Linha São Domingos - Pomarão
Linha São Domingos - Pomarão | |
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Locomotivas e cocheiras da linha em 1880. | |
Informações principais | |
Área de operação | Concelho de Mértola, em Portugal |
Tempo de operação | 1858–1965 |
Especificações da ferrovia | |
Extensão | 15 km |
Bitola | 1067 mm |
Linha São Domingos-Pomarão | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
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A Linha de São Domingos ao Pomarão, igualmente conhecida como Ramal das Minas de São Domingos, foi uma rede ferroviária, isolada do sistema ferroviário português, que tinha como principal objectivo transportar a produção de pirite das Minas de São Domingos para o porto fluvial do Pomarão, no Rio Guadiana, onde era descarregado para navios, com destino ao estrangeiro.[1] Situava-se no Leste do concelho de Mértola, em Portugal. A exploração mineira iniciou-se em 1859,[2] e foi encerrada em 1965.[3]
Descrição
[editar | editar código-fonte]Percurso e vias
[editar | editar código-fonte]A rede ferroviária das Minas de São Domingos era composta essencialmente pelo percurso desde o couto mineiro até às instalações portuárias no Pomarão, um porto de abrigo no Rio Guadiana, situado a cerca de 20 km da mina.[4] Tinha uma extensão total de aprox. 15 km, com três estações intermédias,[5] possuindo um traçado muito sinuoso.[1]
As vias, tanto no interior da mina como no exterior usavam uma bitola de 1.067 mm (3 pés e 6 polegadas), de forma a dispensar a necessidade de transbordos do mineral.[6] Nas galerias, os vagões eram rebocados por mulas até aos elevadores, que foram construídos tendo em vista as dimensões dos vagões.[6] Os vagões também era puxados por cordas ligadas a motores a vapor, e pelas locomotivas em alguns casos.[6]
Material circulante
[editar | editar código-fonte]Inicialmente foi utilizada a tracção animal para puxar os vagões de minério, tendo depois sido empregues locomotivas a vapor.[7][6] As locomotivas foram fabricadas pela casa Manning Wardle, de Leeds, no Reino Unido.[8] O tipo de atrelagem utilizado era o dos dois tampões e da união dos três elos, tendo sido provavelmente a primeira vez que este sistema foi introduzido em território nacional.[8]
Em termos de material rebocado, os vagões utilizados em 1872 pesavam cerca de duas toneladas, e tinham um corpo em ferro e chassis em madeira de carvalho, com quatro rodas revestidas com aros de aço; o reservatório tinha capacidade para cerca de 4½ toneladas de minério, e possuía uma abertura lateral, para o descarregamento do minério.[6]
História
[editar | editar código-fonte]Antecedentes
[editar | editar código-fonte]Os primeiros empreendimentos de exploração da Mina de São Domingos remontam à época das grandes civilizações, sendo então o minério transportado por terra até Mértola, onde era feito o transbordo para navios que desciam o Rio Guadiana.[1] A exploração mineira terminou nos finais do domínio romano, no século IV.[1]
Só no século XIX é que retomou o aproveitamento das minas de São Domingos, no âmbito da Revolução Industrial,[1] tendo sido entregue inicialmente a um grupo espanhol, que no entanto não tinha quaisquer intenções de desenvolver a exploração, pelo que apenas fez alguns trabalhos de prospecção, que renderam poucas centenas de toneladas de minério.[6] Em 1856, a administração do couto passou para a firma Mason & Barry, Ltd. de Londres.[9] Sob a nova gestão, foram construídas as infra-estruturas portuárias no Pomarão, e instalada uma estrada desde este ponto até à mina,[6] uma vez que o jazigo estava situado numa zona de relevo montanhoso no interior,[4] e não existiam quaisquer vias de acesso.[6] A exploração das minas de São Domingos iniciou-se em 1858.[10] Tal como aconteceu com outros jazigos mineiros no Alentejo, como as Minas da Caveira, Juliana e Aljustrel, o transporte do minério era feito originalmente por almocreves,[7] utilizando carroças puxadas por mulas ou cavalos, tendo a estrada sido posteriormente alargada e melhorada, para facilitar as deslocações.[6]
Construção e evolução
[editar | editar código-fonte]Pouco tempo depois, foi instalada uma via férrea, onde inicialmente continuou a ser utilizada a tracção de sangue.[6] No entanto, este tipo de transporte revelou-se ineficaz para escoar a cada vez maior produção mineira,[6][11] pelo que por volta de 1861[6] ou 1863[8] começaram a ser utilizadas locomotivas a vapor à superfície, embora no interior das galerias continuassem a ser utilizados animais para rebocar os vagões.[6] O caminho de ferro mineiro do Pomarão foi uma das primeiras linhas de via estreita em Portugal.[12] Além de aumentar a capacidade de escoamento, a instalação da via férrea também permitiu uma considerável redução no custo do transporte do minério.[13] No entanto, a dependência dos almocreves em relação à mina era muito grande, pelo que a população insurgiu-se contra os comboios a vapor, tendo feito tentativas para sabotar as vias férreas.[7]
Embora no início fosse muito condicionada, a rede ferroviária foi-se desenvolvendo à medida que a exploração foi aumentando, tendo o parque de material chegado às dezenas de locomotivas e centenas de vagões nos princípios do Século XX.[4] Assim, o caminho de ferro tornou-se uma parte integrante não só das operações mineiras, mas também da vivência local, tendo várias povoações, como Santana de Cambas, passado a reger-se pelos movimentos dos comboios e dos navios no Pomarão.[14] Nos primeiros anos da República, o horário dos maquinistas e do pessoal ligado aos caminhos de ferro foi fixado em 10 horas, das quais oito horas e meia eram de trabalho, no âmbito de nova legislação lançada pelo governo, que procurou melhorar as condições de trabalho.[15]
Ligação planeada à rede ferroviária nacional
[editar | editar código-fonte]Primeira fase
[editar | editar código-fonte]Durante a discussão sobre o prolongamento do Caminho de Ferro do Sul a partir de Beja até ao Algarve, na década de 1860, um deputado acusou o estado de dar mais prioridade às regiões do Norte do país em detrimento do Sul, em relação ao desenvolvimento da rede ferroviária, e que o Alentejo era uma das províncias mais avançadas em termos de actividades de mineração, especialmente a Mina de São Domingos, que produzia uma importante tonelagem de minério, e que esta e outras explorações poderiam ser muito beneficiadas com a ligação à rede ferroviária nacional.[16] Com efeito, em 1864 registou-se a passagem de 563 navios pelo cais do Pomarão, que transportaram cerca de 100 mil toneladas de minério para o Reino Unido, e no ano seguinte já estava a ser instalada maquinaria a vapor para depurar o cobre e, desta forma, rentabilizar a sua exportação.[11] Apesar da existência da via fluvial para escoar a produção, os deputados do Alentejo continuaram a utilizar as Minas de São Domingos como pretexto para defender que a continuação da linha para Sul de Beja devia ser feita até às margens do Rio Guadiana, passando a menos de 20 Km do couto mineiro, para que a administração das minas pudesse construir um ramal até à linha principal, e assim transportar o minério até ao Porto de Lisboa.[11]
No entanto, devido à mina já ter facilidades próprias de transporte, esta proposta não foi aceite como tendo peso suficiente para desviar a linha para o Algarve, pelo que se escolheu o traçado alternativo, por São Bartolomeu de Messines e Faro.[11] A ideia de ligar as minas à rede nacional foi retomada na transição para o século XIX, quando se procurou construir uma linha férrea que servisse o vale do Rio Guadiana, desde Évora até ao Pomarão, passando por Reguengos de Monsaraz, Mourão, Moura, Pias (aproveitando a Linha do Sueste, que já estava construída) e por Serpa.[17] Devido aos elevados custos de construção, a linha não seria construída além de Pomarão até Vila Real de Santo António, pelo que essa zona continuaria a ser suprida apenas pela navegação fluvial.[17] Outro projecto apresentado nesta altura para ligar o Caminho de Ferro do Sul a Pomarão foi a Linha do Baixo Alentejo, que teria o seu início entre as estações de Garvão e Casével,[17] e passagem por Ourique e Almodôvar ou Castro Verde.[18] O troço de Pias a Pomarão foi um dos projectos listados num inquérito que se fez ao público em 1899 sobre quais as linhas que deviam ser feitas, tendo sido inserido como via estreita, e servindo não só a Mina de São Domingos, mas também outros jazigos mineiros na região.[19] Ambas as linhas foram inseridas no Plano Geral da Rede Ferroviaria ao Sul do Tejo, decretado em 27 de Novembro de 1902.[18]
Segunda fase
[editar | editar código-fonte]Em 12 de Agosto de 1922, o Partido Liberal Republicano realizou um congresso distrital, onde se firmou que uma das prioridades reivindicativas na região eram as ligações ferroviárias de Pomarão a Serpa e Garvão.[20] O Plano Geral da Rede Ferroviária, publicado pelo Decreto n.º 18:190, de 28 de Março de 1930, manteve a intenção de ligar o Pomarão a Évora e à Linha do Sul; o primeiro projecto foi denominado de Linha do Guadiana, do qual já estavam construídos os troços de Évora a Reguengos e de Moura a Pias, enquanto que a Linha do Baixo Alentejo foi substituída pela Linha de Mértola, que teria início em Castro Verde e terminaria na Linha do Guadiana, passando por Mértola.[21]
Apesar de ter chegado a ser a maior operação mineira no país, São Domingos pouco contribuiu para o desenvolvimento do concelho em termos de transportes.[22] Com efeito, a administração apenas se interessava pelos meios relativos à exploração das minas, motivo pelo qual só no Barreiro, e depois em Setúbal, é que se formaram os pólos industriais que aproveitavam os minérios produzidos em São Domingos.[22]
Encerramento e classificação
[editar | editar código-fonte]Na Década de 1950, as reservas existentes começaram a terminar,[9] tendo a mina encerrado em 1965,[1] ano em que se esgotou o minério.[10]
A Portaria n.º 581, de 13 de Julho de 1994, ratificou o Plano Geral de Urbanização da Mina de São Domingos e do Pomarão, que abrangia os núcleos das minas de São Domingos e do porto fluvial do Pomarão, e a antiga via férrea que os unia; o objectivo era proteger e requalificar o património existente, para possibilitar futuras utilizações do ponto de vista social e turístico.[23] No âmbito deste projecto, foi preconizada a reinstalação da rede ferroviária, não só pela sua importância histórica, mas também como uma forma de auxiliar o desenvolvimento industrial e do turismo na região; o antigo edifício das oficinas gerais seria reconvertido para uso como terminal ferroviário e rodoviário.[23]
Todo o antigo complexo das minas de São Domingos e todas as infra-estruturas de apoio, incluindo os vestígios dos equipamentos ferroviários, foram classificados como conjunto de interesse público pela Portaria n.º 414, de 18 de Junho de 2013.[10]
Ver também
[editar | editar código-fonte]Referências
- ↑ a b c d e f TORRES, 1998:6-9
- ↑ NUNES, 1985:24
- ↑ GUIMARÃES, 2011:29
- ↑ a b c MENDES, Adelino (7 de Outubro de 1907). «O cobre em Portugal: a Mina de São Domingos» (PDF). Illustração Portugueza (85). p. 457-462. Consultado em 19 de Fevereiro de 2015
- ↑ ALVES, Helena (1997). Minas de S. Domingos: Génese, formação social e identidade mineira. Mértola: Campo Arqueológico de Mértola. 206 páginas. ISBN 9729375070
- ↑ a b c d e f g h i j k l m BERNAYS, Joseph (2 de Maio de 1879). «Pit Work and Hauling Machinery, San Domingos Mines» (PDF). The Engineer (em inglês). p. 321-322. Consultado em 20 de Fevereiro de 2015. (pede registo (ajuda))
- ↑ a b c GUIMARÃES, 2001:118
- ↑ a b c TÃO, Manuel Margarido (2005). «Atrelagens: Uma Breve Abordagem Histórica». O Foguete. Ano 4 (13). Entroncamento: Associação de Amigos do Museu Nacional Ferroviário. p. 30-38. ISSN 124550 Verifique
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(ajuda) - ↑ a b MATOS, 1973:152
- ↑ a b c PORTUGAL. Portaria n.º 414/2013, de 18 de Junho de 2013. Presidência do Conselho de Ministros - Gabinete do Secretário de Estado da Cultura. Publicado no Diário da República, 2.ª série, N.º 120, de 25 de junho de 2013.
- ↑ a b c d SANTOS, 1995:122-123
- ↑ TÃO, Manuel (2005). «150 Anos de Material Motor Francês em Portugal». O Foguete. Ano 4 (15). Entroncamento: Associação de Amigos do Museu Nacional Ferroviário. p. 13-19. ISSN 124550 Verifique
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(ajuda) - ↑ GUIMARÃES, 2001:87
- ↑ GUIMARÃES, 2001:131
- ↑ GUIMARÃES, 2001:241
- ↑ SANTOS, 1995:119-120
- ↑ a b c «Parte Oficial» (PDF). Gazeta dos Caminhos de Ferro. Ano 15 (360). 16 de Dezembro de 1902. p. 381-384. Consultado em 19 de Fevereiro de 2015
- ↑ a b «Parte Oficial» (PDF). Gazeta dos Caminhos de Ferro. Ano 15 (359). 1 de Dezembro de 1902. p. 357-361. Consultado em 19 de Fevereiro de 2015
- ↑ «Há 50 anos» (PDF). Gazeta dos Caminhos de Ferro. Ano 61 (1466). 16 de Janeiro de 1949. p. 112. Consultado em 9 de Janeiro de 2015
- ↑ PIÇARRA e MATEUS, 2010:26
- ↑ PORTUGAL. Decreto n.º 18:190, de 28 de Março de 1930. Ministério do Comércio e Comunicações - Direcção Geral de Caminhos de Ferro - Divisão Central e de Estudos - Secção de Expediente, Publicado no Diário do Governo n.º 83, Série I, de 10 de Abril de 1930.
- ↑ a b GUIMARÃES, 2001:131-132
- ↑ a b PORTUGAL. Portaria n.º 581/94, de 13 de Julho de 1994. Ministério do Planeamento e da Administração do Território. Publicado no Diário da República, Série 1.ª-B, N.º 581, de 13 de Julho de 1994.
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- GUIMARÃES, Paulo (2001). Indústria e conflito no meio rural: Os mineiros alentejanos (1858-1938). Lisboa: Edições Colibri e Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades da Universidade de Évora. 366 páginas. ISBN 972-772-269-5
- MATOS, Luís (1973). Investimentos estrangeiros em Portugal 3.ª ed. Lisboa: Seara Nova. 350 páginas
- NUNES, António (1985). Alcoutim: Capital do Nordeste Algarvio (Subsídios para uma Monografia). Alcoutim: Câmara Municipal de Alcoutim. 407 páginas
- PIÇARRA, Constantino; MATEUS, Rui (2010). Beja: Roteiros Republicanos. Matosinhos: Quidnovi - Edição e Conteúdos, S. A. e Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República. 128 páginas. ISBN 978-989-554-720-3
- SANTOS, Luís (1995). Os Acessos a Faro e aos Concelhos Limítrofes na Segunda Metade do Séc. XIX. Faro: Câmara Municipal de Faro. 213 páginas
- TORRES, João (1998). Odiana: Paisagens, Percursos e Gentes do Rio Guadiana. Faro: Comissão de Coordenação da Região do Algarve. 104 páginas. ISBN 972-643-105-0
Leitura recomendada
[editar | editar código-fonte]- ANTUNES, J. A. Aranha; et al. (2010). 1910-2010: o caminho de ferro em Portugal. Lisboa: CP-Comboios de Portugal e REFER - Rede Ferroviária Nacional. 233 páginas. ISBN 978-989-97035-0-6
- BENTO, Miguel da Conceição (2013). Vida e morte numa mina do Alentejo: Pobreza, mutualismo e provisão social: O caso de S. Domingos (Mértola) na primeira metade do séc. XX. Castro Verde: 100 Luz. 175 páginas. ISBN 978-989-8448-16-3
- CUSTÓDIO, Jorge (2013). Minas de S. Domingos : território, história e património mineiro. Lisboa: Universidade de Lisboa - Instituto Superior de Economia e Gestão - Centro de Investigação em Sociologia Económica e das Organizações. 180 páginas. ISBN 978-989-96593-3-9
- GUITA, Rui; MARTINS, João Miguel Serrão (2013). Patrimónios e potencialidades da Mina de S. Domingos: o exemplo Erica andevalensis, Cabezudo y Rivera. Évora: Fundação Serrão Martins, Agência de Desenvolvimento Regional do Alentejo e Câmara Municipal de Mértola. 95 páginas. ISBN 978-989-95571-3-0
- VILLAS-BOAS, Alfredo Vieira Peixoto de (2010) [1905]. Caminhos de Ferro Portuguezes. Lisboa e Valladollid: Livraria Clássica Editora e Editorial Maxtor. 583 páginas. ISBN 8497618556