Teoria de conjuntos de Zermelo
Em matemática, a Teoria de conjuntos de Zermelo, abreviada Z, é a apresentação axiomática da Teoria de conjuntos publicada pela primeira vez por Ernst Zermelo em 1908 no seu artigo Pesquisas sobre os fundamentos da teoria de conjuntos. I [1] e que formou a base da Teoria de conjuntos de Zermelo-Fraenkel, ZF, a teoria axiomática de conjuntos mais utilizada hoje, que resulta de acrescentar à Teoria de Zermelo os axiomas de substituição e fundação.
Axiomas da teoria de Zermelo
[editar | editar código-fonte]Axioma de extensão
[editar | editar código-fonte]Dois conjuntos são iguais (são o mesmo conjunto) se eles têm os mesmos elementos. Na linguagem da lógica atual:
Axioma do conjunto vazio
[editar | editar código-fonte]Existe um conjunto, o conjunto vazio ∅, que não contém nenhum elemento:
Axioma do conjunto unitário e do par
[editar | editar código-fonte]Para cada conjunto existe o conjunto unitário . Para cada conjunto e para cada conjunto existe o par (não ordenado) .
Na sua publicação de 1908, Zermelo enuncia o Axioma II com o nome "Axioma dos conjuntos elementares"[2]. Esse axioma tem três partes, que correspondem ao conjunto vazio, conjunto unitário e conjunto de pares. Se interpretamos "dois objetos" do enunciado original de Zermelo do axioma de pares, como dois objetos diferentes, ficaria:
Apesar desse último não ser logicamente equivalente (em primeira ordem) à forma usual anterior, os outros axiomas permitem afirmar a existência de e de usando .
Axioma da separação
[editar | editar código-fonte]Se a propriedade está definida para todos os elementos de um conjunto , então existe um subconjunto de que contém os elementos de que satisfazem a propriedade . Em termos atuais, dada uma fórmula de primeira ordem da linguagem de ZF com a variável livre e os parâmetros :
Axioma do conjunto potência
[editar | editar código-fonte]Para todo conjunto existe um conjunto que tem como elementos todos os subconjuntos de .
Um tal é denominado "conjunto potência de " ou "conjunto das partes de ", usualmente denotado:
Axioma da união
[editar | editar código-fonte]Para todo conjunto existe um conjunto tal que todo elemento que pertence a um elemento de é um elemento de .
Esse cuja existência é afirmada pelo axioma é denominado "união de ":
Ou "união dos elementos de ":
Axioma do infinito
[editar | editar código-fonte]Existe um conjunto que contém o conjunto vazio , e para cada , o conjunto também pertence a . Note que Zermelo usa como o sucessor de na sequência numérica (Zahlenreihe):
A definição habitual, que provém de von Neumann, estabelece sucessor de maneira diferente como .
O axioma do infinito tal como ele é enunciado por Zermelo, poderia ser interpretado modernamente como:
Axioma da escolha
[editar | editar código-fonte]Se é um conjunto de conjuntos não vazios e disjuntos dois a dois, então existe um conjunto de escolha contido na união de , tal que para cada elemento de , tem um único elemento em comum com . A ideia intuitiva é que o conjunto "escolhe" um elemento de cada em :
Contribuição de Zermelo
[editar | editar código-fonte]- Axioma de extensão. Foi idealizado por Bolzano[3], mas como esse trabalho só foi publicado em 1975, possivelmente era desconhecido por Zermelo. Entretanto, Zermelo possivelmente conhecia o trabalho de Dedekind[4] publicado em 1888, que contém um enunciado desse axioma[5].
- Axioma da separação. É original de Zermelo[6]. Skolem propõe, por volta de 1920, que no lugar da "propriedade definida" que aparece na formulação de Zermelo, seja usada uma fórmula da linguagem (de primeira ordem)[7].
- Axioma do conjunto vazio. Zermelo utiliza a palavra "impróprio" (uneigentliche) para se referir ao conjunto vazio, pois não está claro se se ajusta à definição de Cantor de conjunto[5]. Não usado por Cantor nem por Dedekind, possivelmente seja uma definição original de Zermelo.
- Axiomas do conjunto unitário, do par, da união e da potência. Cantor usa esses procedimentos de maneira não formalizada.
- Axioma do infinito. Cantor não dá uma definição formal dos números naturais, mas assume a existência do conjunto deles. Dessa maneira assume a existência de conjuntos infinitos. Além disso, Cantor afirma:
- Que as multiplicidades "enumeráveis" são conjuntos acabados, parece-me um enunciado axiomático seguro.[8]
- Na apresentação de Dedekind de 1888 do Princípio de indução matemática[9], ele concebe o conjunto dos números naturais como contendo e o sucessor de cada elemento desse conjunto. Entretanto, Dedekind define "infinito" de uma maneira diferente, hoje conhecida como infinito de Dedekind[10].
- Axioma da escolha. Introduzido pelo próprio Zermelo em 1904[11] para demonstrar que todo conjunto pode ser bem ordenado.
Independência e consistência relativa dos axiomas
[editar | editar código-fonte]O Axioma do conjunto vazio pode ser demonstrado a partir dos outros axiomas, basta usar o Axioma de separação com a fórmula ≠ que não é satisfeita por nenhum elemento.
Se o Axioma dos pares não pedir explicitamente que ≠ para a existência do par , então a existência do conjunto unitário segue-se da existência de . A independência do Axioma de pares (se os outros axiomas são consistentes) foi demonstrada por Boffa[12], resultado interessante, pois esse axioma não é independente em Zermelo-Frankel.
Fraenkel introduziu o método dos modelos de permutação para demonstrar a independência relativa do Axioma da Escolha[13].
A independência do Axioma de infinito é demonstrada de maneira similar a ZF, é um modelo da teoria de Zermelo sem o Axioma de infinito.
Os axiomas de união e partes são independentes, igual que em ZF. Diferentemente de ZF o axioma da união e consistente relativo aos demais axiomas, se eles foram consistentes. Assim, o axioma da união é uma extensão forte em ZF, mas uma extensão fraca na teoria de Zermelo. O Axioma de pares também é consistente relativo[14].
Referências
- ↑ Zermelo 1908
- ↑ (Axiom der Elementarmengen, Zermelo 2010, p. 192.
- ↑ Bolzano 1975
- ↑ Dedekind 1932, p. 345
- ↑ a b Ver o comentário de Felgner em Zermelo 2010, p. 176.
- ↑ Ver o comentário de Felgner em Zermelo 2010, pp. 179−181.
- ↑ Ver van Heijenoort 1967, p. 285.
- ↑ "Daß die 'abzählbaren' Vielheiten fertige Mengen sind, scheint mir ein axiomatisch sicherer Satz zu sein.", Zermelo 2010, p. 175. Felgner considera esse enunciado um axioma de infinito (Ibid.).
- ↑ Dedekind 1932, p. 361
- ↑ Dedekind 1932, p. 356
- ↑ Zermelo 1904
- ↑ Boffa 1872
- ↑ Ver van Heijenoort 1967, pp. 284−289.
- ↑ Ver González 1991 para esses resultados.
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- Maurice Boffa (1972). «L'axiome de la paire dans le système de Zermelo». Archive for Mathematical Logic (em francês). 15 (3−4): 97−98
- Bernard Bolzano (1975). Einleitung zur Größenlehre und erste Begriffe der allgemeinen Größenlehre (em alemão). II A 7. Stuttgart: Frommann-Holzboog
- Richard Dedekind (1932). «Was sind und was sollen die Zahlen?». Gesammelte mathematische Werke (em alemão). III. Braunschweig: Friedr. Vieweg & Sohn. p. 335−391
- Carlos Gustavo González (1991). Modelos da Teoria de Conjuntos de Zermelo. Campinas: Dissertação de mestrado
- Jean van Heijenoort (1967). From Frege to Gödel: a source book in mathematical logic, 1879−1931 (em inglês). Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press
- Ernst Zermelo (1904). «Beweisß, da jede Menge wohlgeordnet werden kann». Mathematische Annalen (em alemão). 59 (4): 514−516 Reimpresso com tradução ao inglês em Zermelo 2010, pp. 114−119, e tradução ao inglês em van Heijenoort 1967, pp. 139−141.
- Ernst Zermelo (1908). «Untersuchungen über die Grundlagen der Mengenlehre. I». Mathematische Annalen (em alemão). 65 (2): 261−281 Reimpresso com tradução ao inglês em Zermelo 2010, pp. 188−229, e tradução ao inglês em van Heijenoort 1967, pp. 199−215.
- Ernst Zermelo (2010). Collected Works — Gesammelte Werke (em alemão e inglês). I. Heidelberg: Springer. ISBN 978-3-540-79383-0