D. João III exigiu pessoalmente. O mais antigo auto-de-fé e a primeira morte por queimadura de um herege em praça pública chegaram depois. Depois, a paranoia, as delações e as torturas teriam sido exportadas para as colônias ultramarinas de Portugal. No começo, principalmente na vizinha Castela, a Inquisição tivera ligação direta aos dominicanos. No entanto, embora historiadores, em sua grande quantidade, associados à Ordem se esforçaram para terem-no negado, não sobram dúvidas sobre a também favorabilidade franca da Companhia de Jesus aos tribunais, pertencentes ao Santo Ofício, que se instalaram — e seu enorme usufruto do estado de terror que ele provocou. Isso fortaleceu, assim, seu poderio entre as classes menos favorecidas da população, não só em Portugal, mas também, em suas possessões coloniais.[7]

Houve a presença do Brasil a diversas manifestações histéricas — como a do jesuíta Luís da Grã pelo qual, em 1591, foi denunciado um certo Fernão Rodrigues, porque este, em uma procissão, deu “consolações e cousas doces” para os figurantes representando os fariseus e “nada a representar o Cristo”. Mesmo assim, apesar disso, o Santo Ofício tinha agido brandamente na América Portuguesa. Ao invés do que ocorreu no Peru, o tribunal jamais veio a se instalar no Brasil, onde aconteceram somente “visitas”.[7]

Permanecendo quatro anos no país, o “visitador” chamado de Heitor Furtado viajou pelas capitanias da Bahia, Pernambuco, Itamaracá e Paraíba. Muito depois seus pés eram colocados em terra, o “Édito da Graça” era instaurado por ele. Esse anúncio foi uma espécie de mês durante o qual as culpas dos fiéis podiam ser confessadas de maneira espontânea, tendo os crentes escapado das punições do corpo ou do confisco dos bens. Depois, eram iniciadas as “denúncias”. Na Bahia, em dois anos, ocorreram 133 “culpas, confessadas ou denunciadas”. Dentre estas, 29 blasfêmias, 19 sodomias, quatro “pactos com o diabo”, uma “defesa pública de fornicação” e uma “oferenda de armas para indígenas” e “crimes contra a crença religiosa e seus dogmas”.[7]

A fraqueza pela qual ação do Santo Ofício no Brasil foi caracterizada, bem mais que “benevolência” da instituição, pode se atribuir às circunstâncias com as quais o tribunal se esbarrou: o solo era grande e infértil; a sociedade, iletrada e parda. As sutilezas da teologia, que o Concílio de Trento criou, não eram levadas em consideração no trópico.[7]

Realmente, o que principalmente motivou que os terrores persecutórios da Inquisição desembarcassem em um local em que “não havia pecado” teve ligação direta ao crescimento da população de cristãos-novos (judeus que se converteram recentemente para o cristianismo) na colônia. Eles, em sua maior parte, mantiveram relações comerciais com a Holanda — em guerra contrária a Espanha, cuja Coroa absorveu a de Portugal em 1580. Por esse motivo, em 1592, aquele, que, aos sábados, se arriscasse a vestir o “o melhor traje que possuía” praticaria o maior crime que podia ser cometido no Brasil.[7]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Notas

Referências

  1. a b c d e Bueno 2003, p. 48.
  2. a b c d e f Bueno 2003, pp. 50–51.
  3. a b c d Bueno 2003, pp. 51–52.
  4. a b c d e f g h i j k l m n Bueno 2003, pp. 52–53.
  5. a b Bueno 2003, pp. 54–55.
  6. a b c d Bueno 2003, pp. 55–56.
  7. a b c d e f g h i j k l m Bueno 2003, pp. 56–57.

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Bueno, Eduardo (1997). História do Brasil: os 500 anos do país em uma obra completa, ilustrada e atualizada. São Paulo: Folha de São Paulo 
  • Bueno, Eduardo (2003). Brasil, uma história: a incrível saga de um país. 2ª ed. São Paulo: Ática 
  • Bueno, Eduardo (2012). Brasil, uma história: cinco séculos de um país em construção. Rio de Janeiro: Leya 

Ligações externas[editar | editar código-fonte]