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As estações no Liber Divinorum Operum (século XII)

Viriditas (em latim, literalmente "verdor", "verdura", "verdidão", qualidade do verde[1]) é uma palavra que, em contexto teológico, serviu alegoricamente para indicar vitalidade, fertilidade, fecundidade, frescor, exuberância ou crescimento. Está particularmente associada à abadessa Hildegarda de Bingen, que a utilizou de forma polissêmica e em vários contextos que tornam difícil a tradução: referia-se desde a uma potência verdescente presente nos elementos e seres vivos, ampliando a medicina humoral, até à saúde espiritual, muitas vezes como um reflexo do Verbo ou como um aspecto da natureza divina. Foi utilizada anteriormente na Patrística, em uma exegese do verdor para indicar a força da vida e da natureza presente nas escrituras.[2][3][4]

Uso pelos primeiros escritores[editar | editar código-fonte]

Ambrósio emprega a palavra viriditas 33 vezes em seus escritos; Agostinho de Hipona, 16 vezes; e Gregório, o Grande, 72. Na Moralia in Job de Gregório, refere-se à saúde espiritual a que aspira; bem como à regeneração feita pelo Espírito Santo, em alegoria moral que compara a restauração de uma pessoa à recuperação e crescimento de uma árvore. O único uso do termo em Cidade de Deus é feito por Agostinho para descrever a mutabilidade.[2][5][6] Numa coleção de mais de cem cartas de amor do século XII, supostamente entre Heloísa e Abelardo, a mulher usa viriditas três vezes, mas o homem não. Contudo, Abelardo usou a palavra em pelo menos um sermão.[5][6] Também aparece em uma outra obra contemporânea a Hildegarda, o Speculum Virginum, com um sentido comum de se utilizar a imagem natural para indicar o acesso divino na regeneração do mundo.[2]

Em Hildegarda de Bingen[editar | editar código-fonte]

Viriditas é uma das imagens norteadoras de Hildegarda de Bingen, utilizada constantemente em todas as suas obras. Foi sugerido que a exuberância das imagens possivelmente se deve à exuberância do ambiente em Disibodenberg. Seu uso extensivo do termo pode ser frustrante em sua diversidade de formas.[7] Ela aparece mais de 300 vezes na obra de Hildegarda, sem contar outras palavras associadas a "verde".[2]

Peter Loewen considera que os usos que Hildegarda faz de termos são raramente derivativos, e que, apesar de notável influência e adoção por ela do significado de viriditas encontrado nos patriarcas anteriores, ela emprega estratégias de exegese conforme seu modo autêntico e confere conotações com base em seu contato com a ciência natural. Dentre os vários sentidos, para ela viriditas atuava desde como uma força que realiza a unificação entre fé, razão, virtude e pregação; até, paradoxicalmente, como separando Lúcifer e Deus. Além de contexto positivo, também aparece para indicar o verde "brotamento da tristeza" em uma imagem de decomposição de um verme, e para afirmar que o diabo infunde as pessoas com tristeza como um brotar de vegetações.[2]

Em várias passagens, ela adapta mais diretamente o uso de Ambrósio, Agostinho e Gregório, em que associa viriditas ao cultivo espiritual, contrastando-a à aridez (ariditas). Os conceitos de "viriditas mentis" e "viriditas interioris" direcionados por Hildegarda a pregadores parecem se derivar também do entendimento de Gregório. Em recomendações e admoestações de suas cartas, a mais de um membro do claro ela aponta como os sacerdotes se encontravam em um estado murcho de viriditas.[2]

Viriditas era-lhe estreitamente associada à virgindade, e aplicada em suas regras de vestimenta às freiras de seu convento, que a simbolizavam através de seus cabelos soltos, véus brancos e ornamentos de joias.[2][8] Em outras passagens, Hildegarda aponta que ela é presente também em mulheres casadas como uma viriditas oculta, alegorizando-a no Liber Divinorum Operum pela descrição da viriditas do inverno, que é mantida em humildade e revelada apenas para o prazer conjugal.[2]

Em Scivias, Hildegarda concentrou-se principalmente na viriditas como um atributo da natureza divina.[9] No entendimento de Hildegard, viriditas é uma metáfora para a saúde espiritual e física, que é visível no Verbo divino.[5] No Liber Divinorum Operorum, a figura feminina de Caritas, personificação do Amor divino, apresenta-se mobilizando de maneira invisível a viriditas existe em todas as coisas e elementos.[3] Tanto no mundo natural, quanto no mundo espiritual, ela associa que viriditas exige também humidade (humor, humiditas). Refere-se, além do mais, à Virgem Maria como viridissima virga ("ramo verdíssimo"[3]) e também faz alusão à viriditas digiti dei ("verdura dos dedos de Deus") quando escreve sobre São Disibodo.[4]

Hildegarda também a via literalmente como uma substância ou "suco" presente em plantas e seres humanos, como um novo humor que expandia o sistema hipocrático-galênico presente na medicina medieval.[3] Em um estudo sobre Hildegarda pela historiadora da medicina Dra. Victoria Sweet, é apontado como Hildegard usou a palavra viriditas no sentido mais amplo do poder das plantas de produzir folhas e frutos, bem como no sentido de um poder intrínseco análogo dos seres humanos para crescer e curar.[10]

Outros usos[editar | editar código-fonte]

O autor de ficção científica Kim Stanley Robinson usou-o quase teologicamente para significar "a força verde da vida, expandindo-se no Universo":[11]

"Veja o padrão que esta concha cria. O verticilo salpicado, curvando-se para dentro em direção ao infinito. Essa é a forma do próprio universo. Há uma pressão constante, empurrando em direção ao padrão. Uma tendência da matéria de evoluir para formas cada vez mais complexas. É uma espécie da gravidade de padrão, um poder sagrado de enverdecimento que chamamos de viriditas, e é a força motriz no cosmos. Vida, como vê."

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. Constant Mews, in Newman, 211, note 24.
  2. a b c d e f g h Loewen, Peter V. (4 de novembro de 2021). «From the Roots to the Branches: Greenness in the Preaching of Hildegard of Bingen and the Patriarchs». In: Bain, Jennifer. The Cambridge Companion to Hildegard of Bingen (em inglês). [S.l.]: Cambridge University Press 
  3. a b c d Salisbury, Eva (29 de janeiro de 2024). «Hildegard's Viriditas: The Holistic Greening of Premodern Medicine». In: Kertz, Lydia Yaitsky; Emmerson, Richard K. Dante, Eschatology, and the Christian Tradition: Essays in Honor of Ronald B. Herzman (em inglês). [S.l.]: Walter de Gruyter GmbH & Co KG 
  4. a b Bingen, Hildegard of (26 de julho de 1994). The Letters of Hildegard of Bingen : Volume I (em inglês). [S.l.]: Oxford University Press, USA 
  5. a b c Constant Mews, "Religious Thinker", in Newman, 58.
  6. a b Mews, Constant J. (2001). The Lost Love Letters of Heloise and Abelard: Perceptions of Dialogue in Twelfth-Century France. [S.l.]: Palgrave Macmillan. p. 135. ISBN 0-312-23941-6 
  7. King-Lenzmeier, 6-7.
  8. Campbell, Nathaniel M. (21 de abril de 2017). «O nobilissima viriditas». International Society of Hildegard von Bingen Studies 
  9. Mews, 57.
  10. «The Pharos: "Review and Reflections"» (PDF) 
  11. Robinson. Green Mars. Spectra, 1994, page 9.

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